Cinco Lições de Resistência Olímpica a Partir do Rio de Janeiro

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As Olimpíadas são eventos globais gigantescos que deixam um rastro de destruição quando acontecem. Os problemas associados às Olimpíadas não são casos isolados de má governança e má administração, como são frequentemente retratados. O modelo em si está quebrado. No entanto, o Comitê Olímpico Internacional (COI) demonstrou pouco apetite por mudanças, e suas reformas fragmentadas da Agenda 2020 foram desconsideradas pelo estudioso das Olimpíadas Jules Boykoff, que as definiu como “pequenos passos onde passos ousados são necessários”.

Em resposta à letargia das autoridades, os cidadãos das cidades anfitriãs deram um passo à frente na tarefa. Desde 1932, movimentos sociais locais protestam contra os Jogos Olímpicos que tomam conta de suas cidades. Nos últimos anos, isso se tornou a norma, com protestos nas cidades-sede sendo uma característica regular dos Jogos. Naturalmente, esse ativismo concentra-se nos impactos e questões específicos associados a cada evento, desde os direitos humanos em Pequim 2008, danos ambientais em Vancouver 2010, gentrificação em Londres 2012 e corrupção em Sochi 2014, a violência policial e remoções no Rio 2016, para indicar apenas alguns pontos de discórdia.

Ocorrendo em uma cidade diferente a cada dois anos, o contexto desses protestos difere muito, limitando as oportunidades de construir uma coalizão internacional e aprender com cada evento. No entanto, apesar dos desafios, um movimento nascente contra as Olimpíadas está crescendo. Nesta matéria, vou me basear em entrevistas conduzidas com várias figuras-chave da coalizão que contestaram os impactos dos megaeventos no Rio de Janeiro para ilustrar algumas lições-chave que podem ser úteis para ativistas em futuras cidades-sede. Eles foram questionados sobre quais conselhos dariam e os temas comuns de suas respostas estão descritos abaixo.

1. Abrace a Diversidade de Táticas

Vários desses ativistas notaram a utilidade de se basearem nas lições e experiências de ativistas de outras cidades-sede. Orlando Alves dos Santos Júnior, membro do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas (que reuniu uma ampla gama de atores da sociedade civil para abordar os impactos dos Jogos Olímpicos), destacou que “a experiência do Rio de Janeiro já havia aprendido com outras experiências anteriores”, citando Londres, Vancouver e África do Sul, bem como o trabalho de estudiosos como Jules Boykoff. Em particular, muitos ativistas enfatizaram a importância de uma abordagem envolvendo uma diversidade de táticas, algo aprendido de ativistas de Vancouver.

Em seu livro Activism and the Olympics (Ativismo e as Olimpíadas) de 2014, Jules Boykoff explica a importância dessa abordagem da diversidade de táticas, que “permite aos manifestantes com estilos divergentes e métodos preferidos fazer um pacto para apoiar uns aos outros—ou pelo menos não denegrir publicamente uns aos outros—durante um episódio de disputa”. Em resumo, abraçar a diversidade de táticas ajuda a criar unidade entre uma diversidade de grupos que fazem campanhas de diferentes maneiras, em diferentes questões, adequando essa diversidade a uma estratégia mais ampla de ativismo. Como Orlando diz, o Comitê Popular do Rio era “uma experiência prática de divergência tática e convergência estratégica”.

2. Trabalhar Juntos para Desmascarar a ‘Receita para Destruição’

Um dos tópicos mais comuns entre os ativistas entrevistados foi a importância de formar elos entre uma ampla gama de grupos. O megaevento Olimpíadas é um monstro abrangente que toca em todas as áreas da vida urbana nas cidades-sede, da moradia ao policiamento, da economia à ecologia. Seguindo uma abordagem de valorizar a divergência de táticas, é importante construir uma coalizão com uma ampla gama de atores da sociedade civil. Como disse Theresa Williamson, diretora executiva da Comunidades Catalisadoras (ComCat)*, organização que trabalha junto às favelas: “A primeira coisa é garantir que tenha uma boa rede de atores da sociedade civil… quanto mais diversificada essa rede, melhor”, incluindo movimentos sociais, ONGs de direitos humanos, grupos comunitários, universidades e outros. Em particular, ela enfatizou que essa rede tem que envolver as pessoas que serão diretamente afetadas pelo megaevento.

Giselle Tanaka, outro membro do Comitê Popular, enfatizou a importância de “poder ver e tratar os impactos como comuns, como ligados… as Olimpíadas reúnem questões de habitação, de grandes construções, de transporte público, de espaço público, e a repressão de movimentos sociais”. Reunir todos esses diferentes interesses e construir uma coalizão efetiva repousa na compreensão de que os Jogos Olímpicos não são sobre esporte, como o ativista de Vancouver, Chris Shaw, claramente escreve—eles são sobre especulação imobiliária.

Como Orlando, que também é professor de planejamento urbano da UFRJ, explica, as Olimpíadas “impactam toda a cidade, para satisfazer certos interesses econômicos… A única coisa que justifica o modelo atual de megaeventos é que ele está ligado a três processos: a disseminação das reformas neoliberais, a financeirização das cidades e a transformação urbana em grande escala”. O problema das Olimpíadas não é sobre esportes—é o que esse evento faz com as cidades-sede. Como diz Luiz Claudio da Silva, morador da Vila Autódromo, cuja casa foi destruída para a construção do Parque Olímpico, o evento “é uma receita para a destruição”.

3. Dados São Seus Amigos

A boa notícia é que as evidências e a experiência sugerem que quanto mais as pessoas souberem dos impactos desses eventos, menor será a probabilidade de apoiar o evento. Isso aponta para a importância de fornecer informações concretas que demonstrem os impactos que os megaeventos têm, além de esclarecer os vínculos entre esses impactos. A construção de uma contranarrativa clara, como Orlando colocou, deve basear-se na evidência de impactos negativos.

Isso não será fácil. Normalmente, na fase de construção do megaevento, os dados disponíveis publicamente desaparecem dos sites do governo. Processos que devem ser transparentes ficam opacos. Uma série de interessados poderosos, incluindo governos locais e as corporações mais poderosas do mundo, têm interesse em que essas informações permaneçam ocultas. Como Giselle explicou, “eles tentam esconder até mesmo os dados para que ninguém os veja. Assim, eles escondem os impactos negativos”.

Uma das estratégias utilizadas pelo Comitê Popular no Rio para combater isso foi reunir os dados disponíveis e publicá-los em dossiês de violações dos direitos humanos. Esses documentos ajudaram a acompanhar o que estava acontecendo na cidade, fornecendo dados claros que poderiam ser usados por outras pessoas. Em particular, o número total de pessoas removidas na preparação para as Olimpíadas, conforme calculado no dossiê final—77.206—foi amplamente citado nos relatórios e na imprensa internacional sobre a Rio 2016.

É importante reconhecer que muitas organizações midiáticas também têm interesse em não criticar os Jogos. Como Luiz Cláudio explicou, “a mídia camufla, esconde; a grande mídia está sempre com o sistema”. Por essa razão, ele enfatizou a importância de outros tipos de mídia, como a mídia alternativa, bem como o trabalho de acadêmicos e jornalistas internacionais. O RioOnWatch foi inclusive fundado com essa função de manter um holofote sobre a perspectiva comunitária no período pré-olímpico quando sabiam que muito ia acontecer na cidade, publicando matérias bilingues (português e inglês) sobre a sigla que representava “Rio Olympics Neighborhood Watch” (comunidades do Rio de olho nas Olimpíadas). O site desempenhou um papel importante ao destacar “deturpações das transformações pré-Olímpicas na mídia oficial e convencional”, segundo a ex-editora Cerianne Robertson.

4. Internacionalizar

Há espaço e demanda para essa cobertura crítica, e às vezes a imprensa estrangeira pode desempenhar um papel importante na disseminação de contranarrativas. Como Theresa sugere, “aproveite, porque a imprensa global estará lá”. Isso fornece um caminho para gerar mais visibilidade para os impactos negativos do evento e, como Thainã de Medeiros, ativista de mídia do Coletivo Papo Reto baseado no Complexo do Alemão, disse, “a visibilidade é um direito que difunde outros direitos”. Com o mundo assistindo, a violação de direitos humanos se torna mais difícil. Por exemplo, a presença de um fotógrafo da CNN forçou a prefeitura a aumentar—em mais de 600% em apenas um dia—a indenização oferecida aos moradores da favela do Largo do Tanque cujas casas foram destinadas à remoção.

Um aspecto importante do trabalho com jornalistas internacionais é como você molda sua luta. Enquanto ser explicitamente anti-Olímpico vai atrair a atenção dos jornalistas, como a experiência do Comitê Popular mostrou, também há vantagens em não ser rotulado como tal. A Comunidades Catalisadoras trabalhou com muitos jornalistas internacionais para ajudá-los a relatar sobre as favelas durante a preparação para as Olimpíadas do Rio, e parte da atração dos jornalistas se deu porque a ComCat não se concentrou em tomar partido em relação às Olimpíadas. Como Theresa explicou, dependendo do seu objetivo, “se você se apresentar como anti-Olímpico, talvez não seja tão eficaz. Eles definitivamente vão falar com você porque vão se interessar por essa perspectiva, mas qual é a razão de você ser contra os Jogos Olímpicos?” Segundo ela, o motivo declarado se tornará o foco da entrevista, e não necessariamente a luta pela qual a organização está inserida. Ela argumenta que se organizar em torno de várias questões específicas pode permitir que ativistas ofereçam perspectivas como especialistas locais, não como atores partidários Olímpicos e, portanto, ganham mais credibilidade por suas causas. Ela também enfatizou a importância das reportagens em inglês do RioOnWatch sobre a evolução do processo Olímpico, observando que “traduções para o RioOnWatch tem sido o aspecto mais fácil de envolver voluntários, porque as pessoas veem que estamos produzindo conteúdo útil e que podem fazer algo útil de casa”. As traduções do RioOnWatch contam com um grupo de voluntários, organizados através do Facebook, que doam seu tempo, quando eles podem, para fazerem traduções de matérias.

Todos os ativistas concordaram que o aspecto internacional de sua luta foi importante. Giselle disse que “fez toda a diferença”, enquanto Orlando observou que o Comitê Popular tornou-se “uma referência para tantos estudos acadêmicos, assim como para a imprensa internacional”. Para Luiz Claudio, o desafio é superar o viés da mídia convencional nacional. Falando sobre a luta de sua comunidade contra as remoções, ele observou que “essa informação, essa luta de resistência na Vila Autódromo, não atinge a todos”. Para isso, a imprensa internacional tem um papel, mas outros também: acadêmicos, mídia alternativa, artistas, documentaristas e organizações de direitos humanos. Giselle falou explicitamente sobre a importância dos grupos de direitos humanos, e das Nações Unidas, como fóruns importantes onde seu trabalho, particularmente os dossiês do Comitê Popular, poderiam encontrar uma audiência internacional.

Toda essa visibilidade e apoio internacional serviram, como explicou Giselle, “para exercer uma pressão mais efetiva sobre o governo e até mesmo proteger as pessoas”. As Olimpíadas, para muitos políticos locais, são uma oportunidade de projetar uma imagem idealizada de sua cidade para o mundo, enquanto lustram suas próprias credenciais políticas, muitas vezes com ambição de conseguir um maior cargo. Interromper essa imagem, portanto, fornece um caminho efetivo para a pressão, já que ninguém quer a reputação de estar desconsiderando direitos humanos e privilegiando uma elite internacional acima de seu próprio povo, especialmente se eles tiverem planos de concorrer a cargos mais altos no futuro.

5. Apoie Aqueles que Sofrem os Impactos

Um ponto destacado por Luiz Claudio e sua esposa Maria da Penha foi a necessidade de apoiar aqueles que, segundo Luiz Claudio, “sofrem [os impactos] na pele”. Em face das remoções pela cidade, a comunidade deles estava apoiada por uma ampla gama de ativistas, o que os encorajou a continuar lutando. Como explicou Penha: “Eu vi a solidariedade trabalhando nessa luta porque as pessoas vieram de todo o mundo. Cada um de seu lugar e do meu próprio país. Muitas vezes dizemos que as pessoas não prestam atenção, mas não é verdade, ainda há muitas pessoas boas. O amor não acabou, a esperança continua forte em muitos corações e isso foi fundamental. É amor, solidariedade, sem precondições. Você não pode colocar um preço nisso”.

Embora esta ampla gama de apoio tenha dado aos moradores da Vila Autódromo coragem, o conhecimento que eles tinham sobre os seus direitos foi crucial. Como Luiz Claudio explicou, “uma das coisas que nos fortaleceu muito, para a qual o prefeito não deu atenção, mas que foi uma das coisas que nos defenderam, foi que sabíamos que tínhamos direitos, tínhamos títulos do governo”. Esse conhecimento que veio em parte de lutas anteriores contra remoções, foi apoiado por reuniões com defensores públicos e acadêmicos de universidades locais, engajados com a comunidade para apoiar seus direitos.

Fundamentalmente, como aponta Giselle, é nesta área que se pode progredir. Ao apoiar aqueles diretamente ameaçados pelos impactos dos megaeventos, os ativistas do Rio conseguiram diminuir alguns dos impactos negativos do megaevento. Falando sobre o caso da Vila Autódromo, Giselle explica que neste caso emblemático “em alguns momentos muita gente achou que era impossível reverter essa remoção. No final, aconteceu, mas alguns dos grupos envolvidos, todas as pessoas que ficaram lá, foram muito importantes. Isso foi importante para a comunidade”. Enquanto 97% da comunidade foi removida, é importante reconhecer que 3% tenham ficado. Como Thainã explicou, “trabalhando com direitos humanos você tem grandes chances de perder o tempo todo… mas olha a Vila Autódromo, eu sei que apenas 3% sobreviveram, é triste, mas 3% ainda estão lá… ainda lutando pelo orgulho de dizer: ‘Eu moro na Vila Autódromo’, sabe? Isso é muito gratificante”.

Conclusões

Para concluir, vale a pena enfatizar a resposta de Thainã à pergunta “que conselho você daria às pessoas nas futuras cidades-sede?” Sua resposta simples era “definitivamente não confia no COI!” Eles têm interesses diferentes para as pessoas que vivem nas cidades-sede—interesses alinhados, como Orlando ressalta, com “reformas neoliberais… a financeirização da cidade e a efetiva reestruturação do espaço urbano”. Com esses interesses tomando a atenção do poder do governo local, os processos normais de governança mudam, e a informação que geralmente é facilmente disponível, desaparece.

Megaeventos como os Jogos Olímpicos têm um impacto profundo e transformador em todos os aspectos da vida urbana. Como ativistas, é importante trazer uma rede abrangente de grupos da sociedade civil para acompanhar e desafiar os impactos desses eventos. Estar em rede ajudará a construir a cooperação e uma diversidade de táticas em toda a sociedade civil para apoiar aqueles que vivem os impactos desses eventos. Ir contra o rolo compressor Olímpico pode parecer assustador, impossível, mas pequenas vitórias são possíveis. De fato, as Olimpíadas apresentam aos grupos locais da sociedade civil uma oportunidade única para atrair a atenção global para questões locais em sua cidade. Se você planejar cuidadosamente e focar essa atenção em questões de longa data que se ligaram aos Jogos (como remoções de favelas no Rio), pode até ser possível usar o evento para fazer um progresso genuíno. Boa sorte!

Adam Talbot é professor de sociologia do esporte na Universidade de Abertay, especialista em protestos contra os Jogos Olímpicos. Sua pesquisa atual, incluindo a tradução desta matéria, é apoiada pelo Carnegie Trust.

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*RioOnWatch é um projeto da ONG Comunidades Catalisadoras