Há uma semana, no dia 26 de maio, no Posto 8 da praia de Ipanema, na Zona Sul, por volta de 2000 pessoas participaram do ato de protesto Parem de Nos Matar! Organizações comunitárias e da sociedade civil, lideranças de diversos movimentos sociais, moradores de favelas, representantes políticos e cidadãos do Rio, e um número humanamente inadmissível de mães e famílias de vítimas de mortes extrajudiciais nas mãos da nossa polícia, reuniram-se, na orla, com o objetivo de exigir do Estado o direito à vida e para posicionar-se contra o massacre que está em curso no Rio de Janeiro. Vieram à orla, seguindo os organizadores, para trazer ao conhecimento dos moradores do asfalto, o extermínio de inocentes que está acontecendo hoje nas favelas e periferias da cidade. E para que todos juntos, mudemos este cenário.
O Parem de Nos Matar surgiu no final de abril com moradores do Vidigal que não se conformaram com a morte pela polícia do gari William de Mendonça Santos que, nas semanas anteriores, havia ajudado vítimas das chuvas na comunidade. Mas o grupo cresceu imediatamente por conta da inconformidade generalizada da sociedade civil carioca, que atraiu imediatamente 79 organizações comunitárias de toda a Região Metropolitana do Rio que, juntas, resolveram organizar o grande ato. Entre as principais reivindicações estão o fim de políticas de segurança públicas mortíferas, o combate contra o racismo estrutural e a impunidade, e, de forma bem prática, o fim das operações em horário escolar.
Luta Pelo Direito a Vida
Segundo o Instituto de Segurança Pública (IPS)—e como consta no manifesto do ato—“a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. No primeiro trimestre de 2019, o número de mortos por ações policiais foi o maior registrado nos últimos 20 anos, uma média de 7 assassinatos por dia”. Mediante a esse panorama muitas vozes se uniram, no ato, para lutar contra este quadro de barbárie, com duas mulheres de favelas como apresentadoras: Bárbara Nascimento do Vidigal e Rute Sales de Manguinhos. Cartazes, panfletos e palavras contra a violência sofrida pelos moradores de favelas encheram e ecoaram na Orla de Ipanema.
Presente no ato, o ativista do coletivo Favela Não se Cala, André Constantine, declarou: “Estamos aqui para dizer sim ao amor, estamos aqui para dar as mãos a todos. Tudo é possível, nós podemos sim! Então, esse é um ato pelo direito à vida, é um ato pelo fim do massacre praticado pelo Estado nos territórios de favelas, principalmente com essa política de guerra às drogas onde o plano de fundo é o genocídio da juventude negra”.
O ato foi composto por diversos discursos, intervenções e diálogos extremamente dinâmicos. Sem dúvida, o momento mais marcante foi quando mães e esposas de vítimas do Estado tomaram a palavra para narrar sem rodeios as atrocidades que foram cometidas contra seus familiares. Como introduziu André: “Vamos ouvir aqui as mães que perderam seus filhos para o Estado. A mãe morre duas vezes: ela perde seu filho, depois ela tem que provar que seu filho não era um criminoso… é muita dor para essas mães”.
Vozes das Vítimas
“Nossos filhos estão sendo tombados a troco de quê? De uma Segurança Pública que não existe! Viemos aqui hoje para cobrar os nossos direitos. Nós queremos justiça, queremos respeito, nós só queremos viver em paz.” – Bruna Silva, mãe do Marcos Vinicius da Silva que foi assassinado a caminho da escola, na Maré
“Quando mataram o Andreu, eu fui para a porta do Degase e disse: ‘Vocês mataram o filho da mulher negra errada! Eu vou lutar até as últimas consequências para que eu possa ver justiça…’ Os mortos têm voz e eu sou a voz do Andreu. Mataram somente o corpo de Andreu.” – Deise Silva de Carvalho, mãe de Andreu Luiz Silva de Carvalho torturado até a morte por funcionários do DEGASE
“Morar na favela significa não ter direitos… Nossos filhos têm voz porque nós somos a voz deles, somos as mães dos que sofrem racismo. Eu não pari filho para que o governo dispare na cabecinha. Não pode! Parem de nos matar!” – Mônica Cunha, mãe de Rafael da Silva Cunha, jovem que cumpria medidas socioeducativas no Degase e foi morto por um policial civil
“Meu filho foi assassinado com tiro na cabeça onde não tinha troca de tiro. A polícia deu um tiro na cabeça do meu filho na porta do projeto onde ele estava tirando as crianças da rua, socializando crianças através do esporte… Meu pai que fez academia de polícia dizia que legítima defesa é tiro da cintura para baixo, quando é para matar atira na cabeça.” – Sandra Mara, mãe do professor de Jiu Jitsu, Jean Rodrigo da Silva, assassinado pela polícia, no Complexo do Alemão, ha menos de duas semanas do ato.
Cultura e Arte na Resistência
O Afoxé Filhas de Gandhy se juntou com dançarinas, poetas e artistas para fazer performances de resgate da ancestralidade da cultura negra, que muitas vezes sofre preconceito, é esquecida ou invisibilizada pela sociedade. Os artistas destacaram a resistência dos seus antepassados, exemplos históricos de resistência e tenacidade desde dos processos da escravização na África até a chegada nas Américas, e posteriormente por todo o histórico de constantes adversidades até os dias de hoje. Célebres ícones, como Mariana Crioula—que em 1838 liderou junto a Manoel Congo a maior insurgência de escravos da região do Vale de Paraíba—também foram enaltecidos.
O Levante Popular da Juventude fez uma performance que trazia a questão do morador de favela como alvo da polícia. O grupo se apresentou amordaçado denunciando o silenciamento dos jovens das favelas e periferias. A forte simbologia da performance e as contundentes críticas ao Estado foram claramente impactantes sobre o público.
O Coletivo Favela Tem Voz questionou: “Brasil, o país do carnaval, do malabarismo no sinal, é o país da brincadeira! Rio de Janeiro, cidade turística, com praia, samba e pessoa calorosas, mas será que se conhece a verdade por trás da cidade maravilhosa?”
Artistas e coletivos como o Bando Cultural Favelados, da Rocinha; Projeto Dancegrafia; Grupo Nós do Morro; Slam da Poesia; poeta João Vitor Nascimento, do Vidigal; MC Leonardo da Rocinha e vários outros foram responsáveis por trazer profundos questionamentos e perspectivas sobre a situação atual nas favelas por meio de expressões artísticas que empoderam suas comunidades e fortalecem sua identidade.
Segundo os organizadores do evento, o Parem de Nos Matar seguirá em frente como um Fórum Permanente, organizando debates em comunidades da cidade e outros atos para unir a população carioca pelo fim dos assassinatos de Estado e pela paz nas favelas. Haverá uma plenária no dia 11 de junho na Faferj às 18:30. Todos são bem-vindos.