Há um mês e meio chuvas recordes devastaram o Rio de Janeiro. A chuva torrencial que começou na tarde do dia 8 de abril adentrou a noite e continuou até o dia seguinte, inundando casas e provocando deslizamentos fatais em toda a cidade.
As chuvas destes dias, as mais fortes registradas em 22 anos, causaram dez mortes. A erosão subsequente resultou no desabamento de um prédio em Muzema, na Zona Oeste do Rio, matando mais 24 pessoas.
Embora algumas favelas tenham feito recuperações substanciais desde as enchentes de abril, outras reportaram danos duradouros, apoio insuficiente das autoridades locais e padrões consistentes de negligência da prefeitura. O RioOnWatch entrevistou várias favelas afetadas, e contatou moradores e líderes comunitários para saber mais.
Vidigal
Em abril, as chuvas caíram ladeira abaixo pelo Vidigal, localizado na Zona Sul, transformando a Av. Niemeyer em um rio intransponível. Em resposta, moradores do Vidigal relataram atenção significativa das autoridades públicas. Além do trabalho de limpeza de terrenos pela Geo-Rio, o Vidigal recebeu visitas da Defesa Civil, do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Habitação.
A prefeitura “retirou alguns moradores do local afetado”, disse André Gosi, diretor cultural da Associação de Moradores do Vidigal. “Foram encaminhadas para habitações e estão recebendo aluguel social”, disse ele. “A comunidade recebeu muitas doações, até acima do necessário”, relatou André.
Ao falar na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Enchentes na Câmara Municipal do Rio em 26 de abril, no entanto, o morador do Vidigal Felipe Paiva informou que ele ainda estava lidando com os efeitos das chuvas de fevereiro. Durante o temporal, que resultou em seis mortes na cidade, sirenes de alerta não foram ativadas no Vidigal. A casa de Felipe desabou com ele lá dentro. Felipe disse à CPI que não conseguiu reconstruir sua casa e que não sabia quando estará apto a voltar para casa.
Rio das Pedras
Moradores de Rio das Pedras, na Zona Oeste, relataram danos maiores e de longa duração. “As pessoas perderam tudo. As casas encheram muito. Têm pessoas desabrigadas até agora, sem ter onde morar”, disse Andrea Ferreira, da Comissão de Moradores de Rio das Pedras.
“O que a prefeitura poderia ter feito—e não fez—[foi] a prevenção”, disse ela, apontando para a consistente negligência e a falta de manutenção de um canal de drenagem local. O canal estava cheio de lixo, o que exacerbou a inundação.
Os esforços de limpeza da prefeitura foram igualmente inadequados, disse Lorena Carvalho, também da Comissão de Moradores. “Faltou um plano estratégico para lidar com essa situação”. Na ausência de uma resposta coordenada, a água da enchente e os restos de casas danificadas permaneceram em Rio das Pedras nas semanas seguintes. “Rio das Pedras ficou ilhada por causa dessa falta de manutenção.”
Cantagalo
Moradores do Cantagalo, também em uma encosta na Zona Sul, relatam que a situação se estabilizou. Várias casas foram assoladas por lama durante os deslizamentos de terra que a comunidade testemunhou durante as chuvas. A comunidade se mobilizou para ajudar a limpar as áreas afetadas, mas o trabalho ainda permanece.
O Cantagalo foi duramente atingido durante as fortes chuvas de fevereiro e ainda está se recuperando. Um prédio local que abriga as atividades de inúmeras organizações comunitárias permanece em condições precárias, diz Rosana Mendes, moradora do Cantagalo e instrutora do Projeto Harmonicanto, uma organização comunitária de jovens. “Duas torres caíram e o prédio está sem energia elétrica desde então. Poucas organizações [sediadas no espaço] estão conseguindo tocar suas atividades. O CIEP só está funcionando porque o município cedeu um gerador.”
Larissa Montez, do PPG Informativo, um jornal comunitário on-line do Cantagalo, diz que seu grupo realizou uma campanha de doação para famílias necessitadas, mas que o governo não deu sinal verde para a comunidade se envolver em uma recuperação completa. “Da prefeitura recebemos apenas a visita da Geo-Rio e da COMLURB, que não pode limpar a área. Precisamos que a Defesa Civil apareça para poder nos dizer o que podemos, ou não, fazer, nas áreas afetadas e com riscos. Só podemos iniciar o mutirão de limpeza depois que a Defesa Civil autorizar.”
Pavão-Pavãozinho
Márcia Souza, moradora do Cantagalo e diretora do Museu de Favela, falou com Antônio Nilson no vizinho Pavão-Pavãozinho. A família de Nilson foi diretamente impactada pelas chuvas e ele comentou que nada foi feito.
“A Geo-Rio veio fazer a vistoria para fazer um laudo, que até hoje não ficou pronto. São duas famílias desabrigadas.” As duas casas tornaram-se completamente inabitáveis, com um dos quartos das casas segurando um muro de lixo. “Só não houve óbitos porque nem todas as pessoas estavam em casa, e por um dos quartos ter segurado o muro [de lixo]”, disse Antônio. “A prefeitura precisa agir”, ele insistiu.
O próprio Antônio, que está em tratamento de câncer no cérebro, precisa muito de suprimentos básicos e de mobília completa para sua casa—sua família de quatro pessoas perdeu tudo com a chuva.
Indiana
Enquanto a favela da Indiana, na Tijuca, um bairro de classe média na Zona Norte, não viu mortes ou desabamentos de casas, uma construção imprópria em uma escola próxima desviou o fluxo de água que vinha do Parque Nacional da Tijuca, causando inundações em áreas residenciais ao invés de fluir para o rio que passa pela comunidade. Várias casas tiveram seus primeiros andares completamente inundados e os moradores recorreram a construções de suas próprias barreiras improvisadas de tábuas de madeira e sucatas disponíveis, a fim de evitar mais danos.
O membro da Comissão de Moradores de Indiana, Marcello Deodoro, lamentou que a assistência da prefeitura seja fragmentada. “A falta de apoio em obras maiores já fazem parte da nossa rotina. Não acontece nenhuma obra de infraestrutura dentro desta favelinha”, disse Marcelo, que argumentou que a prefeitura se recusa a realizar projetos de urbanização e de contenção do rio, porque eles definiram a remoção como a única solução para a Indiana. A defensora pública de Indiana e sua Comissão de Moradores buscaram melhorias na infraestrutura por meio do judiciário, mas não viram nenhum progresso por parte da prefeitura. “Esta comunidade tem laudo de ‘baixo risco'”, disse Marcelo. “Porém, baixo risco até quando?”
Rocinha
Moradores da Rocinha também testemunharam perante a CPI das Enchentes na ALERJ no dia 26 de abril, exigindo recursos adequados para futuras prevenções. Maria Consuelo Pereira dos Santos leu uma carta aberta de moradores para a CPI, solicitando “melhores programas de educação ambiental, inclusive empenho para planejamento urbano, e sistemas de alerta para avisar aos moradores sobre eventos climáticos extremos”.
“O slogan da campanha de Crivella era ‘chegou a hora de cuidar das pessoas’—mas quais?”, perguntou Maria Consuelo, “porque muita gente não está recebendo nada”.
A moradora Vanda Ventura, que ficou em pé na cama com as filhas enquanto a água da enchente levava todos os seus pertences, informou que as vítimas das enchentes receberiam o aluguel social no valor de R$400 por mês. “Como vou encontrar uma casa no Rio de Janeiro por R$400?”, perguntou ela.