No dia 10 de agosto, uma festa junina fora de época—ou uma festa agostina—organizada pelos moradores do Trapicheiros, na Zona Norte, marcou um momento de integração comunitária e agradecimento aos integrantes do Projeto Manivela, que apoiaram a comunidade na construção de um parquinho para as crianças ao longo de seis meses de trabalho.
O Manivela foi criado por estudantes da UFRJ para catalisar mudanças sociais em subúrbios e favelas. No Trapicheiros, a construção de uma área de lazer foi levantada junto à comunidade como uma das demandas dos moradores.
“Nós do Manivela tínhamos a visão de que a construção deveria ser totalmente coletiva. Que estávamos lá para trocar saberes e vivências. Foi um processo contínuo de construção de confiança, que se tornou uma amizade”, colocou Joyce Trindade, cofundadora e articuladora de ações e redes do Manivela. “Quase todos os voluntários do Manivela são oriundos de periferias do Rio e isso foi fundamental para gerar a confiança e o trabalho em equipe. Era literalmente a prática do nós por nós“.
A viabilização do parquinho foi feita por meio de doações, arrecadadas pelas redes sociais e pela realização de brechós e parcerias com o poder público, como com a Comlurb, por meio de seu programa de revitalização urbana Rio Novo Olhar, para montar os brinquedos e a cerca.
Os brinquedos foram feitos com material reutilizado, como plásticos e pneus.
“Trata-se de uma comunidade centenária, mas ainda assim não existia um ponto de lazer, um lugar para a diversão das crianças”, disse Paulo Roberto, presidente da Associação de Moradores.
“O local estava abandonado, com mato muito alto, criando focos de mosquito e perigo de ter cobras. Além disso, era um convite para despejo de entulhos”, coloca Ailton Lopes, segundo secretário da Associação de Moradores.
Além de promover o lazer das crianças da comunidade, a ocupação do espaço é simbólica como forma de resistência às ameaças de remoção. A comunidade centenária foi levada às manchetes do O Globo recentemente pelos moradores de um condomínio vizinho, que indevidamente denunciaram o surgimento de uma “nova favela” e diziam temer o avanço de traficantes.
Diante das ameaças, a pequena comunidade se uniu ainda mais. “O Trapicheiros carrega uma ancestralidade e uma força coletiva de imenso potencial. São gerações das mesmas famílias que vivem nesse território—que a partir do medo e do caos, onde seus direitos foram colocados em risco, enxergaram que a única saída seria pela organização”, disse Joyce.
“Depois que o empreendimento imobiliário [foi construído]…começaram as denúncias de que eram invasores, que estavam ocupando área de preservação. E a partir disso a prefeitura se voltou contra eles”, disse Marcello Deodoro, que é da Comissão de Moradores da Indiana, comunidade vizinha, e estava presente na festa.
O Manivela chegou ao Trapicheiros, inclusive, por intermédio da Comissão de Moradores da Indiana. “O pessoal fez uma reunião com a gente lá e viu que a gente já tava com a faca e o queijo na mão”, disse Marcello. A Indiana já é apoiada por um grupo de estudantes de arquitetura que fazem ações de urbanização na comunidade. “A gente está sempre estreitando os laços de solidariedade entre a gente. Então indicamos o pessoal do Trapicheiros, que precisava mais. O próximo passo é colocar uma placa com o nome da comunidade na entrada”, sonha ele.
“A comunidade é muito singular ali na região. Os companheiros e companheiras que lutam pela moradia e melhorias na comunidade têm tido vitórias maravilhosas. É uma luta difícil [contra as ameaças de remoção e o estigma], mas uma luta muito possível. A luta pela regulamentação de seus terrenos, pela regularização. Eles são muito fortes na luta!”, colocou o Vereador Reimont, que acaba de entrar com o Projeto de Lei N° 1356/2019, que visa declarar a comunidade como Área de Especial Interesse Social (AEIS). O objetivo, segundo o projeto, é proporcionar “qualidade de vida e [ampliar] os direitos de cidadania dos moradores, por meio de políticas públicas voltadas a urbanização e organização fundiária e de proteção ao meio ambiente”.
Joyce ecoou a singularidade da comunidade levantada por Reimont: “Eles são únicos! Uma comunidade extremamente familiar e que possui a magia de todos se sentirem em casa. Passar meus finais de semana no Trapicheiros já fazia parte da minha rotina, pois parecia que eu estava indo visitar meus familiares… Era orgânico. Eles agregam as pessoas e nos deixaram fazer parte da história deles, nos adotaram”.