O projeto de urbanização Comunidade Cidade, na Rocinha, anunciado recentemente pelo Governo do Estado, foi o assunto central da reunião do Rocinha Sem Fronteiras, que aconteceu no dia 14 de setembro, na Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem, com o tema Comunidade Cidade – Saneamento.
Os encontros do Rocinha Sem Fronteiras são feitos mensalmente, e contam com a participação direta de moradores e um especialista no tema do mês. Mas desta vez, a convidada Ruth Jurberg, da Secretaria de Infraestrutura e Obras não compareceu, alegando que recebeu orientações para falar sobre o tema somente após a formalização pública.
No entanto, mesmo com a situação atípica, houve a reunião, que foi conduzida pelos próprios componentes do grupo, com cerca de 30 pessoas. José Martins, de 72 anos, é coordenador do Rocinha sem Fronteiras e diante do assunto, ele possui uma preocupação: a vida das milhares de famílias envolvidas.
“Acho que o Estado está pensando em soluções ‘de cima para baixo’ e não avaliando outros fatores. O correto seria abrir para uma participação efetiva dos moradores, que são os principais interessados. Além disso, estou muito preocupado com as 7.000 famílias previstas para saírem. Precisamos de esclarecimentos e transparência de como esse processo será realizado e para onde irão essas pessoas”, desabafou.
Durante esses anos, a favela da Rocinha já foi alvo de dezenas de projetos, entre eles a segunda etapa do PAC, que previa a construção de um teleférico, no qual os moradores foram contra; e a reabertura da Biblioteca Parque (C4), que por sua vez, foi feita pelo Governo do Estado e não pela prefeitura, que também prometeu o “banho de loja” e não foi adiante.
Dessa vez, foi anunciado cerca de R$1,5 bilhão em investimentos na reurbanização da comunidade. Porém perguntas como “o que será respeitado dos estudos urbanísticos já feitos em diálogo com a população?”, “como serão feitas as indenizações?”, “onde está o projeto urbanístico que será implantado?” foram colocadas no decorrer da reunião. O professor Roberto Lucena, de 53 anos, é um dos que apontam a falta de firmeza do projeto.
“Acho que o Comunidade Cidade ainda é um pouco nebuloso, pois não explicita quantas famílias serão afetadas: 7.000 pessoas ou 7.000 famílias? O remanejamento dos moradores, será para dentro ou para fora da favela? O projeto para dar certo, tem que ter participação popular, ou seja, dos moradores. Sobretudo, estabelecer, de fato, o saneamento básico. Fora isso, será mais uma obra pretensamente eleitoreira e a população mais uma vez, ficará esperançosa a aguardando que algo seja feito”, comentou Roberto.
A fotógrafa Cristina Pedroza, de 46 anos, não é moradora da Rocinha, mas frequentemente vai às reuniões propostas pelos grupos A Rocinha Resiste e Rocinha Sem Fronteiras. Para ela, “os problemas crônicos de infraestrutura da Rocinha de moradia, esgotamento sanitário etc., são de longa data. Portanto, as soluções são urgentes. Não é favor nem benevolência de nenhum governo, é um direito garantido pela Constituição. Mas são direitos dos residentes, e de qualquer cidadão, ter acesso à transparência dessas ações e participar das decisões que irão impactar suas vidas. Frequento a Rocinha há alguns anos, por isso as referências que tenho das obras anunciadas pelo governo do Estado para a Rocinha, denominadas ‘Comunidade Cidade’, vêm de moradores locais. Aflição e indignação em decorrência da falta de informações precisas sobre essas mudanças urbanísticas foram os principais sentimentos dos moradores. Não basta realizar obras, mas que essas sejam feitas a partir de canais de escuta e diálogo com a população local”.
O projeto deixou muitas dúvidas aos moradores que explicaram que as informações adicionais relacionadas as obras foram dadas através da imprensa, e não do governo. Porém, ficou claro na reunião, que mesmo com toda a discussão e as dúvidas levantadas sobre o Comunidade Cidade, os moradores presentes desejam sim que algo seja feito de fato, porém de forma segura, participativa e realmente benéfica a toda a população.
Fotografias por André Sales Batista.