Às 7:15 da manhã de quinta-feira, dia 19 de setembro, moradores do Canal do Anil, uma pequena favela localizada em Jacarepaguá, Zona Oeste, acordaram em meio ao caos. Nas primeiras horas da manhã, funcionários da Secretaria Municipal de Conservação (SECONSERVA) chegaram sem liminar alguma, com escavadeiras, acompanhados por membros da Polícia Militar, Guarda Municipal e Polícia Militar Ambiental. Sem sequer aviso prévio, começaram a demolir casas dos moradores e uma cozinha comunitária sendo construída por uma igreja local. Foram destruídas 52 moradias. Muitos moradores já haviam saído cedo para fazer longos trajetos para trabalhar. Outros ainda estavam dormindo.
A maioria das casas foram construídas em anos recentes por famílias de baixa renda sem alternativa para moradia. As casas que foram poupadas (a prefeitura teria chegado com o objetivo de demolir apenas estruturas desabitadas) foram deixadas isoladas em um mar de destroços. Apontando para uma estrutura de aparência solitária no meio da destruição, Allan Silvio, vice-presidente da Associação de Moradores do Canal do Anil, pontuou: “Lá eles não derrubaram porque tinha três crianças”.
No que se tem se tornado a forma mais familiar de intervenção do Estado nas favelas na última década, o governo municipal chegou com extrema força. Em entrevista ao O Dia, o Tenente-Coronel do 18º Batalhão da Polícia Militar Leonardo Oliveira disse: “A Polícia Militar está aqui para garantir a integridade de todos, dos moradores e da equipe da prefeitura. Estamos aqui para assegurar que nada saia do controle”. Ao serem recebidos pelos moradores, que imploraram por respostas, a Polícia Militar respondeu com ameaças e agressões. “Se vocês fizerem motim vão ser presos“, disse um policial, deixando os moradores sem outra escolha senão permanecer como observadores silenciosos enquanto suas propriedades eram destruídas. Allan refletiu: “A polícia é para servir e proteger a todos… Mas quando vem para comunidade, ela não protege a gente“.
Não só a prefeitura não alertou os moradores anteriormente, acerca das demolições, mas também não enviou assistentes sociais ao local, nem forneceu nenhuma forma de indenização aos que perderam suas casas e comércios, como a opção de reassentamento. Um morador que preferiu não se identificar disse que estava terminando uma casa ao lado da sua para seus dois irmãos. A nova casa foi completamente destruída. “Eles [SECONSERVA] quebraram a janela, viram que não tinha nada dentro, nem cama, nem nada, e falaram ‘essa casa pode derrubar’”, lembra Allan. A casa adjacente foi salva pela presença de crianças, mas eles foram avisados que a prefeitura retornaria com avisos para demoli-la em breve, criando um clima de incerteza dentre os moradores acerca do futuro de seus lares.
Moradores dizem que a prefeitura negligencia o Canal do Anil há anos e que as obras públicas prometidas nunca foram realizadas. Há três anos, a prefeitura prometeu melhorias por meio do projeto Bairro Maravilha, mas o projeto nunca se materializou. Hoje, a única infraestrutura visível não construída pela própria comunidade é um pequeno campo de futebol à beira do rio, construído por uma ONG.
Na entrada da comunidade fica um complexo de moradias sociais, resultado do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). Segundo Allan, “era para a gente daqui [do Canal do Anil], moradores, em 2007. Hoje, têm gente de Santa Cruz, têm gente de Guadalupe, têm gente sei lá de onde”. Os moradores do Canal do Anil nunca tiveram a opção de solicitar habitação social em sua própria comunidade, apesar de existirem apartamentos vazios nos prédios. Seu direito à cidade tem sido repetidamente negado, o que os leva a levantarem suas próprias construções.
Os motivos das demolições pela prefeitura são questionáveis. Enquanto a prefeitura alega que as moradias foram construídas em áreas de proteção ambiental, a presença visível de novos arranha-céus de luxo nas proximidades coloca essa alegação em xeque. A comunidade é localizada entre a Vila Pan-Americana e um novo shopping afiliado ao Barra Shopping. Os moradores acreditam que as demolições relâmpago estão na verdade ligadas a planos futuros de desenvolver a península em que está localizada a comunidade.
A apenas alguns quilômetros, o Via Parque, um grande shopping center construído em 1993 no local onde havia antes uma favela, é um lembrete dos planos da prefeitura para a área da Barra da Tijuca. E remoções não são novidade no próprio Canal do Anil, que sofreu ameaças e remoções de fato antes dos Jogos Pan-Americanos, da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Mais recentemente, começaram a surgir grandes obras em torno do Anil, como uma nova estrada ligando a Barra aos novos arranha-céus de luxo. Sobre os investimentos da prefeitura em Jacarepaguá, outra moradora expressou sua opinião: “Eles não fazem nada pelos pobres, só pelos ricos”.
“Hoje eles destruíram os sonhos de muita gente”, disse Jianne Araujo, que vive no Canal do Anil há dois anos. Mais uma vez, a prefeitura atacou os direitos e meios de subsistência daqueles que são mais vulneráveis. Enquanto a Associação de Moradores do Canal do Anil mobiliza a comunidade, a Pastoral de Favelas e Núcleo de Terras e Habitação (NUTH) da Defensoria Pública também se preparam para apoiar a comunidade e um provável retorno da equipe de demolição da prefeitura. Existem temores de remoções violentas como as da vizinha Vila Autódromo antes das Olimpíadas de 2016. Diante da falta de alternativas e de um governo que não está disposto a fornecer moradia social adequada, essas pessoas têm poucas opções a não ser continuar vivendo irregularmente no Canal do Anil com a ameaça iminente de demolição. Como Allan disse, “para onde estas pessoas irão?”.