“Money! Money! Your house!”—é assim que Vilma Cristina Ribeiro, moradora do Vidigal desde que nasceu, há 43 anos, conta como é a abordagem dos investidores estrangeiros que chegam à Rua Carlos Duque, parte alta do morro, para tentar adquirir imóveis. As casas têm localização privilegiada, tanto pelo fácil acesso pela rua principal, quanto pela vista paradisíaca para a praia de São Conrado. Aos interessados a resposta vem, digamos, molhada: “A gente agora está jogando água neles”. E completa: “Eu não quero perder minha casa para a Prefeitura, vou perder para esses gringos?”
O que estes interessados não sabem, é que a Carlos Duque é uma rua prestes a desaparecer. Segundo a Prefeitura, porque está em área de risco, impossível de ser contida, e será removida em breve. Há um auto de interdição desde 2003, mas apenas agora as casas foram numeradas e só não estão no chão por causa de uma liminar na Justiça. Com a pacificação, o risco de um desabamento parece ter ficado iminente.
Já para os moradores, o interesse é retirá-los para dar início à construção de uma estrada turística, que incluiria empreendimentos hoteleiros. “Já que é para tirar a gente, porque não tiram também o condomínio, que corre o mesmo risco?“, questiona Vilma, se referindo ao condomínio de luxo Ladeira das Yucas, que fica na direção abaixo, próximo ao mar, e na linha de um possível desabamento.
A hipótese do lugar dar espaço a um hotel também é temida pela Associação dos Moradores da Vila do Vidigal, que pediu o laudo de um engenheiro independente. O resultado foi oposto ao da Prefeitura. Para o engenheiro Maurício Campos, que examinou o terreno, uma obra de contenção seria viável e mais barata do que uma remoção. Segundo cálculo entregue pelo profissional, o custo da indenização seria, no mínimo, R$25 mil reais por unidade, totalizando um milhão de reais, enquanto a obra sairia por R$900 mil.
Nem moradores, nem a AMVV, tampouco o engenheiro, negam que exista risco para algumas casas. Sete delas estão comprometidas. Apenas duas gravemente. A discordância está em vários pontos. A prefeitura não permitiu aos moradores, tampouco ao engenheiro independente, terem acesso ao laudo que determina que a área está condenada. Agora, a Defensoria Pública está tendo que encaminhar um pedido. Os moradores e o engenheiro questionam: por que remover todas as casas, se apenas algumas correm riscos? Por que elas não foram consideradas de risco, removidas e indenizadas, como as outras 100 casas exatamente ao lado, em 1996? Por que não realizar uma obra de contenção, ao invés de derrubar tudo? E, principalmente, por que a Prefeitura se empenhou em fazer um muro na parte de trás do hotel de luxo que está sendo construído no Arvrão, pelo arquiteto Hélio Pellegrino, e assim desembargar a obra que estava, declaradamente, ameaçada?
As casas
O valor de R$25 mil, que hoje não compra nem um cômodo no Vidigal, não viria em dinheiro. Segundo a comunicação da Prefeitura, não haverá indenização. Eles receberão unidades habitacionais, provavelmente em bairros distantes não só do Vidigal, mas longe da vida profissional e afetiva que construíram na Zona Sul. Mas nem todos sabem de tudo, porque, segundo denunciam, as visitas dos agentes públicos são sempre em horário comercial, durante a semana, quando não há ninguém em casa.
As residências da Carlos Duque passam longe de serem barracos. São simples, porém reformadas com esforço, muitas vezes pelos próprios donos. É o caso de seu Feliciano, que fez questão de convidar a reportagem para entrar. Ele mostra os cômodos reformados por ele mesmo, que é pedreiro. No quintal, os limites da casa distam pelo menos três metros do marco de concreto que delimita áreas de risco no morro. “Ajude a gente, por favor!”, pede à repórter. O mesmo pedido foi ouvido diversas vezes.
O arquiteto
Realizando um projeto ambientalmente sustentável, porém polêmico do ponto de vista social, o arquiteto Hélio Pellegrino revela que o Prefeito Eduardo Paes lhe falou da intenção de mudar as regras de zoneamento no morro, para permitir que empreendimentos hoteleiros pudessem ter área maior que a das demais casas. A justificativa: que estes estabelecimentos trazem desenvolvimento para o lugar.
Informado que alguns moradores estranhavam o tratamento dado a seu hotel, em comparação aos outros imóveis do morro, Hélio afirmou que a obra não foi para ele, e sim “para todos da região”. Mas, em sua opinião, a Prefeitura não deve se mobilizar para manter em casa os moradores ameaçados, já que não faria o mesmo em seu condomínio de luxo, na Gávea: “Tudo isso é invasão. Se minha casa ou a dos meus vizinhos estiver na mesma situação, a Prefeitura não vai fazer uma obra”. Lembrado pela repórter que o terreno em que constrói seu hotel também é uma invasão, e que não possui documento definitivo, ele não respondeu.
Adiante, ao saber das críticas feitas a ele pela engajada Vilma em um vídeo (veja abaixo), pediu: “Escreve aí que eu estou pensando em desistir do meu projeto por causa da negatividade da repórter”.
O medo
Filho de Eike Batista, homem mais rico do Brasil e doador de diversas viaturas para as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), Thor Batista e seu segurança são constantemente vistos rondando o morro desde sua pacificação, em novembro de 2011. Muitos o apontam como sócio de Hélio, que não só nega, como se irrita com a afirmação. O assunto é tão presente no morro, que até mesmo a cozinheira Léa Silva, conhecida como Tia Léa, famosa por ter convidado Obama para uma feijoada em sua laje, questionou Eike sobre seu interesse no Vidigal. Foi quando o encontrou por acaso na Rua Dias Ferreira, no Leblon: “Ele disse que não tem, mas deu uma risadinha”.
“Se a gente tiver que sair daqui e depois aparecer um elefante branco nesse terreno, eu vou correr atrás dos meus diretos e processar a Prefeitura por danos morais”, resume Vilma, da Carlos Duque.
E a história se repete…
A triste ironia desta situação é que ela se passa exatamente em uma localidade que, assim como praticamente todas as ruas do Vidigal, leva o nome de alguém que participou da resistência contra um golpe, dado pela prefeitura em 1977, para remover os moradores do 314, localizado à beira-mar, e dar lugar a empreendimentos de luxo. Só esqueceram de contar a verdade a eles, que foram notificados a saírem de seus (ainda) barracos de madeira, que corriam suposto risco. Em troca, apartamentos “do tamanho de caixas de fósforo”, no conjunto habitacional de Antares, na Zona Norte. “Eles mandaram um caminhão de lixo vir buscar nossas coisas”, recordou seu Armando de Almeida Lima, presidente da AMVV na época e que, ao lado de Carlos Duque e outros guerreiros, conseguiu mudar a história, com a ajuda da Pastoral das Favelas. A luta culminou coma a única visita de um Papa a uma favela brasileira, quando em 2 de julho de 1980, João Paulo II abençoou o morro, ainda hoje muito Católico.
Para Hélio Pellegrino, a história é mentira. “Duvido que a prefeitura tenha feito isso”. Em seguida, ao saber que o compositor Sergio Ricardo mudou-se para a favela naquela época e que fez um musical sobre o tema, finalizou: “É uma besteira ficar mexendo com o passado”.
Moradores se organizam para mexer com o futuro este sábado, 8 de dezembro, através do 1o Seminário de Desenvolvimento Comunitário do Vidigal.