A Favela do Papa
Os casarões que hoje margeiam o costão da Avenida Niemeyer entre os bairros do Leblon e São Conrado, não passavam de barracos humildes até o final da década de 50. Seus moradores eram pescadores e descendentes de escravos. Com a desculpa de que iriam revitalizar o local, a empresa Melhoramentos do Brasil acabou removendo-os de lá. Em 1958 veio a segunda e em 1977 a terceira remoção, mais violenta e perigosa, acompanhada de perto pela Polícia Secreta do Regime Militar da época. Os moradores que não queriam ir para longe reconstruíram seus barracos no outro lado da margem, no que hoje é conhecido como o Vidigal. De passagem pelo Brasil, em 1980, o Papa João Paulo II, ficou sabendo que uma pequena favela na Zona Sul do Rio de Janeiro, acabara de adotar uma palavra de muita importância naquele período: a resistência. Encantado pela paixão que os moradores tinham pelo lugar, sua Santidade, o Papa, deixou de presente à comunidade seu anel. Os jornais da época noticiavam: “O Vidigal é um dos símbolos da resistência; é a favela do Papa”.
Moradores contam que desde a década de 60, lutam contras as práticas de remoção.
“Nós os moradores, sempre fomos muito bem organizados, deixamos de presente às futuras gerações o prazer de zelar por nossas terras. Só quem constrói a própria casa sabe quanto amor se tem por ela. Agora é mais fácil. Eles já compram elas construídas e não tem ligação alguma. Se você for pra rua e perguntar a qualquer um sobre a história do Vidigal, ninguém saberá te dizer como ela ocorreu de fato. Isso é triste. Se somos conhecidos pela bela vista e nossos artistas, isso é graças aos guerreiros do passado. Meu medo é que essa geração de novos moradores deixe nossa história morrer”, conta Armando de Almeida Lima, de 71 anos, um dos fundadores da Associação de Moradores do Vidigal (fundada em 1967).
Com a pacificação, mais pessoas vem morar na favela.
O paulistano E.B., de 36 anos, foi mais um que resolveu adotar a favela como lar. Acostumado a vir à cidade maravilhosa para visitar seu pai, sempre que ia ao Arpoador não conseguia deixar de observar o Vidigal. Mesmo com a opção de um apartamento bacana em Ipanema, escolheu morar na favela.
“Na época já sabia da pacificação e pensei que seria uma ótima oportunidade, devido à localização e ao bom preço. Por sorte, o dono do espaço é um senhor que eu já havia conhecido numa outra ocasião”, conta E.B., que era coordenador de desenvolvimento de mercado inclusivo em Moçambique e hoje trabalha com alimentação.
Um retrato do futuro?
A bela vista de tirar o fôlego do mirante no Arvrão. A fila do moto-táxi enorme no pé do morro, os bares e igrejas lotados; a barraquinha de cachorro quente do Luís, fazendo cada vez mais sucesso. Tudo muito diferente da década de 60, quando não havia esgoto, nem água encanada. A pacificação acelerou um processo que já existia. A transação imobiliária passou a ser vista com bons olhos e hoje, quem compra sabe bem o que quer comprar e onde comprar. Sabemos que o risco de remoção ainda existe. É só observarmos o caso na Rua Carlos Duque (parte alta do morro) para termos uma ideia da gravidade do problema. Os moradores mais antigos protestam a sua maneira, deixando claro o quanto a presença desses novos vizinhos é assustadora. Já os novos moradores, tentam de todas as formas conquistar os antigos e com isso o jogo de gato e rato se prolonga. Alguns se vão, muitos chegam. Já virou moda placas de “for sale/a venda” espalhadas pela favela.
E o Vidigal, esse senhor de 54 anos, assiste a tudo de camarote e se lembra do tempo em que nós éramos apenas um grupo de pescadores.