No dia 3 de outubro, às 14h, foi realizada uma manifestação na frente da Prefeitura do Rio de Janeiro para reivindicar o pagamento do aluguel social para as famílias removidas de duas ocupações urbanas que ficavam localizadas próximo à Mangueira: o prédio do IBGE e o Amarelinho—antigo prédio do Ministério da Fazenda.
As famílias que ocupavam o prédio do IBGE foram removidas em abril de 2018 em uma ação de reintegração de posse. Aproximadamente 200 famílias, que viviam naquela ocupação, hoje dependem do aluguel social no valor de R$400 mensais. Na antiga ocupação do Amarelinho ocorreu o mesmo processo. Aproximadamente, 60 famílias foram removidos e cadastrados pela prefeitura, em agosto do ano passado. Essas famílias também dependem do aluguel social desde então.
O dia em que ocorreu a manifestação estava bem quente, e 20 pessoas—a maioria mulheres, algumas acompanhadas de seus filhos—se abrigaram embaixo de uma árvore, em frente ao Piranhão, como é comumente chamada a sede da Prefeitura do Rio de Janeiro. O grupo estava ali presente para cobrar do Prefeito Marcelo Crivella o pagamento imediato do aluguel social, que já estava atrasado a mais de um mês. Uma das manifestantes segurava um cartaz feito de cartolina, com os seguintes dizeres: “Queremos o aluguel social do IBGE. E a moradia também, Crivella”.
A promessa ao remover os moradores do IBGE era de que os mesmos seriam reassentados em um condomínio Minha Casa Minha Vida, no mesmo terreno. Entretanto, passado quinze meses, desde a remoção a construção do condomínio prometido, que receberá o nome de Dona Zica, ainda não foi iniciada. As famílias do Amarelinho também anseiam ser reassentados no programa Minha Casa Minha Vida, também na região da Mangueira. Tal como para as famílias do prédio do IBGE a obra ainda não foi iniciada.
O valor do aluguel social pode ser baixo, contudo ele é fundamental para essas centenas de famílias que dependem desse benefício para morar. Em 2001, o valor do aluguel social pago pela Prefeitura do Rio era de R$200, na época era maior do que o salário mínimo que era de R$180. De 2001 até 2018, a inflação no Brasil foi de 239%, portanto com a correção da mesma o aluguel social deveria ser R$677, mas está no valor de R$400, ou seja, menos 50% do salário mínimo no ano de 2018. A maioria dos ex-ocupantes continuam residindo na Mangueira, onde imóveis alugados pelos ex-moradores por este valor são pequenos e precários. Devido ao atraso do aluguel social, alguns já foram colocados para fora de suas casas. E a maioria está sendo ameaçada de ser colocada para fora, em breve, caso não paguem os dois meses de aluguel atrasado.
Após a concentração em frente ao prédio, os manifestantes entraram na prefeitura gritando palavras de ordem “Crivella, cadê você, eu vim aqui para receber” e “El, el, el, eu quero meu aluguel”. Logo, na entrada um guarda municipal tentou fechar o portão da prefeitura para impedir a entrada dos manifestantes. Ao fechar, o portão atingiu o rosto de uma das manifestantes. Após essa breve confusão os manifestantes se concentraram em frente a um dos prédios da sede do poder municipal. A manifestação continuou ali na frente por cerca de 30 minutos. Rapidamente, apareceram cerca de oito guardas municipais para impedir que os manifestantes invadissem o prédio. Os manifestantes tentaram bloquear a entrada do prédio, sem sucesso. Depois alguns sentaram em frente a porta de entrada. Nisso foi estabelecida uma comissão para ir até a secretaria de habitação para conversar sobre a questão do aluguel social atrasado e cobrar o início das obras dos condomínios prometidos pelo prefeito.
Duas manifestantes, Marta e Ana, compuseram a comissão que subiu para a Secretaria Municipal de Infraestrutura e Habitação. Enquanto elas subiram as demais continuaram embaixo batendo panela e gritando palavras de ordem. Uma das manifestantes tinha um bebê de cerca de sete meses e o amamentava. Nesse momento chegaram dois rapazes, que também reivindicavam o pagamento do aluguel social. Eles contaram que eram ex-moradores da antiga ocupação Oi Telerj, que foi removida em abril de 2014 de maneira truculenta pela Tropa de Choque e também estavam sem receber o aluguel social.
Segundo relatos, o atraso não era só com os moradores da IBGE, mas com todos aqueles que recebem o benefício pago pela Prefeitura do Rio. Logo em seguida, chegou um grupamento tático da Guarda Municipal, estacionaram o carro perto do portão, com o giroflex ligado, e desceram do carro homens vestidos com coletes e armados com cassetetes. Esse grupamento tático é responsável por reprimir as manifestações e provavelmente chegaram ali para agir caso a manifestação pelo aluguel social tomasse rumos mais ousados. Quando eles chegaram algumas manifestantes disseram que se eles viessem para cima elas não recuariam e enfrentariam com paus e pedras.
Após 30 minutos de espera, a comissão voltou da conversa com os servidores da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Habitação. Segundo elas, a posição da prefeitura era de que os benefícios de setembro seriam pagos no dia 9 de outubro. Porém naquela semana já era para ser depositado o aluguel social de outubro. Elas também receberam a informação de que as obras não tinham sido iniciadas, pois dependem da Caixa Econômica Federal depositar o valor para que possam ser realizadas.
Minutos depois chegou a reportagem da Band. Os manifestantes se dirigiram para a entrada da prefeitura, onde um cinegrafista da Band esperava para fazer a reportagem. Logo assim que os manifestantes deixaram o prédio da prefeitura um guarda municipal se apressou para passar um cadeado no portão e evitar que os manifestantes novamente entrassem no prédio.
Do lado de fora, as manifestantes se reuniram para dar entrevista ao canal televisivo denunciando o descaso do poder municipal. Na entrevista, os manifestantes relataram os problemas econômicos que estão passando devido ao atraso do benefício. Por volta de 17:20h, depois de três horas de manifestação, o ato se encerrou e os ex-moradores retornaram para Mangueira.
No dia 13 de maio de 2018 foi demolido o primeiro dos três prédios do IBGE, que eram ocupados pelas famílias, na Mangueira. No espetáculo montado pela prefeitura na época, o prefeito disse: “O dia 13 de maio não é apenas o Dia das Mães, é também o dia da libertação dos escravos. E hoje caiu uma senzala, talvez uma das últimas a cair no Rio. Mas caiu. Caiu a senzala da Mangueira. Ali, há 25 anos moravam muitos escravos. Não há outra denominação. Aquela população vivia em escombros, sem água e sem luz, como numa senzala”. O discurso do prefeito comparou os ex-moradores da ocupação a escravos. Além de dizer que o lugar em que eles moravam era uma senzala.
A realidade é que a ocupação, com todos os seus problemas, era também um lugar de moradia, precário, porém uma moradia. Como uma das moradoras relatou durante a manifestação: “A gente era feliz lá e não sabia”. A mesma moradora confessou que a ocupação tinha diversos problemas, contudo elas não queriam sair de lá para ficar nessa situação de insegurança, em que não sabem se o aluguel social vai cair ou não.
O dia 13 de maio não é mais comemorado por grande parte dos negros brasileiros, pois a abolição em 1888 foi inconclusa. Pois, os negros ficaram sem casa, terra, educação ou ao menos uma indenização pelos anos de cárcere, no período da escravidão. Da mesma forma, acontece com os ex-moradores da IBGE e do Amarelinho, ao contrário do que disse o chefe do poder executivo municipal, o dia 13 de maio, de 2018, não significou o fim de uma luta por moradia. E sim a continuidade da luta pelo sonho da casa própria e digna.
Jorge Amilcar de Castro Santana é professor de história. Formado em história pela UERJ-FFP, mestre em Ciências Sociais pela UERJ-PPCIS e doutorando em Ciências Sociais pela UERJ-PPCIS. Jorge foi um dos diretores do documentário Nosso Sagrado.