Procurando um Favela Tour? Dispense os Jipes e Busque um Ativista

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Esta matéria é a primeira de uma série do RioOnWatch em parceria com o The Rio Times. Para ler a original em inglês clique aqui.

O carnaval de 2020 está quase chegando e se você é um dos 1,9 milhões de visitantes que pretende chegar ao Rio de Janeiro dentro das próximas semanas, talvez você esteja buscando entender melhor a Cidade Maravilhosa. Saindo de táxi do aeroporto, se for sua primeira vez na cidade, talvez você ache curiosas as casas de tijolo vermelho que acompanham a pista, muitas vezes escondidas atrás de uma barreira. Ou as pipas pairando no ar. Banhando-se de sol nas praias de Ipanema, talvez você admire o morro iluminado que se ergue acima do luxuoso Sheraton Hotel. Dançando pelos blocos de carnaval na área do Centro, talvez você perceba que não conhece nada sobre a história do Morro da Providência, com seus 123 anos. Talvez você decida que quer visitar uma favela.

Se alguém em seu grupo sugerir fazer um tour pela favela, prepare-se para entrar em uma discussão. Sendo esse um assunto que divide opiniões dentre os cariocas e também estrangeiros que têm consciência social, os tours de favela dividem-se em duas categorias: dependendo a quem você pergunta, podem ser considerados práticas de empoderamento ou de voyeurismo. Podem desconstruir percepções ou exotizar as favelas. Podem ser profundamente humanos, proporcionando uma experiência que coloca as duas partes em pé de igualdade, ou safaris.

Podem ser ambos. A diferença se faz pelas intenções do visitante e as do guia. Dentre os negócios e empreendimentos turísticos que brotaram em anos anteriores, mas bombaram durante os megaeventos sediados na cidade, alguns foram fundados por moradores de favelas, enquanto outros o foram por agências de turismo que vieram de fora procurando capitalizar a oportunidade. Hoje em dia, os tours variam de passeios desumanizadores de jipe até passeios guiados por moradores e museus a céu aberto gerenciados por gente nascida e crescida nas favelas, ativistas ou acadêmicos.

Sua experiência—e o dano que você pode vir a fazer—depende em grande parte da sua intenção em ir visitar a favela (pergunte a si mesmo: será que você está genuinamente aberto a aprender, genuinamente curioso e disposto a apreciar ou será que você está visitando para riscar isso da sua lista e tirar fotos de ‘como os outros vivem’) e com quem você decide ir (eles realmente têm interesse no passado e futuro da comunidade, e os moradores estão sendo beneficiados pelo tour?).

Para os ativistas abaixo, que dedicam a vida à luta pelo reconhecimento da—e por melhorias na—sua comunidade, os tours são essenciais para desmistificar o estigma e o exotismo que comprometem justamente essa luta. Os tours fornecem uma linha de comunicação direta entre ativistas e visitantes de fora, muitos dos quais iriam basear suas opiniões nas coberturas violentas e estigmatizantes na mídia. “[A favela] não é só o que falam sobre tráfico de drogas, não é só isso. Vendem essa imagem negativa da favela”, diz Thiago Firmino, fundador do Favela Santa Marta Tour. “Os turistas precisam saber disso. Nós precisamos passar essa imagem adiante”.

Em última instância, a escolha de ir ou não é sua. Mas para os quatro ativistas abaixo (que representam somente algumas das mais de 1000 favelas do Rio e somente alguns dos muitos guias talentosos que vivem nelas), a resposta é clara. Leia, entre em contato, pergunte por aí, vá a um tour, conte aos seus amigos.

Só fique longe dos jipes.

Rocinha Histórica: Fernando Ermiro

Favela:​ Rocinha (​Zona Sul)​
Bairros Próximos:​ São Conrado, Leblon, Gávea, Barra da Tijuca
Nome do Tour:​ Rocinha Histórica
Disponível em Inglês: Sim
Mídia Social: W​hatsApp +55 21 99099 7006 | Facebook | IG: @rocinhahistorica

Parte de um programa conjunto entre o Museu Sankofa e a Rocinha Histórica, o historiador local Fernando Ermiro e seus colegas conduzem tours 100% protagonizados por moradores (tanto guias quanto tradutores) com o objetivo de disputar narrativas prejudiciais construídas em torno da Rocinha, compartilhar com o público a longa história da comunidade e apoiar o desenvolvimento local. Fernando leva os visitantes até o topo da Rocinha e depois desce por suas ruelas sinuosas, traçando a história da favela desde seus moradores originários, os índios Tupi.

Fernando, formado pela PUC-Rio, diz que os tours conduzidos por moradores são imprescindíveis. “Dar prioridade a favela tours guiados por moradores, nascidos na favela, é óbvio mas é algo que [ainda] precisa ser dito”, ele diz. “Mas é um tema controverso. Falamos de legitimidade histórica, mas vozes dissonantes vão dizer [o que importa é] competição e livre mercado”.

Consciente dessa resposta, Fernando e seu parceiro do Museu Sankofka, Antônio Carlos Firmino, criaram o Rocinha Histórica, com a intenção de fazer seu trabalho ser tecnicamente inquestionável. “Estamos falando de entrar no sistema capitalista e ocupar o mercado com qualidade inquestionável”, ele diz. Não é caridade: “Estamos falando de gerar emprego e renda, libertar as pessoas, treiná-las como tradutoras, guias”.

Para Fernando, os tours pela favela são inseparáveis das questões de equidade social. Ele explica que agências e guias de fora operam a partir de uma lógica de exploração, perpetuando a dependência. Tours legítimos e conduzidos pela comunidade devem “tocar em alguns pontos: lei não é sinônimo de justiça; distribuição de renda; fazer girar a economia local; pensar global e agir local”.

Tour da Favela do Vidigal: Felipe Paiva

Favela:​ Vidigal (Zona Sul)
Bairros Próximos​: Leblon, Ipanema, Gávea, São Conrado
Nome do Tour​: ​Vidigal Tour
Disponível em Inglês: Sim
Mídia Social: W​hatsApp +55 21 97425-0660 | ​Facebook | IG: @fmpaiva

O fotógrafo Felipe Paiva do Vidigal iniciou sua carreira no turismo trabalhando de guia nos Jogos Panamericanos em 2007. Depois de ter repetidamente acompanhado visitantes até destinos familiares como o Cristo Redentor, Pão de Açúcar e Jardim Botânico, Felipe começou a se perguntar por que outras partes da cidade estavam sendo ignoradas.

“É impossível andar pelo Leblon e não notar o Vidigal, ou andar por São Conrado e não notar a Rocinha”, diz Felipe, de 34 anos. “O Vidigal faz parte da cidade assim como o Leblon e Ipanema ou qualquer outro bairro”. Motivado por esse pensamento, Felipe se inscreveu em um curso de certificação em turismo e então começou a receber turistas no lugar onde nasceu: o Vidigal.

O tour de Felipe imediatamente atraiu pesquisadores de universidades locais e grupos de estudo. Até o ano de 2010, no entanto, ele já tinha começado a atrair cada vez mais estrangeiros e seus visitantes comentaram que admiravam sua apresentação do Vidigal como um bairro tradicional: “Eu não mostro o Vidigal como um lugar exótico, eu não faço papel de um guia tipo: ‘Vamos ali olhar um faveladozinho, vamos ali olhar um esgoto a céu aberto, vamos ali olhar alguém armado’. Essa não é a minha temática. Não é a minha ideia”.

Felipe diz que a troca de conhecimento que acontece em seus tours não é de mão única. Por um lado, ele diz, visitantes estrangeiros se surpreendem com o fluxo frenético do trânsito para cima e para baixo do Vidigal, algo que para os moradores funciona de forma completamente orgânica. “Se não me engano, o último acidente que tivemos aqui foi em 2010”, ele completa. Por outro, Felipe diz que parte do que gosta em seu trabalho é a perspectiva de fora que recebe dos turistas. “Os clientes sempre me trazem algo novo, ou uma questão nova”, diz Felipe, explicando que não tinha percebido que faltavam praças públicas no Vidigal até que um visitante apontou-lhe essa ideia. “Na favela, a rua é nosso espaço de lazer”.

Providência Turismo / Rolé dos Favelados: Cosme Felippsen

Favela:​ Providência (Centro)
Bairros Próximos:​ Região do Porto, Centro, Santa Teresa, Glória, Tijuca
Nome do Tour​: Providência Turismo
Disponível em Inglês:​ Sim
Mídia Social: W​hatsApp +55 21 98123-4167 | Facebook | IG: @proviturismo

Cosme Felippsen, da Providência, pode ter conquistado um diploma de turismo em 2015, mas conduz tours em sua favela desde os oito anos. Quando um casal estrangeiro que estava visitando a Providência para a celebração do seu centenário (a Providência foi a primeira comunidade a ser chamada de “favela”, originalmente conhecida como Morro da Favela e fundada em 1897, quando soldados voltando da Guerra dos Canudos no Nordeste acamparam ao longo da encosta do morro) pediu para o jovem Cosme que os mostrasse os becos da favela, eles o pagaram com um picolé. “Agora, sou pago com dinheiro e cerveja”, ele brinca. Desde então, Cosme, agora com 30, conduziu mais de 7000 visitantes pelos mesmos becos.

Cosme não é alheio à controvérsia que circunda os tours de favela. “Tem muitos guiamentos em favela que são super rápidos com guias e agências de fora, e que são muito estereotipados”, ele diz. “Não existe preocupação em discutir o que é a favela”. Cosme, em contrapartida, aborda em seu tour os equívocos que cercam as favelas. “O que eu tento passar para as pessoas é a realidade da favela, o que a gente vive e o que a mídia não fala. Eles [da mídia] sempre vem negativar o espaço da favela e as faveladas e os favelados”.

Foi levando isso em consideração que Cosme se uniu a outros ativistas de favelas para organizar o projeto Rolé dos Favelados. Aberto a ambos moradores de favela e a quem vem de fora, o Rolé leva os visitantes às favelas ao redor da cidade, contando com anfitriões locais para guiá-los por seus bairros de origem. Seu objetivo continua o mesmo: “O que me motiva hoje em dia é trazer as pessoas, mudar mentalidades, desconstruir pensamentos, quebrar preconceitos”, diz Cosme. “O interesse [do rolê] é interagir e andar pelas favelas, conversando com o favelado local e um favelado de fora com essa troca, e conversando sobre o que é a favela”.

Favela Santa Marta Tour: Thiago Firmino

Favela​: Santa Marta (Zona Sul)
Bairros Próximos:​ Botafogo, Humaitá, Flamengo, Laranjeiras, Lagoa, Copacabana
Nome do Tour​: Favela Santa Marta Tour
Disponível em Inglês:​ Sim
Mídia Social: W​hatsApp +55 21 99177-9459 | ​Facebook | IG: @favelasantamartatour

“[A favela] não é só tráfico, bandido, guerra, droga entendeu? Eu sou prova viva disso”, diz Thiago Firmino, do Santa Marta. Quando o DJ, produtor de eventos e professor de dança começou a fazer tours pelo seu bairro em 2008, era só um bico. Agora, Firmino tornou-se um tipo de embaixador cultural, levando todo mundo, de Jared Leto até Carmelo Anthony, nos tours do Santa Marta. Ele até foi indicado para carregar a tocha para os Jogos Olímpicos de 2016. “Fluiu muito”, ele diz.

Dentre risadas contagiosas, Thiago leva seu trabalho a sério. “O que me motiva é, todo o dia, poder falar sobre a minha favela e da minha vida”, diz Thiago. “É realmente motivador poder dizer a verdade”. Para seus tours, isso significa exibir os talentos da favela (“Tem gente aqui que já viajou pelo mundo para dar palestra, tocar música”) e demonstrar a cultura de solidariedade da favela (“Todo mundo ajuda um ao outro. Se está faltando arroz na minha casa, vou lá pedir na casa da minha vizinha e pago a ela amanhã. Eu tento passar um pouco desse espírito”).

Para Thiago, tudo isso é parte de um processo para derrubar noções pré-concebidas. “Nós mudamos perspectivas. É um trabalho educacional. Uma aula a céu aberto”, ele diz. Seus visitantes saem transformados, ganhando uma perspectiva impossível de alcançar através do consumo das mídias internacionais. “[Os turistas] ficam encantados com tanta coisa boa que tem aqui, e ficam chateados por essas notícias não estarem sendo vinculadas lá fora”.

Thiago espera que os turistas que participam de seu tour levem sua visão positiva para casa com eles, espalhando a verdade sobre as favelas. “Todo turista que passa tem a missão de propagar [essa mensagem] para outras pessoas”, ele diz.

Para outros guias e ativistas recomendados ou favelas em lugares menos visitados da cidade, clique aqui para consultar possibilidades ou peça recomendações através do email tour@catcomm.org e nós faremos o melhor para respondê-lo.

Esta matéria é a primeira de uma série do RioOnWatch em parceria com The Rio Times focando em turismo nas favelas. Para ler a original em inglês clique aqui.


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