Cinco Meses para as Olimpíadas de Tóquio: 2020 É um Ano Sinistro para os Sem-teto [OPINIÃO]

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Esta matéria foi escrita por Tetsuo Ogawa, morador sem-teto de Tóquio e ativista pelo direito à moradia. Publicado em colaboração com a plataforma KNOCK de Los Angeles, o relato em primeira mão de Ogawa sobre as remoções em andamento fornece um olhar mais atento sobre os efeitos da privatização de espaços públicos no período que antecede os Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020. Enquanto a cidade se prepara para sediar os jogos em julho e agosto deste ano, o RioOnWatch continua comprometido com a vigilância dos Jogos Olímpicos e em apoiar movimentos de resistência em todo o mundo.


Tóquio, Japão—uma multidão de jovens e turistas passavam como uma avalanche, enchendo o mundialmente famoso cruzamento de Shibuya Scramble. Mais de 100.000 pessoas estavam reunidas no local para comemorar a contagem regressiva do ano novo. A alguns quarteirões de distância, em um pequeno parque com brinquedos infantis, cerca de 50 moradores de rua reuniram-se, junto com seus apoiadores, em silêncio para receber o ano novo. Como todos os centros de apoio e escritórios da cidade estão fechados para o feriado nessa época do ano, os sem-teto reúnem-se montando barracas e compartilhando refeições. É uma tradição que acontece todo ano há quase 20 anos, fazer refeições quentes e preparar lugares para dormir nas temperaturas quase congelantes. O ano de 2020 será lembrado como o ano dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Para as comunidades de rua, no entanto, o ano Olímpico nada mais é do que uma ano sinistro.

Em março de 2013, a Comissão de Avaliação do Comitê Olímpico Internacional (COI), responsável pela inspeção das cidades candidatas, realizou uma visita oficial a Tóquio por uma semana. O governo metropolitano de Tóquio recebeu a comitiva gastando quase R$24 milhões. Os preparativos incluíram duas semanas de varreduras na cidade, removendo as barracas e outras posses de pessoas em situação de rua por onde os membros da Comissão de Avaliação do COI passariam em sua excursão num ônibus de luxo. Adjacente ao Estádio Olímpico Nacional, o Parque Meiji vem abrigando entre 10 e 20 pessoas nos últimos 30 anos. No entanto, os moradores foram repentinamente transferidos para um canto pequeno do parque, escondidos sob um tecido branco longe do olhar do COI. Esse episódio confirmou nossa suspeita: se você é um sem-teto que mora em uma cidade candidata a sediar as Olimpíadas você não pode mais existir.

Em outubro de 2013, um mês após o COI ter escolhido Tóquio para sediar os jogos de 2020, as autoridades de Tóquio foram diretamente aos moradores de rua para lhes dizer que, devido à construção futura, eles não tinham outra escolha a não ser deixar o Parque Meiji. Enquanto alguns deixaram o parque voluntariamente, alguns permaneceram, mantendo suas barracas. Em abril de 2016, o Conselho de Esportes do Japão (JSC), para o qual o Governo Metropolitano de Tóquio transferiu os direitos de gestão da terra do Parque Meiji, interveio e removeu, sem nenhum aviso, os moradores que continuaram no parque, depois de seguir somente alguns protocolos rápidos. Eles argumentaram que a pressa era necessária para concluir o novo Estádio Nacional dentro do cronograma programado, sem o qual as Olimpíadas de 2020 não seriam possíveis. Os ex-moradores do Parque Meiji levaram a questão ao tribunal e estão desde então lutando contra o JSC em relação a essa remoção injusta.

O Parque Miyashita, próximo à estação Shibuya, está sendo rapidamente transformado em um hotel de 18 andares, incluindo um shopping de 5 andares ao lado, com inauguração prevista para junho de 2020. O próprio parque será realocado no telhado deste novo shopping. O projeto foi planejado pela Mitsui Fudosan Realty, a incorporadora que mais vende imóveis no Japão e que prevê uma alta demanda por hotéis durante os Jogos Olímpicos. O parque foi fechado para reconstrução em 27 de março de 2017, sem informar os seus usuários. Cerca de dez pessoas que estavam dormindo lá foram removidas no meio da chuva.

Historicamente, muitos parques públicos no Japão funcionam como abrigos para moradores que perderam suas casas devido a desastres naturais e a devastações de guerra. Em razão desse histórico, há uma cultura de tolerância por parte dos governos locais e o grande público com relação aos sem-teto que usam os espaços do parque para morar em suas próprias barracas. Por exemplo, no início dos anos 2000, havia cerca de 650 barracas dentro do Parque Ueno (um dos maiores parques de Tóquio), 350 no Parque Yoyogi e cerca de 100 no relativamente pequeno Parque Miyashita. No entanto, começou a haver uma presença gradualmente maior de agentes de segurança e muitos parques começaram a fechar durante a noite. Empreendedores e prefeituras começaram a considerar os parques públicos como recursos não utilizados e uma lei de parques urbanos foi revisada para que o capital privado obtivesse um acesso mais fácil aos parques públicos. Dentre várias desculpas, as Olimpíadas são frequentemente usadas como uma das justificativas para apoiar a transformação de parques públicos em propriedade privada.

E o que estamos perdendo em meio a essa mudança é a história e o princípio dos parques da cidade, que existem para servir às pessoas pobres, e o fato dos parques serem onde muitas pessoas sem-teto podem encontrar estabilidade e formar uma comunidade.

Muitas vezes, remoções de moradores sem-teto acontecem longe dos olhos do público. Se você não está conectado a organizações de justiça social ou se vive em lugares remotos, seu caso de remoção provavelmente não receberá atenção. Uma exceção, no entanto, foi uma remoção que ganhou atenção nas mídias sociais no final do ano passado, quando um grupo de pessoas sem-teto foi removido de um parque próximo à Baía de Tóquio para abrir caminho para a construção de uma instalação Olímpica. A empreiteira nunca entrou em contato diretamente com os moradores do parque ou forneceu informações, apenas colocou uma placa proibindo a entrada no local. No entanto, no momento da redação desta matéria, a construção ainda não havia começado, principalmente devido às negociações em andamento com o Comitê Organizador de Tóquio 2020. Se não tivéssemos ouvido a comunidade local falar sobre essa remoção imaginamos que ela teria sido concluída em silêncio.

Uma placa marca o fechamento do Parque Shiokaze para a instalação temporária de vôlei de praia das Olimpíadas.

Também descobrimos que em 1º de dezembro de 2019 outro grupo de pessoas sem-teto foi removido do Parque Shiokaze, que fica nas proximidades e foi destinado a abrigar as partidas de vôlei de praia. Novamente, não houve comunicação do governo ou do Comitê Organizador de Tóquio 2020 com os moradores do parque em relação à construção. Esperamos também novas construções para instalações Olímpicas temporárias nos próximos meses. Estamos preocupados que muitos outros parques públicos sejam transformados em áreas para espectadores assistirem os jogos em telões, o que potencialmente causará mais remoções.

Também tememos que uma séria repressão contra pessoas que vivem nas ruas e durmam nas estações de trem e nas calçadas esteja por vir. Cerca de 3.000 pessoas sem-teto em Tóquio (a contagem oficial em janeiro de 2019 foi de 1.126, mas estimamos que haja três vezes mais) estão vivendo todos os dias com ansiedade em relação às Olimpíadas.

Está claro para nós que as Olimpíadas envolvem inevitavelmente a remoção dos pobres de suas casas, pois esses megaeventos esportivos são uma desculpa para políticos e elites estabelecerem reformas urbanas em larga escala. Sempre funcionou dessa maneira, como aconteceu com os sem-teto no Rio de Janeiro em 2016em Atlanta em 1996, e em Los Angeles em 1984, e como acontecerá em cidades como Paris e Los Angeles que planejam sediar os próximos Jogos Olímpicos. Enquanto lutamos contra a própria máquina Olímpica, também precisamos chamar a atenção para aqueles que estão sendo removidos e oprimidos nas cidades-sede em todo o mundo. Devemos lutar para garantir nossa sobrevivência e dignidade.

Tetsuo Ogawa é um morador sem-teto de Tóquio que vive em um parque em Shibuya desde 2003. Desde 2011, ele é membro do Hangorin no Kai, um grupo anti-Olímpico que investiga e protesta contra vários problemas relacionados aos Jogos Olímpicos.


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