Coronavírus nas Favelas, Parte 9: Poesia, Pia e Ação no Combate à Pandemia na Providência

Pia sendo instalada no Morro da Providência. Foto da pagina de Maurício Hora no Facebook
Pia sendo instalada no Morro da Providência. Foto da pagina de Maurício Hora no Facebook

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Essa matéria oriunda do Morro da Providência, é a nona de uma série sobre o impacto da pandemia do coronavírus no dia a dia das favelas, em parceria com o Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego.

A Providência, com mais de 120 anos, é considerada a primeira favela do Brasil. Localizada no Centro do Rio de Janeiro, a área começou a ser ocupada por ex-escravos em 1888, e por ex-combatentes da Guerra de Canudos, em 1897. Os soldados enviados para Canudos ao retornarem ao Rio de Janeiro, não receberam a casa prometida como pagamento e acabaram se instalando no morro.

O Morro da Providência, assemelhava-se com outro morro que se tornou a trincheira dos combatentes em Canudos, que se insurgiram contra a República: o ‘Morro da Favella’. No morro havia a planta “faveleira”. Seja pela lembrança dos soldados do morro baiano ou por uma possível presença da planta ‘favela’ no morro carioca, o fato é que a região passou a ser conhecida como ‘Morro da Favela’.

Com o passar de décadas, a palavra ‘favela’ passou a ser o nome usado para designar assentamentos informais brasileiros, e o Morro da Favela passou ser chamado Morro da Providência. De acordo com o Instituto Pereira Passos (IPP) de urbanismo do governo municipal, sua população tem cerca de 5.000 pessoas. Mas, seus moradores consideram que já são bem mais.

Neste relato, em forma de poesia—as coordenadoras do projeto Horta Inteligente, na Providência—Elisângela Almeida Oliveira e Lorena Portela, contam como a primeira favela está enfrentando à pandemia da Covid-19.

Na cidade do Rio de Janeiro, sua primeira favela segue na luta!
Aqui no Morro da Providência, o tal álcool gel é ouro.
É pra lavar a mão e a roupa que vêm da rua. Mas lava com que água?
É pra comer bem pra manter a imunidade alta. Mas come que comida?
Falta d’água e saneamento básico precário é nossa realidade desde muito antes desses dias de pandemia.
Sai da rua, criança! Mas como faz quarentena com família grande e casa pequena? 

Não tem abraço nem aperto de mão.
Mas, mais do que nunca, coletivos e lideranças vêm trabalhando juntos:
no carro de som gritando por saúde, nas redes sociais gritando por doação!
Segura aí: esses números grandões representam união:
Até o fim de abril, já foram 620 cestas básicas, 103 cestas com alimentos da agricultura ecológica, 950 cartões pras refeições, 2868 litros de água mineral.
Na limpeza, 1.460 sabonetes, 1.008 pacotes de papel higiênico, 1.100 barras de sabão, 400 álcool em gel….
Além disso (e que coisa bonita!): já foram 37 pias instaladas ao longo do morro e 1200 litros de sabão produzido com óleo de cozinha reciclado daqui da região! E tem bem mais vindo aí…
Por transferência bancária ou vaquinha, até empresa grande já fez doação!
E pra distribuir isso tudo? Morador se cadastra por Zap, e quem tá mais vulnerável tem prioridade!

Cultivo de horta e pomar também continua, nas praças, pela rua. 
Será que um dia a favela vai conquistar soberania alimentar? 
Só dá pra saber se a gente plantar!

A rua já anda mais vazia… Mas a maioria de nós ainda tem que sair todo dia pra laborar.
No país mais desigual do mundo, ficar em casa é mais privilégio do que precaução:
proteção que o trabalhador da base ainda não pode utilizar.
E por isso a gente reforça o pedido: renda básica pra já! Burocracia do Estado não tá dando mais pra esperar

Luva e máscara são descartáveis.
A vida de milhões de crianças e moradores de favelas e periferias não!
Daqui vamos apagando umas labaredas de fogo surreais,
mas sabemos que é política pública que dá conta desses problemas estruturais.
É pelos nossos que seguimos: mobilização de formiguinha,
porque não é só uma “gripizinha”.
Todo dia uma providência é tomada.
Nesses 120 anos de Morro da Favela
Resistência e esperança, ainda que em tempos de guerra!

As autoras deste relato poético, Elisângela e Lorena, também desenvolveram uma campanha com aquarelas para transmitir—por meio de mensagens diretas que atraíssem a atenção de maneira positiva— informações úteis à mitigação da transmissão da Covid-19. As ilustrações em aquarela*, feitas por Lorena (@hippie_sinistra), foram elaboradas a partir das observações de Elisângela sobre situações e comportamentos observados na sua vivência na Providência.

Elisângela Almeida criou o projeto Horta Inteligente em 2015. É moradora do Morro da Providência e natural de Vitória da Conquista (BA). Elisângela tem 23 anos, e atualmente trabalha na área administrativa na empresa SUIPA. Com formações nas áreas de administração, logística e design, tem como sonho se formar em ciências ambientais. Em 2015, foi nomeada embaixadora e uma das semifinalistas do prêmio “Prudential Espírito Comunitário”.

Lorena Portela é engenheira ambiental e doutoranda em saúde pública (ENSP/FIOCRUZ). Lorena tem 27 anos e desde 2013 atua com educação e vivências em agroecologia, permacultura e saneamento ecológico. Também é artista plástica e professora de yoga. Sua pesquisa no campo da saúde e das artes visuais dialoga com as questões socioambientais e a afirmação da agroecologia como prática de emancipação.

*As autoras autorizam a divulgação ampla do material produzido.


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