Esta é a nossa mais recente matéria sobre o novo coronavírus e seus impactos sobre as favelas.
Em uma vitória para a comunidade carioca, a Justiça do Rio proibiu ontem, dia 13 de maio, a tentativa do Prefeito Marcelo Crivella de instalar um tomógrafo no terreno da Igreja Universal do Reino de Deus, ao lado do metrô, no acesso à Rocinha, Zona Sul, e obriga a instalação do aparelho na UPA da Rocinha, como prometido originalmente.
Na noite do dia 1o de maio, moradores da Rocinha, foram às suas janelas e terraços para fazer um panelaço, protestando contra a decisão do prefeito. O tomógrafo, um dos 15 comprados pelo município em um esforço de combater a pandemia de Covid-19, teria sido instalado no estacionamento de uma filial da Igreja Universal do Reino de Deus. Crivella, um bispo recentemente licenciado da organização religiosa, é também o sobrinho de seu fundador.
Com eleições municipais marcadas para outubro, a tentativa de instalar o aparelho de tomografia na igreja levantou preocupações de que Crivella estivesse fazendo um jogo político, sinalizando para a base conservadora que o elegeu em 2016. “Moradores se mostram indignados com a atitude do prefeito“, escreveu o morador Roberto Lucena nos comentários de uma live no Facebook. Ele continuou: “Ele combinou com a Associação de Moradores, Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e movimento organizado de instalar o tomógrafo no espaço da Clínica da Família, ou seja, dentro da favela, pois é mais acessível aos moradores. Mas, no apagar das luzes, ele usa dos funcionários da prefeitura para preparar a instalação do aparelho na igreja que ele congrega. Um absurdo”.
Uma petição contra o movimento colheu mais de 4.000 assinaturas, declarando: “Os pacientes precisam de acesso rápido ao equipamento. Colocar o tomógrafo fora do ambiente hospitalar irá dificultar o acesso dos pacientes e a agilidade dos profissionais de saúde“. Além de ser a maior favela do Rio, a Rocinha é também a mais atingida pela pandemia na cidade. Dados municipais relatam 94 casos confirmados de Covid-19 e 18 mortes na Rocinha, em 14 de maio, apesar que profissionais de saúde locais consideram que a contagem de mortes é mais que o dobro que a dos números oficiais.
Os vereadores Tarcísio Motta e Paulo Pinheiro levaram o caso para o Ministério Público Estadual no dia 30 de abril, pedindo uma investigação da decisão do prefeito. Eles também solicitaram uma justificativa da Secretaria Municipal de Saúde sobre o motivo do aparelho de tomografia não poder ser instalado na UPA da Rocinha imediatamente.
“Até o momento, não existe nenhum argumento que justifique a instalação do tomógrafo dentro de uma igreja, já que há uma Unidade de Pronto Atendimento na Rocinha. Também não faz sentido dizer que a igreja é um local provisório. Parece que mais uma vez Crivella está querendo beneficiar um grupo de pessoas, ele se esquece que política pública deve ser feita para todos”, comentou Tarcísio em uma coletiva de imprensa.
Anos de negligência e falta de recursos já devastaram as unidades de saúde da Rocinha, e o histórico de promessas não cumpridas por parte da prefeitura deixou os moradores desconfiados com as declarações de Crivella. “Isso é pura maracutaia interesse próprio tudo menos política justa, e ainda fica esse povo defendendo esse ato de roubalheira, um dinheiro sendo gasto sem necessidade“, disse uma moradora, na semana anterior, que prefere se manter anônima.
Na semana passada, o Ministério Público lançou uma investigação oficial sobre a decisão, que trouxe indícios de impropriedade administrativa e violação dos princípios constitucionais de moralidade e imparcialidade. Ontem, a decisão concluiu: “Defiro a liminar para o fim de suspender o ato consistente nas obras e instalação do equipamento público (tomógrafo) nas dependências da Igreja Universal do Reino de Deus, localizada na Estrada da Gávea, nº 307, Gávea, Rio de Janeiro”.
Os trabalhos de instalação do aparelho nas dependências da igreja já tinham começado. Em um vídeo postado no Facebook no dia 2 de Maio, Crivella afirmou que a instalação do equipamento na propriedade da igreja seria provisório, alegando que a acessibilidade e estrutura do local permitem uma rápida instalação. Ele também alegou que o tomógrafo seria movido para a UPA da Rocinha “quando passar a pandemia”. Ontem, a Prefeitura do Rio anunciou que vai recorrer a decisão através da Procuradoria Geral do Município (PGM).
Essa vitória para a comunidade ocorre quando a Rocinha continua a se mobilizar e se defender diante dos efeitos potencialmente devastadores do surto generalizado da Covid-19 na comunidade. Em um tweet, Tarcísio declarou que a decisão é uma ‘vitória do Estado laico e da Saúde”.