Moradores da primeira favela de São Cristóvão, Barreira do Vasco, visam a participação comunitária, melhorias no saneamento e no fornecimento de eletricidade – e um processo sem remoções – durante as obras do Programa de urbanização de favelas Morar Carioca, sendo a Barreira do Vasco uma das primeiras favelas a se beneficiar pelo Programa.
Localizado junto ao Estádio de futebol do time Vasco da Gama, do qual a comunidade tem o nome, Barreira do Vasco foi a primeira favela no bairro histórico de São Cristóvão e será uma das primeiras favelas na cidade a receber o Morar Carioca, o programa da Prefeitura para a urbanização das favelas.
Com 20 mil habitantes e cerca de 100 empresas, Barreira do Vasco é uma vibrante comunidade plana, no coração de São Cristóvão, perto da famosa Feira de São Cristóvão e da Avenida Brasil. Embora a comunidade permaneça sob o controle do tráfico, a Barreira do Vasco não sofre o mesmo nível de conflitos violentos como outras favelas da Zona Norte sob o controle do tráfico de drogas.
A comunidade foi fundada na década de 30 quando o então presidente Getúlio Vargas entregou terras à uma fundação católica, para permitir às pessoas que necessitavam de habitação a construção de barracos em uma área em frente ao Estádio de São Januário, o estádio do Vasco. Como o terreno adjacente, que era um pântano, foi nivelado e coberto com concreto, mais pessoas construíram suas casas e a favela cresceu.
Vaninha Miguel, 46 anos, Presidente da Associação de Moradores da Barreira do Vasco, tem vivido toda a sua vida na comunidade e sua mãe foi uma das primeiras moradoras do local há mais de 70 anos. Vaninha descreve as condições iniciais da comunidade: “Não tinha água, eram duas bicas para a favela inteira. Pessoas carregavam água… Um coronel sedia pedaço, outro coronel sedia outro pedaço. Brigas de terra existiam, que continuam mas de forma diferente”.
Com as ondas de migração dos estados do Norte e Nordeste, como Ceará, Paraíba e Maranhão, nos últimos 20 anos, a favela começou a crescer verticalmente e mais densamente. “Foram construindo aqueles famosos ‘puxadinhos’, puxa um pouquinho para lá, puxa um pouquinho para cá, e foi aí que os problemas aumentarem”, explica Vaninha. “O esgoto é o mesmo, a água é a mesma, mas com o aumento dos moradores tudo ficou mais difícil”.
Em 2000, a única área aberta que se mantinha na comunidade foi ocupada após um incêndio em Manguinhos, nas proximidades, que deixou centenas de desabrigados. Conhecida como Uga-Uga, em homenagem a popular novela da época, a área é a mais pobre e mais precária da comunidade, onde serviços básicos como eletricidade e saneamento são escassos.
Atualmente, Uga-Uga abriga 200 famílias e apresenta os maiores desafios de desenvolvimento para a Barreira do Vasco. Suas condições contrastam totalmente com as casas bonitas e bem construídas que caracterizam as zonas mais antigas da favela em frente ao estádio.
Como todas as favelas, o desenvolvimento da Barreira do Vasco até agora tem sido amplamente realizado pela própria comunidade. Em 1990 a favela recebeu o programa de urbanização Favela-Bairro em certas partes com foco no saneamento básico. No entanto Vaninha é altamente crítica ao trabalho realizado, dizendo: “Foi em pequenos pedaços da favela. Foi só esgoto em uma parte, mas foi tão mal feito que hoje a gente está colhendo o fruto do Favela-Bairro, mal feito, que houve na época. Tanto que o que nós mais precisamos aqui é uma reurbanização do esgoto”.
Sidesio Soares dos Santos, de 62 anos, morador da Barreira ao longo da vida e Vice-Presidente da Associação de Moradores faz eco ao ponto de vista de Vaninha, afirmando que o saneamento básico é a prioridade número um para a comunidade. Ele diz: “O sistema de esgoto já está saturado há muito tempo. A comunidade cresceu muito para cima e não deram aquele fortalecimento em baixo no esgoto, na água, e sofremos com a deficiência de água e a deficiência no esgoto. Quando chove, as vezes, tem pontos aqui que ficam intransitáveis”.
Sobre o Morar Carioca, o novo programa da Prefeitura para urbanização das favelas do Rio, que Barreira está recebendo este ano, ele diz: “Se não fizer o esgoto não adianta fazer nada”.
Ao contrário do que foi praticado no Favela-Bairro e outras intervenções do Estado nas favelas, o Morar Carioca na Barreira foi lançado de forma participativa, enfatizando o envolvimento da comunidade na elaboração do projeto. O projeto para a Barreira do Vasco está sendo desenvolvido através de reuniões com arquitetos e por uma escuta participativa extensa realizada pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (ibase). O projeto final está programado para estar pronto em maio.
Além de saneamento básico, os moradores identificaram outros problemas para resolver: as redes de água, a eletricidade, as ruelas muito apertadas onde o ar não circula e também as cadeiras de roda não passam. Reurbanizar estas ruas significa que algumas construções serão demolidas e as famílias realocadas. Vaninha está firme em sua afirmação de que essas famílias serão realocadas dentro da própria comunidade ou em áreas circundantes: “Ninguém aqui vai ter de ir a Caxias ou Santa Cruz. Os apartamentos serão construídos no entorno da Barreira do Vasco. Nosso grito de guerra é este: as pessoas só saem se quiserem ser realocados aqui”.
Vaninha e Sidesio estão otimistas, mas cautelosos, sobre as melhorias que estão configuradas para sua comunidade receber. Eles falam da comissão a ser criada no seio da comunidade para acompanhar e supervisionar o trabalho e suas esperanças no resultado final. Sidesio diz: “Para haver progresso, tem que mexer em alguma coisa. Disso estamos conscientes. Tomara que só venham para deixar o povo da comunidade feliz e satisfeito com o projeto, que eles não fujam muito do que foi prometido, como acontece muitos vezes. Eles prometem uma coisa e de repente partem para outra. Então tendo essa comissão do pessoal daqui fiscalizando, nos vamos ter como cobrar deles.”