Esta é a nossa mais recente matéria sobre o novo coronavírus e seus impactos sobre as favelas.
No dia 01 de julho, colaboradores do livro Coronavírus e as Cidades no Brasil: reflexões durante a pandemia promoveram uma conversa ao vivo no YouTube sobre os impactos urbanos do vírus. O livro reúne 33 artigos de arquitetos, urbanistas, economistas, historiadores e engenheiros que refletem sobre temas que vão desde a dificuldade generalizada de realizar o isolamento em casa, até a realidade das remoções e da violência doméstica. Durante o debate online, os membros do painel defenderam mudanças nas cidades brasileiras, como a elaboração de políticas participativas e a renovação democrática.
Em meio à pandemia, eles apontaram que os favelas e bairros de menor renda e politicamente sub-representados—muitos deles, lar principalmente de populações negras—não têm apenas que lidar com o risco de um vírus mortal, mas também com questões como remoções e violência estatal. O caminho a seguir, argumentaram os membros do painel, envolve o aumento da representação e do financiamento público destinado a esses bairros.
“Para recuperar a democracia, temos que trabalhar nas cidades, nos bairros, nas escolas“, disse Erminia Maricato, ex-secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano de São Paulo e ex-secretária executiva do agora extinto Ministério das Cidades.
O painel foi moderado por Leila Marques, uma das organizadoras do livro, ex-diretora da Associação dos Servidores do Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (Cefet) e assessora do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ). Entre os participantes estavam Fábio Bruno de Oliveira, pesquisador da UFRJ e ex-superintendente de Gestão Urbana do Município de Nova Iguaçu; Regina Bienenstein, professora de arquitetura e urbanismo e coordenadora do Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (NEPHU) da UFF; e Erminia Maricato, professora aposentada da USP, ex-secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Município de São Paulo, e ex-secretária executiva do Ministério das Cidades.
O tom do debate foi grave, pois os painelistas reconheceram que a crise sanitária também vem em meio a uma crise política e econômica no Brasil. Além disso, as diretrizes de distanciamento físico recomendadas pela Organização Mundial da Saúde são impossíveis de serem mantidas em áreas de alta densidade das cidades brasileiras. Para Regina, o comportamento do poder executivo brasileiro, que nega a severidade do coronavírus, e dissemina desinformação e sentimentos depreciativos sobre a oposição política e a imprensa, equivale a uma “crise política genocida“.
Em resposta a isso, as iniciativas em nível municipal podem serpoderosos pontos focais de reforma, disse Erminia. Ela também comentou que seu otimismo vem da BrCidades, uma rede ativa de urbanistas e cidadãos engajados. “Hoje, inclusive no Zap da rede, várias pessoas comentaram: ‘Essa rede é um oásis'”. A BrCidades se concentra no trabalho em prol da justiça social e da sustentabilidade ambiental nas cidades. O impulso do grupo traz alegria à Erminia e mostra que “tem muita coisa acontecendo no Brasil”.
A crise pode ser uma oportunidade de mudança, disse Bruno de Oliveira, que ecoou o sentimento de que as cidades podem ser um ponto focal: “Pandemias constroem cidades“.
Ele defendeu mudanças profundas sobre quem pode determinar como a terra é usada nas cidades: “A questão da terra urbana está nas mãos de empresas de construção e empresários”, disse ele, acrescentando que a busca por lucro muitas vezes entra em conflito com o bem-estar daqueles que vivem na cidade informal ou periférica.
Regina comentou que o governo do prefeito do Rio, Marcelo Crivella, coloca os interesses das empresas acima dos interesses populares. A mudança desse paradigma exigirá uma intensa participação política, disse ela: “Essa transformação só vai chegar através da força popular“. Erminia também apelou para uma participação mais democrática e integração dos setores da classe trabalhadora no processo político, a fim de fechar a lacuna de participação. Ela disse que embora o Brasil tenha uma legislação forte sobre participação política, muitas vezes ela não é implementada.
Os membros do painel enfatizaram a importância de considerar iniciativas urbanas bem sucedidas de outras partes do mundo, bem como do Brasil. Bruno compartilhou o conceito de uma “cidade de 15 minutos“, na qual os serviços são planejados de forma que todos os moradores podem ter acesso a tudo o que precisassem—escolas, empregos, saúde e supermercados—em um raio de 15 minutos de suas casas a pé, de bicicleta ou de transporte público. A ideia está sendo implementada em lugares como Melbourne e Paris, e Bruno elogiou sua capacidade de revitalizar os bairros e diminuir o tráfego.
Erminia, por sua vez, elogiou o orçamento participativo, que começou em Porto Alegre há décadas e foi implementado em algumas cidades do país, e os investimentos em escolas e nutrição, como os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), que fortaleceram muito a educação pública no Rio de Janeiro durante as décadas de 1980 e 1990.
Regina e Eminia enfatizaram a importância das universidades nas transformações que elas buscam: “Não é só formação de futuros profissionais, mas é também a formação de moradores e lideranças. É um caminho de mão dupla, é formar e aprender”, disse Regina.
Além disso, ela disse que as universidades desempenham um papel importante no “reforço do movimento popular. Nós temos um conhecimento técnico. A gente tem que colocar à disposição dos grupos mais vulnerabilizados esse nosso conhecimento”.
Um último aspecto que chamou a atenção na fala de Erminia foi a urgência das eleições: “Vamos eleger pessoas nas quais a gente confia. E vamos defender a democracia, é fundamental”.