Esta é a nossa mais recente matéria sobre o novo coronavírus e seus impactos sobre as favelas.
No ano de 2020, com a pandemia do coronavírus, a educação, como todo o resto do viver humano, foi forçada a olhar para si e se reinventar, no improviso do possível. E, com sucessivos cortes de investimentos nas universidades públicas, a inclusão de alunos pretos, pobres e de favelas ainda não é uma realidade nas universidades públicas.
Na impossibilidade do retorno presencial às aulas, as opiniões estão divididas, como disse Augusto Moreira Vasconcelos, 28 anos, morador do Morro do Guarabú, no Complexo do Dendê, na Ilha do Governador, Zona Norte, aluno da Licenciatura em Ciências Sociais na UFRRJ: “Tem cisões entre os alunos. Os cursos mais tradicionais, com alunos mais abastados, como os de agronomia, os das engenharias, os de exatas em geral, querem que as aulas voltem [online]. Já os alunos de cursos povão não querem que volte online, porque sabem que muitos deles não têm internet, como em letras, história e ciências sociais, cursos de grande presença preta e pobre”.
Antes de cogitarem qualquer hipótese, universidades como a UFRJ e a UFF reconheceram que não conheciam seus alunos, professores e técnicos e, então, durante meses, realizaram pesquisas sobre o perfil socioeconômico, doméstico e sobre o acesso ao aparato tecnológico necessário para aulas online. Essas pesquisas contavam com formulários online, mas também com ligações, para tentar obter respostas daqueles alunos que não têm acesso regular às suas contas de email durante a quarentena, fora dos laboratórios de informática e zonas de Wi-Fi gratuito das universidades.
A partir do resultado da pesquisa, o vice-reitor da UFRJ Carlos Frederico Leão Rocha disse à imprensa, em julho: “Nós temos 45% dos alunos que tem renda familiar abaixo de um salário mínimo e meio. E temos um conjunto de problemas de acesso que são bastante relevantes. O acesso à internet 98% vai ter, mas quando você começa [a entender quem tem] banda larga, é um problema. E é preciso de banda larga porque o consumo de dados é muito grande”. Assistência estudantil se mostra, portanto, fundamental para quase metade dos alunos da universidade, realidade que vai na contramão das recentes políticas de desinvestimento em educação do governo federal.
Já a UERJ, pioneira na política de cotas no Rio de Janeiro, já possuía um perfil mais exato de seu alunato. O Diretório Central de Estudantes da UERJ, junto às Pró-Reitorias da universidade, aprovaram, já no início de julho, um auxílio emergencial, em parcela única, no valor de R$600, preferencialmente a ser investido na inclusão tecnológica e em materiais didáticos para estudantes cotistas. Esse auxílio somou-se à bolsa permanência, que os alunos cotistas já recebem mensalmente, tendo sido aprovada mesmo antes de se discutir o retorno às aulas à distância. Adicionalmente, a reitoria pactuou que, quando houver o retorno às aulas de forma online, haverá garantia de acesso tecnológico à toda universidade. Há, inclusive, movimentações inusitadas na UERJ em busca da garantia do acesso tecnológico à sua comunidade acadêmica, mesmo fora do âmbito da universidade, como é o caso do Diretório Central dos Estudante (DCE), que se mobiliza para pedir ao Ministério Público e à Receita Federal a doação de aparelhos tecnológicos apreendidos para os alunos cotistas e em vulnerabilidade.
Enquanto isso, outras universidades como a UFRRJ, UNIRIO, IFRJ, CEFET-RJ, a UEZO e UENF ainda discutem propostas de retomada de atividades e de assistência estudantil, ambos de maneira ainda bem inicial, alvo de críticas de alunos pela demora. Alunos que deixam claro que, mesmo quando houver uma definição sobre a volta às aulas, é importante ter em mente que “não podemos colocar em maior situação de vulnerabilidade ou abandonar os estudantes das classes populares nesses momentos… Não adianta pensar só em inclusão tecnológica. Mesmo tendo esses recursos, como garantir, por exemplo, a concentração de um aluno que more com a família em uma casa de um cômodo? Ou da aluna que é mãe solteira e está em casa com o filho em tempo integral na pandemia? Ou com a situação mental debilitada de muitos alunos? Quais são os planos das universidades para garantir a esses jovens o sonho do diploma universitário?” questionou Allanis Pedrosa, da União Estadual dos Estudantes do Rio de Janeiro.
A carga de ansiedade causada pela indefinição e pela lentidão na tomada de decisões pelas reitorias das universidades põe a saúde mental do aluno preto, pobre e favelado ou periférico em xeque, exacerbando as desigualdades, como analisa Augusto: “Não temos perspectiva. Dizem que vão ter assembleias, que devem ser virtuais, mas nada está definido ainda. Nada saiu do lugar… isso é muito frustrante, essa indefinição toda. Eu quero me formar, mas não sei se vai ter aula online e nem se eu vou ter acesso a elas”.
Universidades como a UFRJ, a UFF e a UERJ definiram que retornariam às aulas remotamente entre agosto e setembro, de maneira facultativa aos alunos, e preferencialmente para formandos. As universidades, então, lançaram editais de inclusão tecnológica, fundamentais para alunos, como Michele Ferreira de Oliveira, 27 anos, moradora do Parque Centenário, na área do Complexo da Mangueirinha e da Favela do Sapo, na cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, aluna do bacharelado em Letras Português-Árabe na UFRJ, que só vão conseguir estudar graças a essas políticas de assistência estudantil. “Quando surgiu a possibilidade de retornarmos a ter aulas, mas de forma remota, confesso que fiquei um pouco apreensiva, pois não sabia se conseguiria fazê-las pelo fato de não ter internet Wi-Fi em casa, e não ter segurança se meu pacote de internet daria conta das aulas online, pois divido meu pacote com meus pais, que também necessitam, e o sinal cai muito. Não temos condições de adquirir uma internet de melhor qualidade devido às condições financeiras. A universidade fornecer os sim cards com internet gratuita para os alunos com dificuldades, como as minhas, é uma luz no fim do túnel. Achei uma excelente alternativa e iniciativa. Me deu esperança, e espero assim conseguir prosseguir com os meus estudos de forma tranquila mesmo em meio a esse período caótico que estamos vivendo”, diz ela.
Alguns alunos dessas instituições, no entanto, criticam a demora para a publicação dos auxílios e o fato deles possivelmente não serem tão abrangentes quanto o necessário, como disse Rebeca Santos Maria Vieira, 20 anos, aluna da graduação em pedagogia na UFF: “Acho esse auxílio muito importante, é válido, mas ainda assim é falho, porque não vai atingir todo mundo. Esse é um grande problema. Teve tempo suficiente para arranjar um meio de atingir todo mundo, mas também, com os cortes de gasto, dificulta”.
Outra crítica recorrente é a de que a pandemia só deixou mais evidente a realidade que antes era invisibilizada dentro das universidades, como disse Adriano Mendes, 24 anos, morador do Complexo da Maré, na Zona Norte, bacharel em Gestão Pública e aluno do Mestrado em Planejamento Urbano, ambos na UFRJ: “Essa modalidade de auxílio chegou muito atrasada, poderia ter chegado aos alunos desde que entraram na universidade. Imagina o quão interessante seria se os alunos ganhassem um computador ao entrar na universidade! Mas ao longo dos anos temos cada vez menos verba para a assistência estudantil, então como lidar com essa realidade?”