Mobilizações Resilientes nas Favelas Durante a Pandemia: Ouça os Ativistas [VÍDEO]

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Esta é nossa matéria mais recente sobre o novo coronavírus e seus impactos sobre as favelas e também da série LIVES Covid-19 nas Favelas.

No dia 16 de julho, o Grupo de Trabalho de Educação Ambiental da Rede Favela Sustentável (RFS)*, realizou a aula pública online “Como a Mobilização Socioambiental nas Favelas Tem se Transformado na Pandemia?” O evento, transmitido pelo Zoom, facilitou a troca interativa entre sete—particularmente impactantes—lideranças comunitárias e 82 participantes na plateia, bem como centenas de espectadores na live do Facebook. Os palestrantes compartilharam suas histórias de sucesso e abordagens inovadoras de ativismo socioambiental, oferecendo modelos de resiliência através da mobilização comunitária.

A mesa redonda contou com Ana Santos, cofundadora do Centro de Integração na Serra da Misericórdia (CEM), no Complexo da Penha, Zona Norte; Ana Félix, fundadora do Movimento Alternativo Libertário e Organizado em prol da Cidadania (MALOCA), em Duque de Caxias, Baixada Fluminense; Léu Oliveira, fundador do Movimento Cultural Cine & Rock, em Rio das Pedras, Zona Oeste; Verônica Gomes, diretora do Centro Comunitário Irmãos Kennedy (CCIK), na Vila Kennedy, Zona Oeste; Nill Santos, fundadora da Associação de Mulheres de Atitude e Compromisso Social (AMAC), em Duque de Caxias; Élida Nascimento, fundadora do Projeto Inclusão, em São João de Meriti, Baixada Fluminense; e Iara Oliveira, cofundadora do Alfazendo e do projeto de educação socioambiental, EcoRede, na Cidade de Deus, Zona Oeste.

Cada uma das lideranças comunitárias relembrou que angariar apoio já era um desafio bem antes da pandemia. Quando a Covid-19 chegou, apresentando sua própria série de dificuldades, as lideranças encontraram formas de perseverar e de crescer por meio da crise: suas organizações ganharam visibilidade e participação, expandindo o significado real de nutrir uma comunidade.

A conversa foi moderada por Verônica Parente, membro do GT de Educação Ambiental e diretora do Projeto Escola Verde, na Cidade Alta em Cordovil. Verônica elogiou os ativistas por seus anos de trabalho em educação socioambiental de base, e apontou como as lideranças estão impulsionando sua energia e dinamismo ao mesmo tempo em que lutam contra o coronavírus em suas comunidades.

Atividades atuais do CEM

Inovação Durante a Pandemia

Cada liderança, na mesa redonda, compartilhou como tem reinventado sua organização ao longo dos anos—uma capacidade que, eles disseram, é vital para lidar com as demandas em constante mudança durante a pandemia. Léu Oliveira, que se dedica a fomentar enriquecimento cultural a jovens em Rio das Pedras, expandiu o alcance de sua organização para entregar 6.000 cestas básicas aos moradores. Léu atribuiu o sucesso do Cine & Rock à sua flexibilidade, afirmando que seus dez anos de serviços prestados têm se baseado em responder às circunstâncias que se desenrolam, em vez de fazer um planejamento de longo prazo: “Nós somos um movimento vivo”, ele disse.

Adaptabilidade, contudo, é só uma parte da solução para manter as organizações comunitárias vibrantes durante a pandemia. Verônica Gomes reforçou a importância de tratar os membros da comunidade como indivíduos com necessidades únicas, explicando que o CCIK tem “um público muito diverso com muitas demandas”. Nill Santos, uma educadora que atua na questão da violência doméstica, ecoou o sentimento de Verônica e disse que, para servir uma comunidade, é preciso alcançar todos os seus membros—especialmente os cuidadores. “Quem cuida da mulher? A mulher cuida de tudo, mas falta alguém para cuidar dela”, ela afirmou. Dado que o Rio, como muitos lugares, tem enfrentado níveis crescentes de violência doméstica durante a pandemia, a ONG de Nill, a AMAC, tem reinventado suas estratégias para ajudar mulheres que estão presas com seus agressores em quarentena.

Atividades atuais do CCIK

Segredos da Mobilização Comunitária de Sucesso

Os ativistas compartilharam seu ingrediente essencial para conquistar voluntários e mobilizar suas comunidades: uma forte rede de parceiros e apoiadores. Conforme disse Iara Oliveira, do Alfazendo: “A gente acredita que o fortalecimento das redes é o que nos fortalece”. Aplicando essa filosofia à sua própria organização, ela explicou que o “Alfazendo sempre foi uma instituição que apoia outras instituições”.

Léu falou sobre a especial importância de conexões com ONGs afins durante a pandemia. “Pessoas da rede ajudaram muito… nos mobilizamos em rede… é uma mobilização natural”, ele disse. Para Nill, “se não fosse pela rede, a maioria dos projetos não existiriam mais”.

Os palestrantes discutiram uma gama de princípios orientadores de seus trabalhos, como, no caso de Ana Santos, do CEM, a importância de integrar a comunidade ao projeto a cada passo tomado. Ela disse que era importante para o grupo “não desenvolver o trabalho ‘para’, mas ‘com'”. De modo semelhante, Iara disse que, como parte do Alfazendo, “a gente sai na rua, a gente ouve as pessoas”. Élida Nascimento deu outra dica poderosa: a sugestão de que lideranças ouçam “o passado e juntem com o presente, para poderem pensar um futuro melhor para a comunidade”.

Veja o conjunto completo de slides ‘antes e depois’ dos palestrantes do evento aqui:

Impactos

Enquanto lideranças comunitárias relataram que a Covid-19 criou mais obstáculos para seu trabalho, as condições nada ideais, contudo, aumentaram a visibilidade de suas organizações, o alcance e a recepção positiva. Verônica Gomes disse que, como produto da crescente mobilização do CCIK durante a pandemia, “a gente conseguiu ampliar muito nossa visibilidade de dentro para fora. A gente conseguiu ampliar um pouco mais nosso atendimento”. Ela disse que o estado de emergência levou o CCIK a adentrar em partes da Vila Kennedy que antes eram inacessíveis para a organização.

Quando Élida mudou o foco do Projeto Inclusão para entregar cestas básicas, ela identificou a oportunidade de educar o Éden, sua comunidade em São João de Meriti, sobre a importância de se ter uma dieta balanceada. Desde o início da pandemia, ela observou que o auxílio alimentar emergencial tinha uma falta grave de comida saudável, fresca. Reconhecendo a importância de uma nutrição adequada na proteção contra o coronavírus, Élida realizou uma parceria com agricultores locais para entregar alimentos orgânicos ao Éden.

Élida contou a história de uma adolescente chamada Kauane, que estava preocupada com suas condições de saúde preexistentes—obesidade e asma—como fatores de risco caso contraísse o vírus. Ao ouvir sobre os alimentos orgânicos que Élida e o time de voluntários estavam distribuindo, Kauane pediu uma cesta. Hoje, por adicionar comida nutritiva a sua dieta, Kauane não apenas perdeu peso e melhorou sua saúde, mas também inspirou sua mãe, Adriana, a fazer o mesmo. “Foi o medo da doença que a transformou para ficar mais saudável”, explicou. Élida tem esperança de que a história de Kauane reflita uma mudança maior nas atitudes do Éden. “Isso aí a gente vai levar para depois da pandemia. É uma grande mudança na mente da comunidade”, ela disse.

Atividades atuais do Projeto Inclusão

Planos Pós-Pandemia

Os palestrantes reconheceram que seus esforços devem se intensificar para amenizar a angústia, a fome e a morte que a Covid-19 continua a inflingir em suas comunidades. Consequentemente, Iara sentiu que “ainda vai ter muita luta pela frente”. Ela também lembrou à audiência que a pandemia exacerbou a desigualdade socioeconômica subjacente do Rio: especificamente, que “vai ter muita gente desempregada depois da pandemia”, e que “há muitos casos de pessoas morando nas ruas—6000 pessoas vivem em barracas”.

Para combater uma desigualdade tão persistente, disse Iara, “a gente precisa ter autonomia, para que a gente possa continuar resistente”. Para Ana Santos, esse caminho para a independência requer soberania alimentar, ou seja, controle popular da produção de alimentos e distribuição como uma alternativa às corporações agroindustriais. A Covid-19 expôs—entre muitas outras injustiças—a insegurança alimentícia desenfreada no Rio. Como Ana Santos observa, a soberania alimentar e a incorporação da agroecologia são passos necessários em direção a uma nutrição universal. “A reforma agrária e uma coisa que é preciso, faz muito tempo: a soberania alimentar é um direito”, disse.

Independentemente de como cada liderança prossiga nos meses que se seguem, Iara reiterou a importância da ação coletiva. “Teremos que repensar coletivamente o que vamos fazer a partir de agora”, disse. Nill afirmou que, não importa quais desafios enfrentem, a forte rede de organizações comunitárias inspiradoras permanecerão fortemente ligadas: “Quando estiver difícil vamos virar um para o outro e espalhar nossas sementes como girassóis”.

Assista à Live interativa aqui:

*A Rede Favela Sustentável (RFS) e o RioOnWatch são projetos da Comunidades Catalisadoras. A RFS tem o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil.


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