Essa é a primeira matéria de uma série de quatro que traz relatos da pandemia, nas vozes de integrantes voluntários do RioOnWatch, baseados em cidades dos EUA, de países na Europa e no Brasil.
Números têm significado, são vidas perdidas, tragédias pessoais que jamais serão entendidas completamente quando não estamos inseridas nelas. Pensando nisso, o RioOnWatch se propôs a ter uma perspectiva da pandemia, neste momento de flexibilização das medidas de proteção ao coronavírus e reabertura econômica nos países onde se encontram parte de seus integrantes voluntários. Essa primeira parte traz um panorama geral da Covid-19.
O que aprendemos sobre a Covid-19 muda a cada semana. Apesar da corrida da ciência por vacinas para dar uma resposta rápida a maior pandemia sanitária global, o esforço de cientistas, a exaustão de equipes médicas na tal “linha de frente” no mundo, o que sabemos é ainda pouco. Porém, com mais de seis meses do início da infecção pelo novo coronavírus, os sintomas que o vírus causa no corpo humano já foram identificados. Em um estudo recente da universidade britânica King’s College London foram listados seis tipos diferentes de forma da doença agir, com três tipos mais leves de sintomas, e os outros, mais graves. O estudo é importante justamente por diferenciar os sintomas, o que vem auxiliando o tratamento da doença, salvando vidas e ajudando a ciência na busca por uma vacina contra a Covid-19.
Ao mesmo tempo, não sabemos ainda sequer quanto tempo duram os anticorpos gerados no corpo de quem já foi infectado e sobreviveu. Inclusive, uma pessoa pode contrair o coronavírus e não desenvolver anticorpos, fora as sequelas deixadas pela doença em quem foi infectado. A Organização Mundial de Saúde segue firme, portanto, na posição de que o isolamento físico, o uso de máscaras, água e sabão para lavar as mãos (ou o uso do álcool 70%), são as medidas de prevenção mais eficazes contra a Covid-19. O uso de máscaras, inclusive, é uma medida de desacelaração do contágio, pois diminui o contágio de uma pessoa para outras, além da quantidade de carga viral em caso de contaminação.
Mas, com os efeitos econômicos da pandemia, essa recomendação passou a ser realizada por governos em todo o mundo de formas diferentes. Em nome da “preservação de empregos”, da realidade da fome e da conservação do próprio Estado, jogou-se no colo de cada um a responsabilidade individual em muitos países pela sua própria sobrevivência diante de um doença que já matou mais de um milhão de pessoas no mundo. Deste total de vidas perdidas, 143.010 são brasileiras (até 30 de setembro de 2020). Em relatório, a ONU acena que o Brasil teria violado obrigações legais em direitos humanos diante do comportamento adotado pelo país diante da crise.
A desinformação também foi usada para deslegitimar o isolamento social durante a pandemia. Essa é a conclusão de um relatório com mais de 800 verificações produzidas por plataformas de checagem em 63 países. A maior parte dos conteúdos de desinformação, as notícias falsas, visou contestar a legitimidade das medidas de prevenção. Um dos meios usados foi apontar que autoridades responsáveis por decretá-las estariam ignorando as regras, informa a Folha de S.Paulo.
Portanto, as mortes no mundo resultam não somente devido ao desconhecimento sobre a doença, a letalidade, o alto poder de contágio do coronavírus, e as fake news, mas também por causa da ausência da coordenação de medidas unificadas de combate à Covid-19, especialmente em países desiguais como o Brasil ou onde se têm governos que abdicam da ciência e negam o perigo do vírus.
Sobre o discurso de que tem que se dar prioridade à ordem econômica, defendendo a visão de que sobe uma quarentena, se as pessoas não morrerem de Covid-19, irão morrer pela fome e a falta de geração de capital e quebra dos Estados, flexibilizou-se a “quarentena” ou se ignorou completamente desde o começo. Essa foi a postura da maior autoridade do Brasil, quando desde o começo, o Presidente da República Jair Bolsonaro, diminui a importância de medidas políticas contra a doença chamando-a de “gripezinha’’ e, posteriormente, dando sinal verde para reabertura de serviços não essenciais.
As favelas e periferias do Rio de Janeiro e São Paulo estão cheias de histórias. Na ausência de uma política do Estado, a sociedade civil dessas comunidades com populações vulnerabilizadas, precisou arcar sozinhas e produzir estratégias de sobrevivência: medidas comunitárias para aplacar a fome, sanitizar pioneiramente becos e vielas, minimizando os efeitos da pandemia e denunciando a aceleração da necropolítica em curso no Brasil.
Já contamos essas histórias e vamos permanecer relatando-as com apoio da nossa rede de comunicadores, lideranças e moradores de favelas. Inclusive, a Comunidades Catalisadoras* junto com parceiros das favelas, vem monitorando e produzindo dados através do Painel Unificador Covid-19 Nas Favelas, na falta de dados confiáveis do poder público, ausência de testagem em massa da população, manipulação de dados oficiais e subnotificações.
Neste cenário, parte do desafio da mídia é fazer a leitura correta de uma realidade em constante mudança. Mas, como fazer isso em meio a uma pandemia que parece ser uma sucessão de estatísticas, que vão crescendo um dia após o outro?
Para ampliar o nosso panorama de relatos do RioOnWatch sobre a pandemia, que tem integrantes voluntários da sua equipe além do Brasil, decidimos publicar relatos, destes integrantes, sobre a sensação da pandemia nos países em que se encontram.
Essa é a primeira matéria de uma série composta por quatro partes.
*Comunidades Catalisadoras é a organização sem fins lucrativos que publica o RioOnWatch.