Relatos da Pandemia Pelo Mundo, Parte 2: França, Dinamarca e Portugal

Essa é a segunda matéria de uma série de quatro que traz relatos da pandemia, nas vozes de integrantes voluntários do RioOnWatch, baseados em cidades dos EUA, de países na Europa e no Brasil. Leia a parte 1 aqui.

Números têm significado, são vidas perdidas, tragédias pessoais que jamais serão entendidas completamente quando não estamos inseridas nelas. Pensando nisso, o RioOnWatch se propôs a ter uma perspectiva da pandemia, neste momento de flexibilização das medidas de proteção ao coronavírus e reabertura econômica nos países onde se encontram parte de seus integrantes voluntários. Essa segunda parte traz um panorama geral da Covid-19 pelo olhar de duas dessas integrantes do RioOnWatch, na Europa, a partir de três países: França, Dinamarca, e Portugal.

Aqui em Paris, a Vida Praticamente ‘Voltou ao Normal’

Em 24 de janeiro, a França registrou seu primeiro caso de coronavírus. Desde então, o governo adotou medidas sanitárias que encorajavam o distanciamento físico para impedir a proliferação da pandemia. Depois de declarar que a França estava encarando uma “guerra sanitária”, o presidente Emmanuel Macron anunciou um lockdown em todo o país na noite de segunda-feira, 16 de março, uma medida aprovada por 96% dos cidadãos franceses de acordo com a pesquisa feita pela Odoxa. No entanto, 85% dos entrevistados lamentaram que estas restrições não haviam intervindo antes.

Este lockdown aconteceu por 55 dias (de 17 de março até 11 de maio), durante o qual era necessário um certificado oficial para justificar saídas de casa. Qualquer um que violasse esta ordem estava sujeito a uma multa entre €135 (R$891) e €3750 (R$24753), além de seis meses de prisão para reincidentes. Graças à responsabilidade coletiva da população, foi observada uma redução média de 84% na taxa de reprodução do vírus depois do lockdown.

Ainda hoje, o país segue um plano rigoroso de desconfinamento, para que os cidadãos possam gradualmente retornar às suas rotinas usuais. Aqui em Paris, a vida praticamente ‘voltou ao normal’. As pessoas podem se movimentar livremente em quaisquer lugares dentro do país, a maior parte dos negócios reabriram suas portas e, sobretudo, os cidadãos franceses estão aproveitando uma capital sem turistas, muito mais vazia. Ao contrário dos Estados Unidos e do Brasil, o uso de máscaras em espaços fechados não gerou tanto debate: foi um política mandatória e respeitada e que, até 20 de julho, poderia resultar em uma multa de €135 em casos de violação.

Apesar do recente aumento em atividade, as autoridades locais deixaram claro para o público em geral que o vírus está de fato ainda circulando, como o demonstrado em numerosos casos. Apesar de autoridades locais assegurarem ao público que a pandemia permanece “sustentada” na França, várias aglomerações foram observadas desde o começo da estação, especialmente em locais mais visitados no verão como a Riviera Francesa e a Bretanha, entre outros.

Eu confesso que quando deixei o Rio de Janeiro com o coração apertado no dia 29 de maioem um momento no qual a pandemia continuava a causar estragos sérios no paíse cheguei à Paris, tive a sensação de estar em uma cidade que parecia haver acabado de acordar de um cochilo de dois meses. A diferença na atmosfera foi sentida imediatamente: enquanto a França retomava gradualmente sua rotina depois dos esforços do confinamento e de conseguir reduzir a curva, os brasileiros se afundavam no desgoverno, sem um plano estruturado devido à falta de responsabilidade e de ação.

Medo, raiva, culpa e incerteza eram sentimentos comuns aos cariocas que não veem uma saída desta situação crônica em um curto prazo. No entanto, aqui, os franceses estão ansiosos para mudar de capítulo e esquecer a primeira metade do ano. A tensão ainda está no ar relacionada a um possível novo confinamento, caso haja uma segunda onda da pandemia.

Sophie-Anne Monplaisir, contribuiu com matérias para o RioOnWatch entre março e julho deste ano, e escreveu esse relato para esta série, de Paris, em agosto. Sophie é hatiana, tem 21 anos e é graduanda em Direito e Ciências Políticas na Sciences Po Paris

Alta em Setembro: Alerta Máximo

Em 11 de setembro, o Conselho de Defesa da França se reuniu para discutir a evolução da pandemia da Covid-19 no país, em virtude da retomada de novas infecções na França. Na ocasião, o Primeiro-Ministro Jean Castex afirmou que a única maneira de se conviver com a Covid-19 sem novo confinamento generalizado no país, é mantendo os métodos de prevenção atuais: uso de máscaras de proteção, lavar as mãos com frequência e preservar o distanciamento físico.

Em 01 de outubro, o número de novas infecções por coronavírus registradas na França, ultrapassou novamente a marca de 12.000 em 24 horas, segundo as informações divulgadas pelas autoridades sanitárias, que anunciaram mais 64 mortes por Covid-19 na mesma data.

Em 5 de outubro, o governo decretou alerta máximo na capital da França e cidades vizinhas devido ao crescente número de casos de Covid-19, que saltou de 250 a cada 100.000 habitantes para 270 a cada 100.000. Todos os bares de Paris foram fechados, mas restaurantes poderão permanecer abertos desde que respeitem as medidas de segurança, tais como: limitar grupos a no máximo seis pessoas por mesa, registrar os nomes e os números de telefone dos clientes, além de disponibilizar álcool gel em cada mesa.

No total, a França—em 8 de outubro—contabilizava 664.178 casos e 32.219 óbitos por coronavírus. Segundo o Le Monde 7.624 pessoas estão hospitalizadas em estabelecimentos de saúde franceses devido à doença de Covid-19 ou uma condição relacionada, entre elas 1.427 estão em terapia intensiva (18,72%).

Ao que parece, Paris e cidades vizinhas da capital federal, podem precisar tirar um novo cochilo.

Dinamarca… “Pós-Pandemia”?

Dinamarca, 4 de agosto: de acordo com o plano do governo dinamarquês foi acordado que todos os estabelecimentosexceto discotecas e bares de festa noturnaspodem retomar as atividades com as devidas precauções, que no caso da Dinamarca se baseiam em manter a distância de segurança e boa higiene (uso de desinfetante para as mãos). Na Dinamarca, o uso de máscaras não foi adotado como medida de segurança, sendo que até pouco tempo atrás, era impossível comprar máscaras nas farmácias. Mas agora, as autoridades dinamarquesas começam a sugerir o uso das máscaras quando não é possível manter a distância de segurança necessária (no mínimo 1 metro) em transportes públicos. Nesta reabertura econômica, é possível organizar eventos até 100 pessoas.

Na Dinamarca, a vida parece ter voltado ao normal desde junho, com muita gente já retomando o trabalho no escritório. É importante destacar que os testes são grátis e não precisam de recomendação médica. Basta marcar e fazer, com vários pontos espalhados pelas cidades. Os turistas também podem fazer o teste grátis no aeroporto, com os resultados disponíveis em 72h.

Em 3 de agosto, foram registrados durante o fim de semana mais de 200 casos, em comparação com 109 na segunda-feira anterior (27 de julho). Os números têm aumentado, o que era de esperar, visto que a Dinamarca abriu as fronteiras a turistas. O aumento também se justifica devido a um surto de Covid-19 numa fábrica de produção de carne (79 casos).

Para reduzir o impacto da crise econômica causada pela Covid-19, o governo dinamarquês lançou um pacote econômico de verão cujo valor pode chegar a 100 bilhões de coroas dinamarquesas (DKK)cerca de R$980 bilhões. O pacote teve apoio dos partidos da base e da oposição ao governo da primeira-ministra, Mette Frederiksen, do Partido Social Democrata. Os dinamarqueses vão começar a receber DKK 20 mil (cerca de R$16.000) brutos.

Em relação à abertura de fronteiras e turismo, os dinamarqueses têm sido encorajados a tirar férias dentro do território, mas desde junho também podem viajar para fora. Esta recomendação está dividida entre países “abertos” e “fechados”. A Dinamarca, por exemplo, começou a desaconselhar viagens para Portugal e Suécia, país vizinho que em nenhum momento aderiu ao lockdown. Neste momento, todos os países da Europa estão abertos, mas viagens para Bulgária, Luxemburgo e Irlanda são desaconselhadas.

É possível acompanhar que a reabertura econômica vem aumentando o número de casos. Até 15 de setembro, o total de pessoas infectadas por coronavírus era de 20.571 casos, com 633 mortes e mais de 2 milhões de pessoas testadas. Agora, os números já são outros. O número de infectados teve um aumento para mais de 8.000 casos, com 7.933 recuperados e 18 mortes (entre 15 de setembro e 01 de outubro).

Números até 08 de outubro (Danish Health Authority)
Mortes: 665
Casos: 31156
Recuperados: 24.899
Pessoas testadas: 4.218.840
Hospitalizados: 115, com 17 casos sendo necessário o tratamento de cuidados intensivos (UTI)

Hospitalizações ao longo do tempo. Fonte: Danish Health Authority
Hospitalizações ao longo do tempo. Fonte: Danish Health Authority

Em Portugal, com a Flexibilização, Cresceram os Casos

Sou portuguesa, então, a realidade de Portugal também faz parte do meu dia a dia. Ao contrário da vizinha Espanha que aderiu ao confinamento, Portugal teve a situação da Covid-19 controlada. Para ilustrar a situação “positiva vivida”, Portugal foi escolhida pela UEFA para organizar a fase final da Liga dos Campeões, que todos os anos move adeptos de futebol de todo o mundo aos estádios, o que segundo o primeiro ministro, “foi um prêmio para os profissionais de saúde“. Porém, Portugal  não foi escolhido por acaso. Na realidade, a cidade de Lisboa foi usada estrategicamente para servir como uma espécie de “bolha de segurança” da competição em relação ao novo coronavírus, conforme explica reportagem do Metrópoles.

No entanto, assim que o plano de desconfinamento foi implementado, e as pessoas começaram a poder sair, os números aumentaram. Estabelecimentos como cafés, restaurantes, cabeleireiros e lojas abriram em maio, respeitando a distância de segurança, higiene e uso de máscara. A norma de flexibilização limita o atendimento até 20 pessoas. Os números começaram a aumentar mais do que o esperado na área metropolitana de Lisboa.

Assim como outros países europeus, Portugal está passando por um aumento nas infecções pelo novo coronavírus e tenta novas medidas para evitar um repique da doença no país, e mais um confinamento generalizado. Em 14 de setembro, o país chegou a entrar em situação de contingência.

Tendo em conta a situação, uma série de restrições tiveram de ser impostas novamente em setembro, em 19 freguesias (zonas residenciais). Algumas das medidas foram: confinamento obrigatório, proibição da venda de álcool e tabaco depois das oito da noite, centros comerciais continuaram fechados (ao contrário do resto do país), entre outros. A partir do dia 1 de agosto, estas 19 freguesias que estavam em estado de calamidade passaram a seguir as mesmas regras aplicadas ao resto do país (estado de alerta). Há exceção para bares que podem atuar como cafés, mas em Lisboa, eles têm de fechar às 20h, ao contrário do resto do país, que é até à 1h.

Em relação ao turismo, que é a principal atividade econômica em muitas regiões, houve algumas tensões com alguns países europeus, que, depois do aumento de número de casos de Covid-19, depois da abertura, desaconselharam viagens para Portugal. O país chegou a ser colocado na lista vermelha de vários países europeus como Grécia, Hungria, Reino Unido e Bélgica, com algumas dessas restrições tendo sido já revistas.

Números até 7 de outubro (Direção-Geral da Saúde):
Mortes: 2.050
Casos: 82.534
Curados: 51.517

Diferente da Dinamarca, Portugal não disponibiliza os dados sobre o total da testagem na população, mas “Portugal tem uma taxa de 222.527 testes por milhão de habitantes” (fonte: Serviço Nacional de Saúde, dia 14 de setembro). Hospitalizados: 477, 61 nos cuidados intensivos.

Mariana Gomes é uma integrante voluntária do RioOnWatch. Portuguesa com 21 anos, frequenta atualmente o último ano de licenciatura no curso de Business e Sociologia na Copenhagen Business School, em Copenhage, Dinamarca, onde vivia e trabalhava há quatro anos. Ela retornou para Portugal para ficar com a família durante a pandemia.

Fadiga da Pandemia

A Organização Mundial da Saúde (OMS) pediu aos governos europeus em 6 de outubro que combatam o cansaço crescente das pessoas diante da pandemia do coronavírus e das medidas de restrição impostas. Isso porque a pandemia de Covid-19 está cobrando um alto preço emocional em toda a Europa, gerando níveis crescentes de apatia em 60% da população, de acordo com pesquisa recente.

À BBC, o médico Hans Henri Kluge, diretor regional da OMS para a Europa, afirmou que “o cansaço é esperado nesta fase da crise” após oito meses de pandemia.  Em todo o mundo, a Covid-19 já provocou mais de um 1.059.000 mortes e mais de 36,3 milhões de casos de infeção.

Essa é a segunda matéria de uma série de quatro que traz relatos da pandemia, nas vozes de integrantes voluntários do RioOnWatch, baseados em cidades dos EUA, de países na Europa e no Brasil. Leia a parte 1 aqui.


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