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No dia 12 de outubro—feriado nacional da santa negra padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida—estava acontecendo a festa do Dia das Crianças (comemorada na mesma data) e uma feijoada organizada por uma escola de samba da comunidade do Complexo do Viradouro, na Pracinha do conjunto de favelas, em Niterói. A festa comunitária foi bruscamente interrompida pelo Batalhão de Polícia de Choque (BPChq) com a detenção arbitrária de um jovem, tiros de fuzil disparados para o alto, spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo.
O conflito teve início após um jovem ser agredido e preso sem justificativa, de acordo com a comunidade. Em protesto, os moradores fecharam os dois lados da Rua Doutor Mário Viana. “Levaram um inocente. Fechou a rua”, afirma um homem como mostra o vídeo abaixo.
Segundo moradores, o jovem, que estava com um ferimento no braço, foi chamado por um agente do Batalhão de Polícia de Choque. O policial interrogou o rapaz para saber como e porque ele estava ferido. Após explicações, o agente liberou o jovem, que atravessou a rua e permaneceu na feijoada junto com amigos.
Porém, minutos depois, o mesmo agente voltou a chamar o jovem até o destacamento policial. Novamente, o jovem atravessou a rua e se dirigiu até os policiais, mas, desta vez, recebeu um soco e foi atirado para dentro do carro do Batalhão de Polícia de Choque. Neste momento, moradores foram em direção aos agentes de forma pacífica para saber o motivo da prisão, afirmando que o jovem “era trabalhador”.
Foi quando, conforme vídeo que circula nas redes sociais, um dos agentes efetuou disparos de fuzil para o alto.
Festa de Dia das Crianças terminou com tiros nesta segunda-feira (12/10) durante ação policial no Complexo do Viradouro, em Niterói, Região Metropolitana do Rio. Não há informação de feridos. Vídeo: Jornal @osaogoncalo https://t.co/RsCQJWSPA4 #TirosRJ #FogoCruzadoRJ #Niterói pic.twitter.com/qOxnFR40W2
— Fogo Cruzado RJ (@fogocruzadoapp) October 12, 2020
Moradores, em sua maioria negros—inclusive mulheres de mãos dadas com crianças—começaram a correr para se protegerem. Após os disparos, a equipe policial foi embora levando o jovem. Uma patrulha da Polícia Militar seguiu estacionada no local.
De acordo com relatos da comunidade após alguns minutos, outros dois carros do Batalhão de Polícia de Choque voltaram a entrada da comunidade localizada na Rua Doutor Mário Viana, e lançaram três granadas de gás lacrimogêneo mesmo com crianças no local, interrompendo a festa do Dia das Crianças e a confraternização dos moradores na feijoada.
“Maior covardia! Tinham mais de 20 crianças na rua. Isso dá uma revolta”, desabafa moradores por telefone ao RioOnWatch—que não serão identificados.
O jovem detido pelo Batalhão de Polícia de Choque foi autuado por Desacato a Autoridade e Desobediência e, posteriormente, liberado. Moradores da comunidade contestam a versão da polícia. Este tipo de ação segue o mesmo padrão de abordagem policial de ocupações em favelas com UPPs.
O Complexo do Viradouro vive há mais de 50 dias sob a tutela de uma ocupação policial—sem prazo determinado para ser concluída—mesmo diante da ADPF 635, aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu as operações policiais em favelas do estado do Rio de Janeiro durante a pandemia da Covid-19.
Segundo comunicado do 12º Batalhão de Polícia de Niterói, enviado ao RioOnWatch em agosto, a ação de ocupação do Complexo do Viradouro foi comunicada ao Ministério Público do Rio de Janeiro. A polícia alega que a intervenção permanente foi necessária para tornar possível a realização de obras de melhorias na comunidade e no entorno. Duas cabines blindadas foram instaladas nas adjacências da comunidade.
Desde o início da ocupação policial, os moradores do Complexo do Viradouro, além das comunidades vizinhas do Morro do Zulu e do Atalaia, vivem um cotidiano de medo e militarização, com abusos policiais e violações de direitos humanos. Moradores vêm protestando contra os abusos policiais através da hashtag #LarDeMoradoraRespeite.
As denúncias dos moradores do Complexo do Viradouro sobre abusos e violações policiais durante a ocupação já foram enviadas para o Conselho Nacional de Direitos Humanos, para Comissão de Defesa de Direitos Humanos e Cidadania da Alerj, para a Defensoria Pública do Estado e o Ministério Público Estadual.
Em 10 de setembro, o prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, reuniu-se com lideranças comunitárias, entre elas, a Federação das Associações de Moradores do Município de Niterói (FamNit), no Solar do Jambeiro. Também esteve presente no encontro a Comissão de Direitos Humanos da OAB, e secretários municipais.
Na ocasião, o prefeito ouviu os relatos dos moradores sobre os abusos policiais e afirmou que lamentou e garantiu que levaria os relatos para o comandante do 12º Batalhão de Polícia da região, coronel Sylvio Guerra. O prefeito também reconheceu o pedido dos moradores, mas afirmou que a presença da Polícia Militar é essencial para a conclusão da obra, além de defender a instalação das cabines blindadas da PM na comunidade.