Homenagem ao Ravengard Veloso, Prolífico Horticultor e Inventor da Vila Kennedy

Uma Semente de Sustentabilidade nas Favelas do Rio

Click Here for English

Esta é a nossa mais recente matéria de uma série gerada por uma parceria, com o Digital Brazil Project do Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre direitos humanos e justiça socioambiental em favelas.

As vozes da Vila Kennedy, na Zona Oeste, e de muitas outras comunidades de todo o Rio de Janeiro, se uniram para lamentar a perda de Fabiano Veloso, mais conhecido como Ravengard ou Raven. Ele foi uma fonte profunda e sempre acessível de conhecimento como ativista da horticultura e membro do MUDA VK, o Movimento Urbano de Alimentação na Vila Kennedy.

Ravengard inventou seu “Substrato Instantâneo” altamente produtivo e ensinou amplamente sobre sua aplicação à jardinagem urbana. Ele fez parte da Rede Favela Sustentável (RFS), atuando tanto no Grupo de Trabalho de Resíduos Sólidos quanto no GT de Hortas e Reflorestamento. E por muitos anos ele esteve ligado à UFRJ, realizando iniciativas verdes conectando a academia aos mobilizadores locais. Educador, ator, professor, diretor, produtor, ambientalista e ativista, Fabiano “Ravengard” Veloso faleceu no dia 22 de outubro de 2020.

Exposição de Ravengard 'Artcabeu', que ensinou alunos da UFRJ sobre a miniaturização de espécies em 2016. Foto: Luke Veloso

O MUDA VK surgiu em 2005 a partir do grupo de teatro da Vila Kennedy, Potemgy, e do Teatro Mario Lago, que passaram a organizar peças e shows juntos sobre sustentabilidade, educação ambiental e gestão de resíduos sólidos. A partir de 2005, eles passaram a coletar resíduos orgânicos na feira livre local aos domingos e a compostá-los. Ao mesmo tempo, coletavam materiais recicláveis e resíduos eletrônicos, transformando-os em arte. O teatro sempre foi a paixão de Raven, e sustentabilidade, sua vocação.

Ravengard Veloso atuando em peça teatral na Arena Carioca Abelardo Barbosa - Chacrinha, em 2016

Mais cedo neste ano, dois meses antes de seu falecimento, em entrevista ao Voz das Comunidades, ele justificou a necessidade de um ativismo de favela de base verde e um movimento de compostagem urbana: “Mais de 50% do material que é orgânico vai parar em lugar indevido quando deveria virar recurso, isso tá equivocado. Usamos o dinheiro público, nosso dinheiro de impostos, pegamos o material que desconhecemos o valor e enterramos. É uma cultura de desperdício errônea”, disse ele.

Raven deixou um legado de práticas verdes, ativismo, desenvolvimento sustentável, cultura, amor e dedicação ao meio ambiente, agricultura urbana e soberania alimentar.

A ausência de Raven é profundamente sentida pela família, amigos, sua comunidade e os grupos que tiveram o privilégio de aprender com ele. Muitos agora estão trabalhando para manter seu legado vivo por meio de suas ações.

Ele era “um sonhador. Seu trabalho falava por ele”, disse Geiza de Andrade, moradora da Vila Kennedy, agente ambiental, fundadora do projeto Marias em Ação e integrante da RFS. Ela deixa claro que o trabalho e a dedicação de Raven não serão esquecidos nesta favela da Zona Oeste:

"Sua oficina com o substrato tão famoso de folhas de amendoeira”, disse Valdirene Militão“Ele foi um grande parceiro dos Agentes Ambientais da equipe Zona Oeste, nos levando para várias atividades dentro da UFRJ, feiras de artesanato, e oficinas e nos mostrou novas técnicas para fazer horta, substrato, utilização das folhas de amendoeiras e capim que são cortados na Avenida Brasil e escolas. Ravengard, encantou-se com o meio ambiente, e trabalhou muito para modificar não só o meio mais os hábitos das pessoas, levou seu sonhos e projetos para dentro da universidade, um sonhador que se permitiu realizar seus sonhos”.

 

 

 

Para Verônica Gomes Martins da Silva, presidente do Centro Comunitário Irmãos Kennedy (CCIK), na Vila Kennedy, Raven era “único… uma pessoa de muita luz”. Ela conheceu Raven por meio de seu envolvimento em vários projetos em sua comunidade, como o MUDA VK—que mais tarde se expandiu e se tornou MUDA RJ, impactando comunidades para além da Vila Kennedy.

Dois amigos descreveram Ravengard e seu legado como sementes que, se cultivadas, florescerão. “Ele era uma pessoa iluminada que trouxe muito conhecimento, muita sabedoria e muito exemplo de como a gente pode transformar esse mundo para melhor. Eu acho que nosso desafio, então passa a ser cultivar essas inúmeras sementes que ele deixou”, disse Antonio Oscar Vieira, do projeto RIPeR da UFRJ.

Uma semente. Raven simbolizou o papel de conexão e interação humana, orgulhosamente, participando em vários projetos para apoiar sua comunidade”, disse Valdirene Militão, do Projeto Ricardo Barriga da favela da Maré. Ela descreve uma personalidade cativante que permitiu Raven prosperar em tantos movimentos diferentes:

“Não sei como resumir o Raven em uma frase. Era amigo e ele sempre se colocava como educador. Ele era semente e plantava semente em cada pessoa que passava por ele. O Raven estava misturado em muitos projetos: ele estava dentro da UFRJ na faculdade, ele estava dentro da Rede CAU (Rede Carioca da Agricultura Urbana), ele estava no MUDA, ele estava no projeto da Vila Kennedy, etc. Eu tive o privilégio de estar ao lado dele.”

Ravengard desenvolveu uma técnica chamada “Substrato Instantâneo” que mistura grama, folhas de amendoeira e folhas de Ricinus. Como Raven costumava dizer, “tudo cresce a partir dessa mistura”.

E foi exatamente isso que chamou a atenção da professora Lúcia Andrade da UFRJ, que o convidou para dar uma palestra para seus alunos na universidade em 2015. Ele falou no curso extracurricular MUDA UFRJ (sobre ação coletiva agroecológica) sobre sua experiência, ativismo, e o projeto que solidificou sua presença na academia.

“Ela soube dos alfaces que eu fazia diferente e me convidou para dar uma palestra no projeto MUDA da UFRJ”, disse Ravengard na entrevista para o Voz das Comunidades, “Eu dei uma aula teórica sobre o material, sobre reprodução de muda. Aí os alunos perguntaram se eu não podia voltar para fazer aula prática. Quando eu tive contato com o MUDA, eu me senti como se tivesse em casa”.

Como disse Irenaldo Honório da Silva, da favela Pica-Pau, em Cordovil: “Tem pessoas que nascem neste mundo para demonstrar as suas atitudes e pensamentos em favor de todos”.

Carla Felizardo, amiga de Raven há 15 anos, chamou-o de “um alimentador de cultura” e disse que sua devoção às suas crenças e cultura estava presente não apenas em seu trabalho, mas também em sua vida pessoal. “Ele era muito questionador: questionava a sociedade, questionava a capitalismo, fazia suas próprias roupas para questionar a sociedade, para dizer que a gente não precisa usar as marcas famosas. A gente não tem que apostar neste capitalismo. Era tido como louco, porque quando você não entende algo, você acha que aquele é louco. Ele tinha muita informação com ele”. Carla também observou que ele era uma pessoa memorável, com uma energia incomparável:

“A personalidade dele foi muito forte, muito presente. Não tinha um lugar que ele estivesse que a gente não sabia que o Ravengard estava ali.”

Questionado sobre a morte de Raven, Ailton Lopes, da Associação de Moradores do Trapicheiros, na Tijuca, escreveu o seguinte depoimento: “Nossos sentimentos aos familiares, amigos e alunos, pela perda de um grande guerreiro das questões ambientais. A nossa Comunidade Trapicheiros teve o privilégio de participar de uma oficina com esse mestre. No domingo dia 16/09/2018 a nossa comunidade recebeu a visita da equipe do Projeto Manivela e do Raven do Projeto Muda. Foi dado início às ações da construção da horta de substrato instantânea e as lixeiras para reciclagem. Foi um sucesso total, conseguimos plantar as nossas primeiras mudas e inaugurar as lixeiras de reciclagem. Contamos com a participação dos moradores adultos e as crianças que se divertiram”.

Raven morreu em 22 de outubro, mesmo dia em que faria sua pergunta aos candidatos a prefeito do Rio de Janeiro no debate no Zoom da Rede Favela Sustentável. Sua pergunta era:

“No Rio de Janeiro, o município paga R$1 bilhão e R$300 milhões para recolher os resíduos municipais todo ano. Já que cerca de 54% do nosso lixo é orgânico, isso corresponde a mais de R$600 milhões para recolher resíduos orgânicos e aterrar, perdendo dinheiro e fonte de matéria prima para hortas, e enchendo nossas ruas de caminhões. Além disso, o resíduo orgânico parado na lata de lixo e na rua atrai insetos, ratos e coloca a saúde da população em risco. Os resíduos orgânicos podem ser trabalhados na escola como potência para educação ambiental, em hortas, mostrando o ciclo da produção do alimento, da semente ao adubo. Não é lixo, e talvez nem devemos falar em resíduo, pois é renda que estamos perdendo porque não temos competência para separar, por falta de incentivo. Qual a sua proposta para o reaproveitamento de orgânicos e inorgânicos na cidade do Rio de Janeiro e como fará para que os resíduos se tornem um gerador de renda nos territórios, garantindo matéria prima e fonte de emprego local?”

Nas palavras de Valdirene, Raven “vai deixar saudades por todas as pessoas que passou”, um sentimento que foi confirmado por membros da Rede Favela Sustentável durante seu terceiro Grande Encontro anual, em 7 de novembro. Durante o evento, houve uma atividade programada para homenagear sua memória, um momento coletivo de relembrar seu ativismo como forma de superar o sentimento de perda. No final da sessão, foi perguntado aos membros da RFS “Qual semente o Ravengard deixou para você semear?” e uma homenagem tecnológica em forma de nuvem de palavras foi formada. Foi uma representação visual do legado de Ravengard que continua florescendo.

Ravengard tornou o mundo um lugar mais verde, saudável e feliz, e seu legado viverá.


Apoie nossos esforços para fornecer assistência estratégica às favelas do Rio, incluindo o jornalismo hiperlocal, crítico, inovador e incansável do RioOnWatchdoe aqui.