Marielle Franco Presente Ao Redor do Mundo: ‘Não Serei Interrompida!’

Cidades do Mundo Formalizam Sua Reverência à Marielle. E o Rio?

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“Há uma dor que não cessa na cidade carioca, ocasionada pela violência contra a democracia que afetou a muitos. Na rua cujo nome remete ao falecido líder máximo católico, João Paulo Primeiro, a Vereadora Marielle Franco teve sua vida subtraída do convívio dos seus, em vil ato que buscou, sobremaneira, calar sua voz. Se na ocasião a perícia contou todas as balas possíveis que perfuraram o carro em que estava, conduzido pelo motorista Anderson Gomes que foi igualmente retirado da vida, impossível foi o cálculo de todas as pessoas atingidas e que, no comum da mesma dor, ergueram suas vozes em um só coro por justiça: quem mandou matar?” — Hércules da Silva Xavier Ferreira

Depois de três anos, ainda não temos a resposta para esse crime. Quem mandou matar Marielle Franco? E por quê? O texto de Hércules da Silva Xavier Ferreira que abre o verbete “Mapeamento das homenagens a Marielle Franco“, do Dicionário de Favelas Marielle Franco—plataforma virtual de acesso público para a coleção e produção de conhecimentos sobre favelas—segue sendo atual, infelizmente. É também uma síntese do sentimento que ecoa pelas cidades: Rio de Janeiro, São Paulo, Buenos Aires, Berlim, Lisboa, Paris, Florença, Amsterdã, Washington, D.C… e muitos outros lugares espalhados por tantas cidades do mundo, que guardam em algum lugar uma homenagem para essa filha do Complexo da Maré, que ousou “não ser interrompida” na sua resistência e luta pelo direito à favela.

Foto: Beth Santos / Prefeitura do Rio

Do Brasil aos Estados Unidos, da América Latina à Europa, todos gritam juntos por justiça. Mas, no Rio de Janeiro, cidade em que a Marielle nasceu e foi criada, somente depois de três anos, a Prefeitura do Rio de Janeiro inaugurou uma placa em homenagem à vereadora na Cinelândia, em frente à Câmara dos Vereadores, no dia em que sua morte completou três anos. Na placa, há as seguintes frases: “Mulher negra, favelada, LGBT e defensora dos direitos humanos. Brutalmente assassinada em 14 de março de 2018 por lutar por uma sociedade mais justa”.

Participaram do ato familiares de Marielle (filha, pais e irmã), o Prefeito Eduardo Paes e o Deputado Federal Marcelo Freixo. Ao redor do mundo, a defensora dos direitos humanos, bissexual, negra e cria do Complexo da Maré, é homenageada desde sua morte.

“Acho incrível todas as homenagens porque fortalecem a gente a seguir essa luta e mostra que estamos do lado certo da história. É uma luta pela memória dela, por justiça e para que a democracia brasileira fique reconhecida não pela impunidade, mas pelo lado certo da história. É uma luta muito importante para mim. O reconhecimento do Instituto [Marielle Franco] e as homenagens em si vêm como força e prova de que esse legado não é só nosso, ele é coletivo e gigante como ela”, afirma Anielle Franco.

Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram assassinados a tiros na noite de 14 de março de 2018, quando a parlamentar saiu de uma atividade política na Lapa em direção a casa dela. A família da vereadora acredita que a identidade dos mandantes do crime poderá ser revelada após o julgamento dos réus presos, em acordo de colaboração premiada para redução da pena, caso sejam condenados.

Até o momento, além da sociedade não saber quem mandou matar Marielle Franco e por quê, também os acusados da execução do crime, o policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, não foram julgados. Ambos estão detidos no presídio federal de Porto Velho (RO) e vão a júri popular, porém, ainda não há uma data para o julgamento acontecer.

Uma força-tarefa, instituída no dia 12 de março deste ano pelo Ministério Público do Rio, investiga o caso. A força-tarefa fez um acordo judicial com o Facebook para obter dados que ajudem a identificar os mandantes do crime. O órgão recebeu representantes do Instituto Marielle Franco e da Anistia Internacional para prestar informações sobre o andamento das investigações, de acordo com informações do portal UOL.

O local escolhido pela Prefeitura do Rio de Janeiro para colocar a placa em reverência à parlamentar é simbólico, mas até hoje nenhuma rua sequer ou praça da cidade foi renomeado com seu nome. A placa foi colocada em frente da Câmara dos Vereadores na qual Marielle atuou, e que no mesmo local, sete meses após o assassinato de Marielle, uma placa parecida que imitava sinalizações oficiais com nome de rua, após afixada e comemorada por ativistas, foi violentamente destruída.

A placa simbólica original foi retirada e quebrada pelos então candidatos Rodrigo Amorim (a deputado estadual) e Daniel Oliveira (a deputado federal), ambos do Partido Social Liberal (PSL). Dias depois, os candidatos levaram a placa a um ato político em Petrópolis e foram registrados, em um vídeo postado nas redes sociais, exibindo a placa quebrada ao meio.


À época, o ato de quebrar a placa Rua Marielle Franco pelos deputados levou manifestantes para às ruas—em 14 de outubro de 2018—da Cinelândia, no Centro, para um ato em homenagem a Marielle Franco e de resistência pedindo justiça. O protesto condenou a destruição da placa com o nome da vereadora, pelos então candidatos a deputado estadual Rodrigo Amorim e deputado federal Daniel Oliveira.

O ato foi uma iniciativa do site de humor Sensacionalista, que criou uma campanha de financiamento coletivo a fim de arrecadar R$2000 para confeccionar 100 placas em homenagem a Marielle. “Eles rasgam uma, nós fazemos 100”, dizia a página em um site de vaquinha virtual, de acordo com a Carta Capital.

Rodrigo Amorim, eleito deputado estadual em 2018, pendurou como decoração parte da placa quebrada emoldurada em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio. Daniel Silveira, agora também deputado, há um mês atrás, foi preso no carnaval, depois de ameaçar ministros do STF nas redes sociais.

De lá para cá, a placa—que traz elementos de uma placa de lápide com a data de nascimento e de morte, por assassinato, e o CEP do local do crime—tornou-se um símbolo de luta por justiça. De acordo com o site Rua Marielle Franco, “mais de 18.000 placas da Rua Marielle Franco já foram produzidas desde que tentaram destruir essa homenagem”. O site disponibiliza a arte para ser baixada com o objetivo de “levar as placas para todos os cantos e mostrar que a Mari é do tamanho do mundo!”

Hoje, placas “Rua Marielle Franco” estão dentro de casas ao redor do mundo em sua homenagem. Além disso, monumentos, bolsa de estudos e até jardins levam seu nome em reverência ao seu legado da Europa aos Estados Unidos e América Latina, mas em seu próprio país e na cidade do Rio de Janeiro, a Rua Marielle Franco segue sendo um sonho de justiça da família, amigos e sociedade em honra a seu nome, história e legado no Brasil.

O funeral de Marielle foi realizado dentro da Câmara dos Vereadores sob aplausos e lágrimas de milhares de pessoas. A placa simbólica colocada pela prefeitura na Cinelândia, portanto, trata-se de uma homenagem no lugar no qual tantas vezes Marielle cruzou tanto na vida quanto na morte.

Brasil: São Paulo

Localizada na Cardeal Arcoverde com a Rua Cristiano Viana, em Pinheiros, SP, existe desde 20 de março de 2018, a Escadaria Marielle Franco—como hoje é conhecida. Construída em 1972, a escadaria, originalmente pintada de branco, virou point de grafiteiros. Foram décadas de cabo de guerra entre a prefeitura—que pintava tudo de branco e deixava a escadaria à própria sorte—e grafiteiros e pichadores.

Essa dinâmica mudou quando a escadaria foi ocupada por ativistas para homenagear Marielle Franco. A partir daí, foram meses de novo cabo de guerra entre a prefeitura e ativistas, uma vez que a homenagem não é uma reverência oficial à memória da vereadora. Antes das eleições a imagem de Marielle foi alvo de depredação. Jogaram tinta vermelha sobre ela. Mas, de novo, ativistas foram lá e colocaram outra foto dela sorridente por cima. Menor, mas sempre sorridente. Em janeiro de 2019, a subprefeitura, novamente, foi lá para pintar tudo de branco com a justificativa de que faria reparos na escadaria. Mas, não contavam com o Sr. Francisco, ocupante do espaço abandonado abaixo da escadaria. Ele impediu que pintassem sobre a foto da vereadora, conforme registrado pelo portal UOL.

França: Jardim e Parada de ônibus

Em 2019, a capital francesa inaugurou um jardim em homenagem a Marielle Franco com a presença de seus pais e filha na cerimônia de abertura. O jardim suspenso está localizado ao lado da Gare de l’Est, uma das principais estações de metrô de Paris. É um espaço de 2,600 m² e que possui cerca de 70 árvores, a maioria frutíferas—o que traz uma simbologia do legado de Marielle Franco como fruto de resistência.

Para a prefeitura parisiense, a iniciativa do projeto representou o “engajamento da capital na defesa dos direitos humanos pelo mundo, mas também da defesa dos políticos em perigo”, de acordo com o comunicado divulgado no dia anterior à inauguração do jardim.

Jardim Suspenso Marielle Franco, ao lado da Gare de l’Est. Foto: Hypeness

Na cidade de Grenoble, no sudeste da França, Marielle foi lembrada na mudança oficial do nome de uma parada de ônibus, em uma iniciativa da cidade para “honrar personagens fortes da história”. Há alguns anos, a cidade vem se comprometendo com um processo em favor da igualdade entre homens e mulheres. Várias ruas, praças e instalações foram renomeadas com nomes femininos para tornar as mulheres mais visíveis no espaço público.

Parada de ônibus “Marielle Franco – Rondeau”, Grenoble

A escolha do nome de Marielle foi uma sugestão de visitantes na exposição “Femmes à l’Honneur” (Mulheres em Destaque) de 2018, acatada por se encaixar nos quesitos de “exemplaridade de vida, universalidade da mensagem transmitida ao longo de sua jornada e a coerência com o território e raízes locais”.

Portugal: Rua Marielle Franco e Mural no Panorâmico de Monsanto

Também em 2019, a Câmara de Lisboa aprovou uma proposta para dar o nome da vereadora e ativista brasileira a uma rua da capital portuguesa. Na ocasião da aprovação, os vereadores destacaram o trabalho da ativista: “Marielle Franco empenhou-se na luta pelos direitos humanos, especialmente em defesa dos direitos das mulheres negras e dos moradores de favelas e periferias, e na denúncia da violência policial”, afirmou a nota divulgada pelo gabinete do vereador Manuel Grilo.

Pintura-retrato em alto relevo da vereadora no Panorâmico de Monsanto pelo escultor Vhils.

Apesar de ter sido apresentada pelo bloco de esquerda da Câmara, a proposta foi aceita por unanimidade entre os vereadores. Uma comissão municipal irá propor qual será a rua da homenagem.

Marielle Franco já tinha sido homenageada pelo artista plástico português Vhils, no Panorâmico de Monsanto, em 2018. A homenagem faz parte do projeto Brave Walls, da Anistia Internacional. Em um muro de pouco mais de três metros de altura, Vhils fez uma pintura-retrato em alto relevo da vereadora, usando apenas a cor branca. Vhils é conhecido entre os cariocas que frequentam o Morro da Providência, primeira favela brasileira, onde passou uma temporada em 2012, em parceria com o fotógrafo local Maurício Hora, realizando uma série de retratos marcantes em alto relevo de pessoas removidas pela Prefeitura do Rio nas paredes das casas demolidas.

“Com esta obra em Portugal quisemos dar a maior visibilidade possível ao caso de Marielle Franco—não só para celebrar a sua vida, tão inspiradora, e continuar a luta pelas suas causas, mas também para garantir que é feita justiça no seu assassinato. É a expressão da arte, de forma pacífica e audível, a exigir justiça e direitos humanos”, refere Pedro Neto, diretor executivo da Anistia Internacional de Portugal.

Itália: Terraço Biblioteca Oblate, Florença

Em 2019, a cidade de Florença, na Itália, aprovou nomear o terraço da Biblioteca Oblate em homenagem a Marielle. “Do terraço, uma vista magnífica da Cúpula de Brunelleschi permitirá preservar a memória de Marielle e promover uma reflexão contínua sobre os temas da integração e dos direitos humanos fundamentais”, disse o vereador Luca Milani.

Terraço Marielle Franco da Biblioteca Oblate

Após o sinal verde da administração da cidade, foi iniciado o processo que levará, após resolução específica dos conselhos municipais, a titulação do terraço com este nome.

Holanda: Fachada de Museu

Na capital holandesa, a obra de grafite na fachada do Museu Stedelijk, um dos espaços culturais mais importantes da Europa, foi realizada para lembrar o nome e a história de Marielle. “Um ano sem respostas” é a mensagem que a artists carioca Panmela Castro gravou em Amsterdã. Ela foi escolhida para realizar a arte no Festival Feminista Mama Cash.

A obra, realizada durante o Dia Internacional da Mulher de 2019, lembrou o aniversário de um ano do assassinato da vereadora. O grafite exibia duas personagens femininas unidas pelos olhos e pelos cabelos, dentro do conceito de “sororidade”, para representar a união das mulheres através da dor e do sofrimento mútuo devido ao machismo e racismo.

Estados Unidos: Bolsa de Estudos

Na capital, Washington, DC, uma das universidades mais prestigiadas dos Estados Unidos, a Universidade John Hopkins, criou a “bolsa de estudos Marielle Franco“, em homenagem a Marielle Franco. A bolsa é destinada aos alunos que têm o desejo de desenvolver pesquisas ligadas à justiça social e aos direitos humanos na América Latina. A bolsa pertence ao Programa de Estudos Latino-Americanos (LASP) da School of Advanced International Studies (SAIS), na Johns Hopkins.

Segundo a universidade, a bolsa de estudos será concedida anualmente para apoiar estudantes de mestrado comprometidos com o avanço da justiça social, igualdade e representação política mais ampla. Os candidatos devem ainda ter como foco o estudo sobre a América Latina.

Alemanha: Mural Marielle Franco, Berlim

Mesmo em tempos de pandemia, Marielle continua se mantendo presente ao redor do mundo, como demonstra o mural em sua homenagem inaugurado no dia 8 de março de 2021, Dia Internacional Da Mulher, na capital alemã. O mural tem cerca de 100 metros quadrados e está localizado na lateral de um prédio no bairro de Kreuzberg, em Berlim.

A pintura foi criada pela artista russa Katerina Voronina com o suporte da Anistia Internacional e do museu de arte urbana contemporânea Urban Nation. A obra faz parte da série “Brave Walls“, que procura atrair a atenção para a necessidade de proteção de ativistas de direitos humanos, e já realizou intervenções semelhantes em mais de 20 países, incluindo outro mural em homenagem à Marielle Franco, em Lisboa. “Marielle Franco me impressionou profundamente. Ela era uma mulher forte e corajosa, que lutou sem hesitar contra estruturas de poder e infelizmente perdeu a sua vida como resultado disso”, afirmou a artista ao portal DW.

Argentina: Estação de Metrô

Uma placa em homenagem à Marielle foi inaugurada na estação de metrô Rio de Janeiro, no bairro de Caballito, em Buenos Aires. O nome da vereadora também passou a nomear a estação, renomeada para Rio de Janeiro-Marielle Franco.

A autorização para a colocação do tributo foi dada no último dia 12 de março pelo Parlamento da Cidade da capital argentina, que tem status de província. A proposta foi encaminhada pela deputada María Bielli a pedido do Coletivo Passarinho—grupo formado por brasileiros que moram em Buenos Aires.

“Na Argentina, Marielle é elogiada de modo transversal, pela defesa dos negros, dos moradores de favelas, das mulheres e dos direitos humanos. Aqui, devido à ditadura militar [1976-1983], um assassinato que pode estar relacionado ao Estado chama muito a atenção”, diz Renata Benítez, integrante do coletivo, ao jornal Folha de S. Paulo.


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