Esta é nossa matéria mais recente sobre o novo coronavírus e seus impactos sobre as favelas.
Cerca de 20 pessoas estão acampadas em frente à sede da prefeitura, na Cidade Nova, Zona Central, desde o dia 22 de fevereiro. Abrigados na sombra de uma árvore, eles se revezam para dormir nos poucos colchões e cobertores improvisados no chão. O grupo é beneficiário do aluguel social, que desde o mês passado tem sofrido atrasos e bloqueios. Sem o recebimento do benefício, no valor de R$400 mensais, algumas famílias foram despejadas de suas casas.
“A partir do atraso do aluguel—que costumava ser pago entre os dias 05 e 15—a gente reuniu as famílias que estavam sendo despejadas das casas para poder reivindicar na Secretaria de Habitação, porque não tinha previsão para pagamento”, conta Rodrigo Moreira, líder do grupo. Ele e os demais acampados eram moradores da Comunidade Telerj, nome pelo qual ficou conhecida uma ocupação de quase 8.000 pessoas no terreno abandonado da Oi/Telerj, no Engenho Novo, Zona Norte. Na época, a violência empregada na remoção dos moradores, às vésperas da Copa do Mundo em 2014, chamou a atenção internacional.
A promessa feita pelo então prefeito Eduardo Paes de construir moradias sociais no terreno nunca foi cumprida. Desde então, algumas famílias foram cadastradas e incluídas no programa de aluguel social. Segundo Rodrigo, o grupo de ex-moradores da Comunidade Telerj, costumava receber o benefício na primeira quinzena do mês. O pagamento do mês de fevereiro, no entanto, só foi recebido no dia 05 de março. O atraso provocou o despejo de, pelo menos, 18 famílias apenas desse grupo. Rodrigo, a mulher e os quatro filhos também foram despejados.
A situação é ainda pior para Thaynara Souza, que descobriu que seu benefício foi bloqueado. Mãe solo de duas crianças, um menino de 5 e uma menina de 1 ano, ela está desempregada e não conseguiu pagar o aluguel da casa onde vivia com os filhos em uma comunidade na Zona Norte. O atraso provocou o despejo de Thaynara, que desde o dia 22 do mês passado está acampada em frente à sede da prefeitura. Quando as outras famílias começaram a receber o benefício, com quase um mês de atraso, e ela não, a preocupação virou desespero.
“Começou a cair o aluguel social de todo mundo, aí eu fui lá em cima [na Secretaria de Habitação] me informar sobre o motivo de o meu não ter caído. A atendente me informou que estava tudo certo com o meu cadastro, era só eu ir na data que estava agendada fazer o recadastro. Eu fiz o recadastro, fiz tudo certinho, vim aqui e informei. Ainda assim, não caiu, aí fui procurar saber porque não caiu e eles falaram que é porque está em análise. Enquanto estiver em análise, eu não recebo. Eles falam que têm que esperar, mas não me deram data”, explica Thaynara.
Quando soube do bloqueio do benefício, ela diz ter tentado explicar sua situação, mas foi advertida por funcionários a não envolver as crianças. “Eu fui e informei a eles que eu tenho dois filhos, um está com a minha mãe e o outro com a minha avó, mas por conta de problemas de saúde elas não podem mais ficar com as crianças. Eu disse que teria que ficar na rua com os dois, daí eles pediram para eu não incluir meus filhos, para não falar sobre eles quando estiver tratando do aluguel, que não era certo. Eu perguntei para eles: como eu não vou incluir se sou uma mãe sozinha, com duas crianças? Automaticamente, cortando ou bloqueando meu benefício, eles estão me colocando na rua com duas crianças”, desabafou Thaynara.
A chamada para recadastramento das famílias que recebem o aluguel social começou no dia 1 de fevereiro. Desde então, beneficiários do programa têm relatado longos atrasos no pagamento do benefício, além do bloqueio de alguns cadastrados. Conforme Rodrigo, também líder dos ex-moradores da Comunidade Telerj, foi informado, em uma das reuniões com representantes da Secretaria Municipal de Habitação, o órgão está realizando uma reavaliação dos beneficiários do programa. A informação foi confirmada, em nota à reportagem, pela própria Secretaria, que disse estar realizando “um processo de averiguação minucioso” para “reavaliar benefícios concedidos nos últimos anos”.
Além do acampamento dos ex-moradores da Comunidade Telerj, na última terça-feira (16 de março), a movimentação de beneficiários do programa de aluguel social na sede da prefeitura era intensa. Moradores da antiga Ocupação “Unidos Venceremos” em Santa Cruz, Zona Oeste, atingida por um incêndio em janeiro, também aguardavam informações. A destruição do espaço deixou 250 famílias desabrigadas, que iniciou o pagamento do aluguel social sete dias após o incêndio. O benefício pago em janeiro, no entanto, foi o único recebido até o momento.
A falta de aviso prévio sobre o atraso e o bloqueio do aluguel é reclamada por Carlos dos Santos, conhecido como Paulista da Mangueira. Ele morava na Ocupação IBGE, localizada em um prédio abandonado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Mangueira, Zona Norte, removida em abril de 2018. Paulista lembra que na época, o então Prefeito Marcelo Crivella chegou a anunciar a construção de habitações sociais no terreno, onde seriam reassentados os moradores da ocupação. Porém, a obra nunca começou e o aluguel social, que seria uma solução temporária, se tornou permanente.
Há três anos, Paulista recebe o benefício. Dessa vez, o longo atraso resultou em seu despejo. Para não ficar na rua, começou a fazer bico como vigia em uma creche no Jacarezinho, Zona Norte, e em troca dorme no local. Segundo ele, ao menos 15 famílias da antiga ocupação IBGE estão desabrigadas por conta do atraso. Dessas, cinco tiveram o aluguel social bloqueado, inclusive ele. “O meu foi cancelado, eu estou brigando, estou vindo todo dia aqui buscar resposta. Eu quero saber o motivo”, argumenta.
Paulista fez o recadastramento no programa de aluguel social no dia 08 de março e foi informado que o atraso seria normalizado em poucos dias, o que não aconteceu. Quando retornou à sede da prefeitura na última terça (16), foi informado que seu benefício havia sido cancelado. Para tentar solucionar o problema, ele foi orientado a comparecer novamente ao posto de atendimento na sede da Guarda Municipal, em São Cristóvão, e refazer o cadastro que já havia sido realizado no dia 08. Paulista é deficiente físico e tem dificuldade de locomoção. “Eles mandam fazer o recadastramento na promessa de que vai sair quarta, sexta-feira… [Mas] chega o dia e não sai. Enquanto isso, as pessoas estão indo parar na rua”, desabafa.
Procurada, a Secretaria Municipal de Habitação informou, por meio de nota, que o recadastramento “é obrigatório e essencial para garantir a continuidade do pagamento. Sendo assim, somente aqueles beneficiários que efetuaram o recadastramento ou estão com o atendimento agendado estão aptos a receber o auxílio”. Sobre o bloqueio, a orientação da secretaria é que os beneficiários que tiverem o aluguel social bloqueado agendem atendimento para realizar uma nova atualização cadastral. O recadastramento acontece até o dia 26 de março.
O órgão informou ainda que houve uma reordenação no pagamento dos benefícios, o que levou a uma alteração nas datas de recebimento do aluguel social. “Antes, o pagamento era realizado em duas datas no mês, contemplando um grupo de beneficiários por vez. Mas o calendário passou por uma readequação e, desde janeiro, o pagamento vem sendo realizado em uma única data, englobando todos os beneficiários devidamente recadastrados”. A nova data única de pagamento não foi informada pela secretaria.