“Há uma total falta de transparência das autoridades com a Colônia e seus moradores. Queremos uma resposta”, afirma Juliana Moura Marques, moradora da Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, e membro do movimento comunitário E-Colônia.
Nos últimos meses, o grupo vem pedindo explicações à Prefeitura sobre a mudança no traçado da BRT TransOlímpica que agora deve passar pelo bairro, sobre obras públicas abandonadas e sobre a proposta de uso do histórico hospital psiquiátrico da comunidade para o tratamento compulsório de viciados em crack. Eles organizaram uma reunião para o dia 22 de março, mas ninguém da Prefeitura compareceu ou enviou comunicado explicando a razão da ausência, deixando frustrados os 150 moradores presentes, e ainda sem respostas.
Acima de tudo, os moradores querem saber definitivamente se os rumores de significativas intervenções governamentais em sua comunidade são realmente o que o futuro reserva para este canto escondido e pouco compreendido da cidade.
História da Colônia Juliano Moreira
A Colônia Juliano Moreira é um lugar único. Situada na margem do Parque Estadual da Pedra Branca, em uma grande área de 78km2, é mais conhecida devido ao hospital psiquiátrico em torno do qual o bairro cresceu (veja o mapa abaixo). Inicialmente um engenho de cana-de-açúcar, a área foi desapropriada pelo governo federal em 1912 e a instituicão psiquiátrica estabelecida na década seguinte, com pacientes da unidade existente na Ilha do Governador sendo permanentemente transferidos para lá. A localização na Zona Oeste foi escolhida por seu isolamento do centro urbano do Rio de Janeiro e pela exuberante floresta e áreas verdes ao redor, uma vez que o pensamento médico da época era de que os pacientes psiquiátricos devessem ter contato com a natureza. A instituição construiu casas para os trabalhadores em seu enorme terreno, que foi renomeado Colônia Juliano Moreira, em 1935, em homenagem ao médico recém-falecido conhecido por seu tratamento humanista dos pacientes.
Famosa durante a primeira metado do século 20 por seus serviços de saúde mental, a instituição entrou então em declínio. Na década de 1980, comunidades começaram a crescer em torno das tradicionais casas dos funcionários e as primeiras favelas da região foram, nesta época, estabelecidas. Hoje, a Colônia Juliano Moreira abriga 11 comunidades, cerca de 30 mil pessoas, e a instituição–entregue à Prefeitura em 1996–atua com capacidade significativamente reduzida.
Os últimos anos trouxeram uma série de confusas intervenções governamentais para a área. Obras do PAC estavam programadas para o período de 2007-2010, com um orçamento de mais de R$105 milhões, mas não foram cumprimdas. Agora, fazem parte do programa municipal de urbanização de favelas Morar Carioca. O Prefeito Eduardo Paes declarou a área oficialmente um bairro em 2011, dividindo-o em quatro “setores”. Estas divisões têm sido repetidamente revistas e atualizadas, a mais recente em janeiro deste ano, dividindo a região em 10 “áreas”. Membros do E-Colônia acreditam que as divisões sejam para impor políticas específicas para áreas específicas, como por exemplo, regras de construção, e fragmentar a mobilização coletiva do bairro.
TransOlímpica a passar pela Colônia
O E-Colônia está principalmente preocupado com a preservação ambiental da Mata Atlântica que cerca a comunidade. Eles se tornaram, porém, porta-vozes de preocupações mais amplas do bairro desde a descoberta da mudança planejada no traçado da TransOlímpica. Eles descobriram, através de topógrafos fazendo pesquisas no bairro, que agora a TransOlímpica deve cruzar a Colônia. A estrada vai passar por Jacarepaguá para ligar o Parque Olímpico, na Barra da Tijuca, com outra área de competições Olímpicas, em Deodoro, na Zona Norte. A mudança de percurso é supostamente para reduzir o número de remoções necessárias. No entanto, nessa proposta, ele cruza comunidades no bairro e áreas protegidas de floresta. A nova rota projetada também passa a 100 metros da Vila de Idosos, um novo alojamento público para pacientes psiquiátricos idosos.
Moradores, muitos dos quais podem traçar suas famílias aos primórdios da instituição psiquiátrica, estão preocupados com a sua história e casas, mas principalmente com os danos ecológicos que a via expressa causaria. Catia Loreira, 33 anos, nascida e crescida em Colônia, diz: “Nós queremos dizer às pessoas sobre a área de meio ambiente que temos aqui e sobre os danos que a rodovia vai causar”.
Obras Públicas Abandonadas
Em 25 de janeiro de 2010, o então presidente Lula, o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes inauguraram as primeiras obras concluídas do PAC na Colônia Juliano Moreira. Estes incluíram ruas pavimentadas, parquinhos e campo de futebol, além do anúncio de um Espaço de Desenvolvimento Infantil a ser construído. O anúncio oficial do governo garantia a continuidade do projeto na Colônia, incluindo a urbanização de todas as favelas, com pavimentação de ruas, drenagem de rios, construção de uma Vila de Idosos, recuperação da zona histórica, novo museu, regularização fundiária, projetos sociais e a construção de 600 unidades habitacionais: “Essas intervenções têm o objetivo de transformar a Colônia Juliano Moreira em um novo bairro, preservando sua área verde”.
O Espaço de Desenvolvimento Infantil foi inaugurado em 5 de novembro de 2011 pelo prefeito Eduardo Paes, juntamente com os Secretários Municipais de Educação, Habitação, Casa Civil e Chefe de Gabinete. Paes destacou como centro de atividades e educação familiar para 250 crianças e outras obras na Colônia estavam sendo possíveis através do programa municipal de urbanização de favelas Morar Carioca. Ele disse: “Com este trabalho na Colônia Juliano Moreira, estamos recuperando e preservando essa herança histórica fantástica da cidade e, ao mesmo tempo, trazendo dignidade para as pessoas com obras de qualidade e sustentáveis”.
Em Colônia, as pessoas referem-se ao PAC, não ao Morar Carioca, que na teoria é um programa baseado na participação da comunidade, mas que, no entanto, está sendo usado como um termo genérico para quaisquer obras adminstradas pelo município em favelas.
Moradores queixam-se de obras de baixa qualidade e abandonadas. Juliana diz: “Lixo, entulho, insetos e mosquitos da dengue estão se acumulando em todos os locais onde a Prefeitura realizou um tipo de obra ou colocou um canteiro. As ruas estão cheias de buracos que eles fizeram. Por exemplo, eles jogam entulho em uma área destinada a ser horto. O que seria um projeto de um horto, eles fazem agora de entulho com água parada”. Ela também cita obras no sistema de drenagem da Rua Sampaia Correo e da recém-inaugurada Vila dos Idosos que direcionam esgoto no Rio da Colônia.
O discurso de Paes de que as obras são sustentáveis e trazem dignidade para os moradores da Colônia pode mais claramente, e, infelizmente, ser refutado com o caso de Dona Rita Maria Barbosa, uma moradora de 57 anos de idade, agro-ecologista, que foi removida de sua casa por trabalhadores da Prefeitura antes do prazo prometido, e sua casa e horta orgânica destruídas em agosto do ano passado. Hoje, o site está cercado por tapumes.
Tratamento Obrigatório de Viciados em Crack na Colônia
Em março de 2011, a administração municipal aprovou nova regulamentação determinando a internação forçada de crianças e adolescentes para o tratamento de drogas. O programa controverso, uma tentativa de lidar com os crescentes problemas relacionados ao crack e menores abandonados no Rio, introduziu operações em cracolândias da cidade (áreas ocupadas por usuários de crack) levando jovens viciados para centros de tratamento de drogas.
Em outubro do ano passado, o prefeito Eduardo Paes revelou uma proposta de extensão desta política para incluir a internação forçada de adultos viciados em drogas, e que planejava criar mais 600 espaços de tratamento de drogas em local ainda a ser decidido. A primeira operação ocorreu em 19 de fevereiro às margems da Avenida Brasil, próximo ao Complexo da Maré, com 29 viciados involuntariamente internados para tratamento.
Enquanto isso, na Colônia, os moradores relatam que a Prefeitura ordenou a suspensão das atividades de três das clínicas da instituição psiquiátrica, deixando os pacientes sem serviço ou explicação. Funcionários nas clínicas relatam que eles foram orientados a parar os serviços e que o local será usado para o programa de tratamento obrigatório de viciados em drogas.
Os moradores argumentam que, com edifícios antigos de plano aberto no coração do centro histórico do bairro, a instituição psiquiátrica não tem a estrutura necessária para proporcionar um tratamento seguro para viciados em drogas que foram trazidos contra sua vontade.
Falando no debate público ‘Internação Compulsória: Prisão ou Cuidado?’, a líder do E-Colônia e moradora do bairro por 22 anos, Aline Santos exigiu maior investigação sobre a situação: “Quando nós buscamos ou quando a mídia busca, por uma resposta, ele nega. Há falta de transparência. Isso reforça a idéia de que eles estão removendo usuários de drogas da Avenida Brasil antes dos mega-eventos e os colocando em áreas escondidas da sociedade. Colônia realmente é uma área que está escondida da sociedade”.
O Futuro da Colônia Juliano Moreira
“Este lugar é belíssimo, nas proximidades da encosta do Maciço da Pedra Branca”, disse entusiasmado o então Secretário Municipal de Habitação, Jorge Bittar, em 2011 na inauguração do Espaço para Desenvolvimento Infantil na Colônia. Falando sobre trabalhos futuros na comunidade, ele disse, “Vamos valorizar os aspectos históricos, ambientais e, sobretudo, da qualidade de vida de todos que residirão ou visitarão a Colônia”.
Isto não é como as intenções das autoridades em Colônia estão sendo interpretadas pelos moradores. Juliana, que não pode terminar o piso do segundo andar de sua casa por causa de uma proibição em todas as construções, diz: “É como se a Colônia fosse um buraco enorme e eles estivessem jogando tudo dentro para esconder da cidade”.
Além da organização da reunião de 22 de março, o E-Colônia tem sido ativo organizando uma passeata na comunidade, entrando em contato com a mídia e estabelecendo parcerias de solidariedade com outros movimentos sociais. Suas demandas são, simplesmente, informação e a oportunidade de participar de decisões sobre o seu bairro.
Aline, o membro mais vocal do grupo, diz: “A comunidade tem de ser informada e o que estamos exigindo está na lei: divulgar a informação antes de implementar. No momento em que eles estão planejando alguma coisa, eles precisam compartilhar essa informação não somente com a comunidade, mas com a sociedade como um todo”.