Esta é nossa matéria mais recente sobre o coronavírus e seus impactos sobre as favelas.
No dia 7 de maio, a deputada estadual do Rio de Janeiro Renata Souza organizou a audiência pública “O Enfrentamento à Miséria e à Extrema Pobreza no Estado do Rio de Janeiro”, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio (ALERJ), onde atua desde 2018, ano em que se tornou a primeira mulher negra a presidir a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ. Ao longo de sua carreira como deputada estadual, ela tem defendido uma série de iniciativas voltadas à promoção da cidadania e ao enfrentamento da miséria e da extrema pobreza, como a Lei 8.972/20, que concedeu à Fiocruz, R$20 milhões para implementar um plano de trabalho para o enfrentamento da Covid-19 nas favelas, com recursos próprios da ALERJ.
“A pobreza é uma realidade enfrentada por grande parte da população, em especial aos milhares de brasileiros que tiveram suas vidas afetadas pelo novo coronavírus. Além das lamentáveis 400.000 mortes em todo país e quase 45.000 mortes só no estado do Rio de Janeiro, a pandemia arrastou outros milhares para fome e para miséria, devido à falta de políticas públicas que garantam a segurança alimentar e a dignidade humana”, denunciou Renata Souza.
A deputada iniciou a audiência, realizada por uma nova Comissão Especial de Combate à Miséria e à Pobreza Extrema, mencionando como foi “simbólico ter a audiência naquele dia, no dia seguinte ao massacre do Jacarezinho”, que segundo ela representa a desumanização da população carioca em situação de pobreza.
Durante a audiência, diversos profissionais de diferentes organizações e poderes governamentais contribuíram para a análise da situação atual nos níveis estadual e nacional, como o secretário de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, Bruno Dauaire; Flávia Oliveira, jornalista e colunista de economia; deputados estaduais Waldeck Carneiro, Flavio Serafini, e Enfermeira Rejane; Valcler Rangel, diretor de relações interinstitucionais da Fiocruz; Eduardo Suplicy, vereador de São Paulo; Luana Carvalho, coordenadora nacional do MST; Cely Gomes, coordenadora estadual do MTST e da iniciativa das Cozinhas Solidárias; Mauro Osório, diretor da Assessoria Fiscal da ALERJ; Rodrigo Afonso, diretor-executivo da Ação da Cidadania; Lucia Xavier, representante da Coalizão Negra por Direitos; e, por fim, Leandro Ferreira, presidente da Rede Brasileira de Renda Básica.
Bruno Dauaire começou citando a missão do Estado de reabrir dez restaurantes populares que oferecem comida por um real e entregam 1,7 milhão de refeições por meio do programa RJ Alimenta. Além disso, foi estabelecida uma parceria entre a Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo e os agricultores familiares para a entrega de alimentos às comunidades. Por fim, o programa Supera Rio foi citado pelo secretário, que começaria este mês no Rio atendendo 200.000 famílias na linha de pobreza e abaixo. De acordo com Renata Souza, precisamos de um calendário de ações específico, considerando que 55% da população vive atualmente em situação de insegurança alimentar.
Durante a intervenção de Flávia Oliveira, ela afirmou que as políticas sociais implementadas pelo presidente dos Estados Unidos, Joseph Biden, durante a pandemia para ajudar as famílias mais pobres, promovendo ajuda em áreas como educação, segurança alimentar e transferência de renda, deviam servir como modelo para o governo brasileiro. No Brasil, programas como o Bolsa Família e o Auxílio Emergencial têm contribuído para uma queda menos acentuada do PIB nacional. Quase um terço da população depende destes tipos de políticas que não são suficientes para o enfrentamento da pobreza estrutural, que continua a afetar mais os negros, especialmente as mulheres negras.
“Você quer atingir os extremamente pobres e usa um aplicativo de smartphone, isso só poderia ser desenhado por um governo que não tem a menor ideia do que seja a crise social e a vulnerabilidade da população brasileira”, declarou Flávia Oliveira.
De modo semelhante, o Deputado Estadual Waldeck Carneiro mencionou a necessidade de políticas estruturais e nacionais para enfrentar a pobreza e a vulnerabilidade em diferentes dimensões. Além disso, em dezembro de 2020 foi aprovada a Lei 9131/20 que institui um plano de desenvolvimento, cidadania e direitos nas favelas, que daria amplo poder ao executivo para ter políticas duradouras para enfrentar esse fenômeno social.
Além disso, o Deputado Waldeck Carneiro denunciou a fala do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, sobre a chacina no Jacarezinho cometida pela Policia Civil do Rio de Janeiro na véspera da audiência como uma “operação de inteligência”, ao que a Deputada Renata Souza adicionou, “Não é possível haver pena de morte no Brasil, um massacre [realizado pela Polícia Civil] nunca será considerado um sucesso”. O deputado continuou analisando o quão absurda foi a operação policial por “tratar as pessoas como descartáveis”.
“Nos últimos anos, o Brasil atingiu um recorde de desemprego, com um número crescente de trabalhadores precários. Por isso, há necessidade de políticas públicas permanentes. Com a situação atual, a expectativa de vida já baixou dois anos“, disse Flavio Serafini. Valcler Rangel acrescentou uma fala sobre a sinergia entre pobreza e desigualdade e a importância de que as políticas públicas de enfrentamento à pobreza sejam construídas pela população do Rio de Janeiro.
“Recentemente, observamos uma tendência de alta dos preços dos alimentos, em parte ocasionada pela falta de políticas públicas federais para a agricultura familiar. Por isso, os agricultores continuam subordinados às políticas de exploração, recebendo escassas quantias pelo seu trabalho, e a população não recebendo alimentos que os saciam”, disse Luana Carvalho.
Se somarmos a falta de uma política nacional de apoio à agricultura familiar, à maior taxa de desemprego dos últimos anos, mais a ausência de estatísticas confiáveis, e a contínua deterioração das estratégias de combate à fome desde 2016, o resultado é um cenário assustador, repleto de possibilidades terríveis, especialmente para quem vive em favelas ou periferias urbanas.
“Se alguém está com fome, automaticamente todos os outros direitos são negados”, acrescentou Rodrigo Afonso.
“73% da população que vive na pobreza é negra e faltam políticas voltadas para essa população, que os tratem como verdadeiros cidadãos. Vemos essa desigualdade dentro da própria cidade do Rio e sabemos que essas políticas podem funcionar. Enquanto os bairros mais ricos se beneficiam delas, as áreas mais pobres da cidade ainda lutam para ter acesso a um bom transporte, saneamento básico ou coleta de lixo”, criticou Lucia Xavier, cuja campanha “Tem Gente Com Fome” já arrecadou R$11 milhões.
Todos os participantes denunciaram a chacina no Jacarezinho, que deixou 27 mortos na manhã anterior na comunidade do Jacarezinho, na Zona Norte. Alguns participantes denunciaram a pena de morte de facto para brasileiros negros e moradores de favelas na forma da violência policial, perfilamento racial, racismo e necropolítica. O que é, exatamente, o que a juventude negra de favela vem clamando: “Nem de Tiro, Nem de Covid, Nem de Fome! O Povo Negro Quer Viver!”