Município Derruba Muro de Proteção e Deixa Exposto Sítio Arqueológico do Quilombo do Camorim 

Muro que cerca o sítio arqueológico do Quilombo do Camorim derrubado por máquinas da COMLURB.

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No dia 7 de outubro uma parte do muro que cerca o sítio arqueológico do Quilombo do Camorim, na Zona Oeste, foi derrubado. A estrutura  não foi alvo de vandalismo e nem sofreu com os efeitos do tempo. O muro foi atingido por máquinas utilizadas por funcionários da COMLURB para fazer a limpeza em uma área de lixeiras próxima. O incidente, ocorrido há mais de dois meses, deu início a uma grande dor de cabeça para quem vive no quilombo. Sem resposta dos órgãos públicos responsáveis, são os próprios moradores que se revezam para vigiar o espaço, além de buscarem insistentemente o apoio das autoridades. 

O incidente ocorrido no dia 7 de outubro foi o segundo episódio em menos de um ano. Em dezembro de 2020, funcionários da companhia de limpeza urbana retiravam entulhos e lixo da área utilizando um trator. Durante uma manobra a máquina bateu no muro e derrubou uma parte. Adilson Almeida, presidente da Associação Cultural Quilombo do Camorim (ACUQCA), lembra que estava em casa quando recebeu a ligação no dia 5 de dezembro do ano passado. “Eles quebraram uma parte do muro e jogaram o entulho para dentro do espaço. Entrei em contato, de imediato, com os fiscais da área [subprefeitura de Jacarepaguá]. Eles vieram no dia seguinte, olharam, disseram que consertariam e nada. Nisso foi passando o tempo e agora esse novo episódio”. 

Depois da primeira colisão, um grupo do quilombo se juntou e tapou o buraco com tábuas de madeira e telhas.

Segundo Adilson, mais uma vez os responsáveis pela área de Jacarepaguá foram até o local e novamente se comprometeram com o reparo, que até hoje não aconteceu. Uma pequena parte do material chegou a ser entregue, mas a mão de obra para o conserto nunca foi enviada. O material enviado segue guardado com os moradores.

Um Sítio Arqueológico Sob Ameaça

O muro derrubado protege uma importante área de preservação histórica e ambiental do Estado do Rio. O Sítio Arqueológico do Engenho do Camorim foi reconhecido, em 2017,  pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Isso deveria garantir apoio para a preservação da área, devido à sua importância como patrimônio histórico. Um sítio arqueológico é uma área onde se encontram vestígios de ocupação humana que tenham relevância científica para a compreensão histórica da humanidade. 

Diversas pesquisas são realizadas na área do sítio arqueológico. Desde 2016 a arqueóloga Sílvia Peixoto desenvolve pesquisas e faz escavações no local. Por conta de seu trabalho, milhares de peças e fragmentos já foram resgatados. São materiais datados dos séculos XVII e XVIII, que contam a história dos primeiros momentos dos engenhos de açúcar. Parte desse material se encontra no Museu Nacional, mas ainda há muito o que estudar no local. 

“A gente tem o que eu chamo de museu ao ar livre, que é a área de escavação do doutorado da Sílvia Peixoto. Onde tem esse museu ao ar livre, na parede e no solo, tem muito material ainda. As pessoas, que não conhecem, podem destruir aquilo ali sem nem saber do que se trata”, explicou Adilson. O IPHAN foi comunicado sobre a vulnerabilidade da área de preservação. O órgão encaminhou um pedido de reparo à prefeitura e agendou uma visita técnica ao terreno no dia 18 de janeiro, mês que completa quatro meses desde o segundo incidente com o muro que protege o sítio arqueológico. 

“Ali realmente é uma área que precisa ter o cuidado e o carinho dos órgãos públicos, porque é um patrimônio histórico e ambiental”, reforça Adilson. Além do sítio arqueológico, o muro protege uma grande área de vegetação, que se estende até o Parque Estadual da Pedra Branca. Nessa área, são realizados eventos e projetos sociais junto à comunidade do Camorim, além de um circuito histórico que recebe visitas guiadas. “Nós temos feito um trabalho contínuo com as escolas da rede pública, falando da história do quilombo, explicando o que é um quilombo, como surgiu”, completa.

Um Quilombo na Luta Por Sua História

O sítio arqueológico faz parte da área do Quilombo do Camorim, oficialmente reconhecido como um quilombo pela Fundação Cultural Palmares (FPC) em 2014. O reconhecimento da área como um quilombo e o registro do sítio arqueológico pelo IPHAN garantem proteção a área de grande valor histórico e ambiental, mas a medida chegou com atraso. A região onde está localizado o quilombo sofreu com a pressão imobiliária às vésperas dos Jogos Olímpicos em 2016. Viu parte de seu território ser adquirido por uma construtora, que ergueu um conjunto de prédios sobre a história da escravidão na região. 

No começo de 2013, a construtora Living, do grupo Cyrela, adquiriu a terra reivindicada pelo quilombo, removeu os campos de futebol da comunidade, desmatou a área nativa da Mata Atlântica e começou a construção do complexo de apartamentos. Após as Olímpiadas, a Vila da Mídia, que abrigou os jornalistas durante os jogos, foi disponibilizada no mercado imobiliário. Assim, em um intervalo de poucos anos, um dos quilombos mais antigos do Estado do Rio tornou-se vizinho de porta de um conjunto de prédios. 

De acordo com Adilson, nos últimos meses moradores do Camorim vêm fazendo o replantio de árvores, em uma tentativa de reconstrução da área verde degradada. Ele, assim como outros moradores do quilombo, são descendentes da história enterrada sob o conjunto residencial. São gerações que descendem de negros e negras escravizados que trabalharam no antigo Engenho do Camorim, construído no século XVII. Dessa época restou uma pequena capela, numa área central do quilombo e vizinha ao muro destruído. 

Conhecer e preservar sua história é uma luta constante para aqueles que se reconhecem como quilombolas no Camorim. A ACUQCA, criada há quase 20 anos, surgiu com a missão de representar essa luta, que ganha novos capítulos, mas segue sendo contestada e disputada. Para as lideranças do Camorim, que protegem e cuidam do sítio arqueológico, fica a persistência e a mobilização pela preservação de seu território.

Quilombo do Camorim


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