Nos dias 3, 4 e 5 de junho ocorreu a Conferência Popular pelo Direito à Cidade, evento que reuniu mais de 500 representantes de movimentos sociais, organizações da sociedade civil, lideranças de favelas, pesquisadores e técnicos de todas as regiões do país.
O evento foi organizado pelo BR Cidades, Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), Central dos Movimentos Populares (CMP), Coalizão Negra por Direitos, Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM), Fórum Nacional de Reforma Urbana, Habitat para a Humanidade, Instituto Brsileiro de Direito Urbanístico (IBDU), Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) e União por Moradia Popular (UMP). Importante destacar o esforço das instituições organizadoras para garantir a representatividade regional, de gênero e raça entre os participantes da conferência.
A Conferência Popular foi construída a partir de mais de 230 eventos preparatórios, organizados local ou regionalmente pelas mais de 700 entidades que aderiram à proposta da conferência por meio da assinatura às diretrizes do movimento. As diretrizes contemplam a busca pela redemocratização do espaço urbano e a necessidade da reconstrução de uma pauta de debates públicos sobre as cidades que inclua a redução da desigualdade e o combate à segregação socioespacial.
Cada um dos eventos preparatórios apresentou um relatório com propostas que, posteriormente, foram sintetizadas em um documento com 128 propostas que foram debatidas e aperfeiçoadas durante a conferência.
A Conferência Popular pelo Direito à Cidade se iniciou com uma marcha pelas ruas do centro de São Paulo em defesa do direito à cidade e à moradia. Centenas de pessoas se concentraram no Largo do Paissandu e fizeram um trajeto passando por lugares com histórico marcante de violação a esses direitos, como o Edifício Wilton Paes de Almeida e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Foi um momento que deu o tom de todo o evento, com palavras de ordem sobre a importância da mobilização popular e da redemocratização das nossas cidades, além do reforço à necessidade—cada vez maior—de respeito e garantia do direito à moradia como porta de entrada para outros direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.
Além da marcha, foi realizado um evento de abertura, 16 oficinas temáticas e uma plenária de encerramento na qual foi aprovado o documento final com as propostas resultantes dos debates.
A cerimônia de abertura foi realizada no salão nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e contou com a presença de 600 pessoas. Entre palavras de ordem pela retomada da democracia e sobre a importância da moradia como direito e apresentações culturais, diversos movimentos sociais e instituições da sociedade civil foram chamados para se apresentar e falar sobre seus históricos e expectativas para a conferência. A abertura também contou com falas que destacaram a importância do momento atual para articulações relacionadas com a temática urbana, considerando a proximidade do processo eleitoral.
Foi um momento muito potente também de reencontro após os últimos anos de pandemia, em que ficou clara a disposição da sociedade para a luta pela reconstrução necessária em nosso país depois dos últimos anos de retrocessos e múltiplas crises.
No dia seguinte foram realizadas 16 oficinas temáticas, que trataram de aprofundar as propostas sintetizadas a partir dos eventos preparatórios. Os temas relacionados para esse momento da conferência foram:
- Educação, arte, cultura e patrimônio cultural;
- Democracia urbana, participação social e esfera pública;
- Planejamento urbano, direito urbanístico e ATHIS;
- Favelas, periferias e bairros populares na luta pelo direito à cidade;
- Propriedade e posse da terra, função social da terra e da cidade, espaço público urbano;
- Mulheres, população LGBTQIA+, sexismo e vivência nas cidade;
- Meio ambiente, saneamento, saúde e segurança alimentar;
- Transporte público, mobilidade e acessibilidade;
- Moradia;
- Desigualdades raciais na vivência do direito à cidade;
- Povos originários e populações tradicionais;
- Trabalho e renda, precarização e trabalhadores de rua;
- Recursos públicos e orçamento;
- Segurança pública;
- População em situação de rua;
- Jovens e pessoas idosas.
Por meio dos eixos em que se debateram propostas, é possível perceber a abrangência da conferência. O evento pretendeu adotar uma visão ampla dos desafios enfrentados pelas cidades brasileiras. Na oficina Propriedade e Posse da Terra, Função Social da Terra e da Cidade, Espaço Público Urbano, o Termo Territorial Coletivo* foi discutido e aprovado como uma das propostas a serem encaminhadas para o documento final da conferência como diretriz para as lutas e políticas urbanas.
Por fim, no último dia da Conferência, foi realizada a plenária final de aprovação das propostas. Foi mais um momento muito potente de reunião e confraternização. Houve a aprovação de um documento final, um manifesto com as propostas discutidas e aprovadas nas oficinas: a Carta por um Encontro Nacional pelo Direito à Cidade.
As propostas também estão disponíveis e servem como pauta de luta das entidades e movimentos signatários. A Carta e as propostas compõem um conjunto que incide politicamente e pode inclusive servir de referência para novos governos que serão formados a partir das eleições em outubro deste ano.
A Conferência Popular pelo Direito à Cidade, além dos mais de 200 eventos que a precederam, teve como mérito demonstrar as possibilidades de articulação e mobilização de grupos, entidades e movimentos de todo o país em torno da construção de uma pauta unificada para as lutas urbanas. Dado o cenário de empobrecimento da população, de remoções e despejos crescentes e de criminalização de movimentos de luta, trata-se de uma mobilização fundamental de reagrupamento de forças para os próximos anos de disputa popular no Brasil. E é possível dizer que o processo já começou, com muito afeto, potência e força!
Tarcyla Fidalgo é doutora em planejamento urbano e regional pelo IPPUR-UFRJ, mestra em direito da cidade pela UERJ, e coordenadora do Projeto Termo Territorial Coletivo (TTC).
*O Projeto Termo Territorial Coletivo e o RioOnWatch são iniciativas da organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras (ComCat).