VII Julho Negro Ocupa Casa Palafita e Cozinha Solidária da Frente Maré com Debate sobre Mulheres, Militarização e Política

O VII Julho Negro propôs o seminário “Mulheres na Luta contra o Cárcere e as Polícias” 30 de julho, na Casa Palafita, que fica localizada no Salsa e Merengue, Maré. Foto: Juliana Pinho

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O Julho Negro é uma articulação internacional de luta contra a militarização, o racismo e o apartheid que, em 2022, chegou à sua sétima edição. Fundado em 2016 através da articulação e organização dos movimentos de mães e familiares vítimas da violência do Estado, e grupos e coletivos de favelas de todo o Brasil, atua em contato direto com movimentos sociais de territórios de todo o mundo que sofrem com a militarização e suas consequências.

Logo VII Julho Negro, que aconteceu no dia 30 de julho, na Casa Palafita, espaço na favela do Salsa e Merengue, na Maré. DivulgaçãoDesta vez, em 2022, o evento aconteceu em uma versão mais curta, pois os movimentos sociais que constroem as atividades do Julho Negro todos os anos estão envolvidos em ações diretas em seus respectivos territórios, que se deve infelizmente também à ampliação da militarização e o apartheid.

Em sua 7ª edição, o Julho Negro propôs o debate a partir do seminário “Mulheres na Luta contra o Cárcere e as Polícias” e se desdobrou até mesmo para debates acerca do cenário político atual do Brasil, resgatando acontecimentos e memórias de outros períodos políticos, e posicionamentos sobre as eleições de outubro. O encontro aconteceu no sábado, 30 de julho, na Casa Palafita, que fica localizada no Salsa e Merengue, uma das 16 favelas da Maré

O seminário teve como palestrantes quatro mulheres militantes de causas ligadas à militarização e aos movimentos sociais: Gizele Martins, membro da Frente Maré; Giselle Florentino, integrante da Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial; Monique Cruz, da Justiça Global; e Patricia Oliveira, integrante da Rede Nacional de Mães e Familiares Vítimas do Terrorismo do Estado. Além das palestrantes, estavam presentes no seminário representantes de coletivos, organizações e moradores de favelas.

Em um breve relato sobre sua vida e os impactos da militarização desde sua infância, Gizele Martins compartilhou como isso foi fundamental para delinear também sua trajetória profissional:

“Escolhi de uma forma muito automática fazer jornalismo a partir do momento que eu não me via na mídia comercial. Eu não me enxergava, não enxergava a minha cultura, minha favela, o meu território. Tudo o que falavam sobre nós era de forma racista, estereotipada.”

Gizele reforçou também que a favela, local onde foi nascida e criada, é um espaço diverso, culturalmente fértil e ativo:

“A favela que eu conheço tem música, tem cultura, tem churrasco na rua, tem barulho, tem carro passando, moto. Tem ocupação, tem solidariedade. Tem educação comunitária, tem pré-vestibular, tem memória, tem comunicação comunitária. Tem vida, tem alegria… mas tem também o Estado que aterroriza.”

Palestrantes e público presente no VII Julho Negro, em 30 de julho de 2022, na Casa Palafita, no Salsa e Merengue, Maré. Foto: Juliana Pinho

Após as apresentações de todos presentes, Gizele contou sobre o espaço onde estavam. A Casa Palafita é uma ocupação dentro do que deveria ser um posto de saúde e que estava desativado. O local surgiu de um movimento que deu continuidade às ações da Frente de Mobilização da Maré, criada no início da pandemia com foco na comunicação comunitária, mas que ampliou suas ações para ajudar as famílias de toda a Maré com distribuição de alimentos, materiais de higiene, botijão de gás e outros para pessoas em maior situação de vulnerabilidade.

Em 2021, houve uma significativa diminuição de doações de cestas básicas e materiais de higiene. Dado também à flexibilização da pandemia, a Frente Maré optou por trabalhar de uma forma um pouco diferente. Surgiu, assim, a Cozinha da Frente, para distribuir marmitas para moradores da Maré. Vanusa Borba, coordenadora da Cozinha da Frente, explicou de onde vêm os insumos para produção das refeições distribuídas pelo coletivo:

“O material para produção das refeições são doações de outros coletivos ou de vaquinhas que fomos fazendo com doações de pessoas físicas e jurídicas. E deu pra manter até agora, no final de maio. Agora o projeto com a Fiocruz—principal doadora do projeto—acaba e estamos com a expectativa de como continuar.”

Cozinha da Frente Maré que passa por sérias dificuldades desde 2021 com a redução das doações com a flexibilização do isolamento social na pandemia. Foto: Juliana Pinho

Em seguida, Fransérgio Goulart da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial, falou sobre o histórico das outras edições do Julho Negro, contextualizando que o evento sempre pauta o racismo, o apartheid e a militarização para além das concepções tradicionais de cor de pele vistas no Brasil, apresentando perspectivas internacionais:

 “O Julho Negro pauta o racismo, o apartheid e a militarização e algumas pessoas do movimento negro brasileiro perguntavam quem eram aquelas pessoas de outros países falando. Porque no Brasil quando a gente está falando de racismo, a gente está falando da população negra e indígena. Ou seja, qual era a cor das outras pessoas dos outros países às vezes era entendido como errado. Mas acho importante essa descrição de racismo. Às vezes a gente vê um palestino com o tom de pele mais claro e já fala ‘não, eles sofrem racismo?’. E aí a gente vêm construindo nesse processo.” 

Patrícia Oliveira seguiu o colega, trazendo uma reflexão sobre a conjuntura atual do país a partir do olhar das eleições que acontecerão esse ano. “A gente está vendo mais ainda as nossas pautas serem levantadas por outras pessoas”, avaliou, apontando que esses agentes historicamente sempre estiveram em campos opostos aos movimentos de favela. Patrícia relembrou o passado de alguns candidatos e alertou que ninguém deve ser politicamente ingênuo, mas que uma escolha estratégica precisa ser feita na urna.

Ainda nessa temática das eleições nacionais, Giselle Florentino atentou para o debate em torno da popularização do discurso da extrema-direita, e que tem como plataforma de propaganda política as redes sociais:

“Ninguém quer sentar com a população para construir algo permanente. Não há interesse porque isso não dá like em rede social. Como se os likes pudessem definir as questões de voto… Ele [o povo] é atraído pelo discurso de fácil compreensão. A galera consegue se sentir contemplada pelo discurso da segurança, o discurso da proteção, o discurso do conservadorismo da família, do cidadão de bem. E essa narrativa chega muito próxima à nossa população.”

O seminário seguiu com a participação ativa e ampla dos presentes compartilhando suas perspectivas sobre como serão as eleições e seus desdobramentos e impactos a nível regional, dentro das favelas e territórios periféricos. É importante compreender que desde sempre são esses territórios que são marginalizados o todo tempo sofrendo interferências negativas por parte do Estado, que impactam a vida de todos os moradores. 

O VII Julho Negro foi essencial para estarmos atentos e alinhados. Ele alimenta e recria redes de apoio e de solidariedade e se mostra cada vez mais necessário. Como resumiu Gizele Martins: “o Julho Negro é uma oportunidade da gente discutir as nossas formas de transformar tudo isso o que a gente vivencia”.

Juliana Pinho é moradora da Nova Holanda, no Conjunto de Favelas da Maré, graduanda em Ciências Sociais (UFRJ) e Jornalismo (UCAM). Comunicadora popular e mobilizadora territorial, Juliana é co-fundadora da Frente de Mobilização da Maré, integrante da Agência Palafitas, e responsável pela gestão e planejamento do projeto Pra Elas. Atualmente, atua também na área de gestão de portfólio da Luta pela Paz.


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