A Degradação do Pantanal Carioca, Parte 3: Alagamentos e Enchentes Estão Mais Frequentes nas Comunidades das Lagoas de Jacarepaguá

Degradação pode causar aumento do nível do mar e inundações de regiões próximas ao complexo lagunar. Foto: Fernanda Calé

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Esta é a terceira matéria de uma série de quatro sobre “A Degradação do Pantanal Carioca”, como já foi conhecida a Baixada de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Através de uma parceria da Prefeitura do Rio de Janeiro com o Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (Centro Clima) e o Instituto Luiz Alberto Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisas de Engenharia da UFRJ (COPPE-UFRJ), foi lançado o em 2016 a Estratégia de Adaptação às Mudanças Climáticas da Cidade do Rio de Janeiro. O documento indica que os vetores de crescimento da Área de Planejamento 4 (AP4) estão ameaçando o Maciço da Pedra Branca e o Complexo Lagunar de Jacarepaguá, podendo expor pessoas, patrimônios e ecossistemas naturais a impactos. 

Na página 38, sob a categoria “Urbanização e Habitação,” o documento expõe que “A perda de florestas pode agravar inundações e altas temperaturas. A elevação do nível médio do mar pode ameaçar as regiões urbanizadas oceânicas da Região Administrativa (RA) Barra da Tijuca, além de possibilitar alagamento no entorno de todo o Complexo Lagunar”.

O documento prevê, ainda, impactos nas categorias de “Mobilidade Urbana”, “Saúde” e “Infraestruturas Estratégicas”. No que diz respeito à mobilidade, a elevação do nível médio do mar poderá ameaçar a integridade de ciclovias e calçadas, prejudicando o deslocamento por transportes ativos, por carro e ônibus. Isso poderá ocorrer principalmente nas Regiões Administrativas (RA) de Jacarepaguá e Cidade de Deus devido a inundações e escorregamentos de encostas e morros nos maciços da Pedra Branca e Tijuca, alguns com potencial de atingir importantes vias públicas.

Na categoria saúde, o estudo indica que a RA Jacarepaguá apresenta a maior vulnerabilidade a doenças, em especial leptospirose e leishmaniose visceral, enquanto a RA Cidade de Deus apresenta baixos indicadores socioeconômicos. Ambas RAs podem ter seus problemas agravados devido à possibilidade de ocorrência de eventos climáticos extremos. E na categoria infraestrutural, o estudo destaca o crescimento nos níveis de exposição a altas temperaturas e escorregamentos de terra em massa. 

Na página 40, o estudo indica como esse cenário se concretiza nas lagoas de Jacarepaguá:

“Sob cenários de chuvas mais intensas e frequentes, o fluxo de rios que drenam as baixadas, a partir dos maciços florestais, será intensificado, contribuindo para o maior aporte de sedimentos e poluentes às lagoas. Temperaturas elevadas por dias consecutivos, em associação a períodos secos, contribuem para a redução da qualidade ambiental das lagoas e de rios e canais das respectivas bacias hidrográficas drenantes. Ondas e ressacas, se muito fortes, são capazes de alterar, ainda que temporariamente, a hidrodinâmica das lagoas, favorecendo o revolvimento de sedimentos do fundo e o alagamento de áreas rebaixadas, no entorno. As marés meteorológicas originadas de ciclones extratropicais com força de furacão, com duração suficiente para que as águas entrem lentamente no Complexo Lagunar de Jacarepaguá, promoverão o alagamento de áreas de baixadas adjacentes e a elevação do lençol freático, que também poderá ter o conteúdo salino alterado. O aumento do espelho d´água acarretaria o bloqueio do escoamento de canais e rios, gerando alagamentos que podem ser potencializados pela combinação de chuvas fortes e preamar de sizígia.”

O Comitê de Bacia da Região Hidrográfica da Baía de Guanabara e dos sistemas lagunares de Maricá e Jacarepaguá (CBH-BG) possui diversos mapas disponíveis para download. O mapa “Movimento de Massa a Inundação” mostra que grande parte da AP4 está com alta suscetibilidade de movimento de massa e inundação, sendo uma das áreas do Rio de Janeiro mais ameaçadas pelas mudanças climáticas. Se, no futuro, isso vier a acontecer, lugares como Rio das Pedras, por exemplo, podem sumir do mapa.

Movimento de massa e inundação. Fonte: Comitê Baía de Guanabara

As enchentes e inundações são cada vez mais frequentes na favela de Rio das Pedras. Localizada entre as RAs da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá, Rio das Pedras surgiu na década de 1950 e teve seu processo de crescimento e ocupação acentuado por conta do movimento de migração ocorrido em toda a cidade do Rio de Janeiro nessa época. Rio das Pedras recebeu migrantes de diversas regiões do país, entretanto o maior contingente foi do Nordeste. Nesse processo de migração para o Rio de Janeiro encontravam no crescimento da Barra da Tijuca oportunidades de emprego. A área pantanosa, que também continha muitos areais, foi sendo aterrada pelos próprios moradores sem ajuda de governos do estado e do município. Segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2010, Rio das Pedras contava com 63.000 moradores, sendo uma das favelas mais populosas do Rio. 

O rio que dá origem ao nome da favela e corta a região está assoreado e, atualmente, passa por um processo de limpeza e dragagem. O trabalho ainda está em sua primeira etapa. Da região da avenida Engenheiro Souza Filho até os areais, o corpo hídrico ainda se encontra totalmente assoreado. A previsão de conclusão da limpeza é março do ano que vem. Enquanto a limpeza não termina, as enchentes e inundações estão cada vez mais frequentes e prejudicam o dia-a-dia de moradores e comerciantes locais.

O morador Douglas Teixeira, 27 anos, relata os problemas que as enchentes vêm causando aos moradores e comerciantes locais:

“Além do medo da chuva, agora temos de nos preocupar também com o movimento das marés, que influenciam a nossa vida, nossos horários e até a possibilidade de sairmos ou não de casa. Moro na região da Areinha há pelo menos seis anos, e esta situação vem ocorrendo com mais intensidade desde o ano passado. Normalmente, a ‘época’ das enchentes eram duas: durante fortes chuvas (no verão) e na altura das marés (fim de outono e começo do inverno). Hoje, as marés influenciam a nossa vida o ano inteiro, independente do clima.”

Doutorando em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro dos grupos de pesquisa Dinâmica e Gestão de Rios (Geomorphos/UFRJ) e Núcleo de Estudos e Pesquisa em Hidrogeografia (NEPH-UFF), Adão Castro explica os impactos da urbanização na bacia hidrográfica do Rio das Pedras e ressalta que o problema dos alagamentos na região é crônico e precisa ser resolvido com planejamento por parte do poder público:

“Antes da ocupação, essa área era uma continuidade da lagoa, onde existia uma vegetação predominantemente de taboas, que ocupam áreas pantanosas. A dinâmica de marés, de entrada e de saída de água pela Lagoa da Tijuca, sempre esteve nessa área. É necessário uma obra de urbanização, de drenagem, começando com a construção de um sistema de esgotamento sanitário para que o esgoto seja coletado e tratado antes de ser lançado na lagoa.” 

Lançado em março de 2022, o 6º Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) alerta que se nenhuma medida prática de diminuição drástica de emissão de gases causadores do efeito estufa for tomada em escala global, o aumento médio da temperatura no planeta pode chegar a 3,5ºC. Com isso, cidades como o Rio de Janeiro podem enfrentar um aumento de mortes por calor de 3% até 2050 e de 8% até 2090. Caso a emissão dos gases seja contida, a previsão é de que a mortalidade caia para 2%. Também é previsto um aumento de chuvas extremas e, por consequência, desastres como enchentes e deslizamentos de terra. 

O relatório também prevê que a produção de peixes pode cair 36% entre as décadas de 2050 e 2070, se comparado com o período de 2030 a 2050. À produção de crustáceos e moluscos, por sua vez, é reservado um prognóstico catastrófico, beirando a extinçãoa redução deverá chegar a 97% no mesmo período. 

“A mortandade de peixes tem uma decorrência principalmente no problema da eutrofização hídrica. É vontade política [que impede mudanças]. Isso aí é decisão de prefeito, é decisão de governador. É botar mais orçamento no INEA, é botar mais orçamento na Secretaria de Meio Ambiente para botar mais fiscais, colocar mais viaturas, melhorar os laboratórios, você está entendendo? Isso aí não é muito dinheiro. Muito mais caro é o preço que se paga quando há mortandade de peixes, quando há processo de degradação. Vale uma lagoa destruída, um manancial destruído, um vazamento desses na praia em termos de turismo? Então isso aí é o melhor investimento? Infelizmente, nossos políticos não estão vendo”, comentou Adacto Ottoni, Doutor em Saúde Pública e professor do Departamento de Engenharia Sanitária e do Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (DESMA/FEN/UERJ). 

Em nota, o INEA informou que instalou cinco ecobarreiras nos principais rios que deságuam na região, com o objetivo de impedir que o lixo chegue às praias, retirando, no primeiro semestre de 2022, 3.352 toneladas de resíduos para destinação ambiental adequada. O instituto também informou ter realizado nos últimos dois anos 54 vistorias em condomínios e estabelecimentos residenciais na região, adotando em casos de irregularidades as medidas cabíveis previstas em lei, como multas e notificações.

Pela Lei de Acesso à Informação, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAC) respondeu que a fiscalização é realizada a partir das denúncias recebidas por canais externos, iniciando com uma vistoria de inspeção ao local, entrevista na vizinhança e com possíveis responsáveis. Em seguida ocorre a eventual verificação, que tem como objetivo a comprovação de eventual dano ambiental, a identificação de seu responsável e a busca de reparação.

A SMAC informou que, atualmente no setor de fiscalização, há sete profissionais técnicos para a gerência que fiscaliza a AP4, quatro profissionais técnicos para a verificação imediata de denúncias e que, desde 2021, a secretaria possui uma Coordenadoria de Defesa Ambiental, que reforçou a fiscalização ambiental no município com centenas de ações de combate ao desmatamento e contra outros crimes ambientais. Por fim, a SMAC ressaltou que o Governo do Estado é responsável pela gestão das lagoas da Tijuca, de Marapendi e de Jacarepaguá  e que o Município faz a preservação do território da APA de Marapendi, incluindo a revitalização do Canal de Marapendi.

Esta é a terceira matéria de uma série de quatro sobre “A Degradação do Pantanal Carioca”, como já foi conhecida a Baixada de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Sobre os autores:

Felipe Migliani é formado em Jornalismo pela Unicarioca e tem especialização em Jornalismo Investigativo. Atua como jornalista independente e repórter freelancer nos jornais Meia Hora e Estadão. É coloborador do Coletivo Engenhos de Histórias, que investiga e resgata histórias e memórias da região do Grande Méier, e do PerifaConnection.

Fernanda Calé é formada em Jornalismo pela UniCarioca e se especializou em Comunicação Popular como uma maneira de falar com diversos públicos de maneira clara e simples. Há dois anos ajudou a fundar a Agência Lume, uma agência de comunicação que produz jornalismo independente na região de Jacarepaguá, principalmente em Rio das Pedras, lugar onde nasceu.


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