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Desde julho de 2022, a Prefeitura do Rio de Janeiro tem realizado etapas da segunda parte das obras destinadas à urbanização da Vila Autódromo, na Zona Oeste da cidade. Depois que cerca de 700 famílias foram desapropriadas durante os anos que antecederam os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro em 2016, a Prefeitura, sob o segundo mandato de Eduardo Paes, acordou com as 20 famílias que conseguiram resistir os vários processes e ondas de remoção até então, que seriam reassentadas dentro do terreno da Vila, em casas entregues até 29 de julho de 2016, o início dos Jogos. Prometeu-se também que obras dos espaços públicos de convivência começariam 60 dias após o término das Paralimpíadas, no dia 18 de setembro daquele ano.
Agora, seis anos depois da determinação ser oficializada, trabalhadores da Empresa Municipal de Urbanização deram início às obras de construção do centro cultural, da praça infantil e da quadra poliesportiva na comunidade Vila Autódromo. Essa entrega é mais um resultado da constante luta dos moradores que resistiram para permanecer no local e vêm lutando até os dias de hoje.
Luiz Cláudio Silva, um dos moradores que lutaram e permanecem na Vila Autódromo até os dias de hoje, explica como se deu o acordo em 13 de abril de 2016 para a realização das obras de reconstrução da comunidade, devastada pelo processo traumático de remoção forçada: “Quando foram entregues essas casas teve um contrato feito no coletivo e a Defensoria Pública acoplou neste contrato a obra das benfeitorias físicas porque são espaços físicos que foram destruídos por liminares de juízes. Nos foi tirado a associação que também era um espaço cultural, o parquinho e a quadra“.
Maria da Penha Macena destaca que os moradores que permaneceram decidiram não receber os recursos da indenização oferecidos pela Prefeitura para que a obra dos espaços de uso público pudessem ser feitas: “Quando derrubaram a nossa associação, teve um perito que mediu e deu uma indenização, só que os moradores não queriam. Os moradores que restaram na comunidade, essas 20 famílias, tomaram a decisão de que, ao invés de pegar essa indenização, a prefeitura faria a parte da obra que é a associação de moradores. Na época, era de cerca de R$650.000 e a gente não recebeu esse dinheiro. Está em juízo para poder fazer a segunda parte da obra, que é essa que está sendo concluída agora. O certo teria sido [entregar a obra] dois meses após as Paraolimpíadas [segundo] o contrato extrajudicial”.
“A Paralimpíada acabou no dia 22 de setembro de 2016. Pelo contrato assinado pela prefeitura, Defensoria e nós, moradores, era para eles terem iniciado essas obras há seis anos. Era uma obra para ter sido entregue em oito meses [ainda em 2017]. A atual obra, falaram que duraria cinco meses, mas agora já falam em oito”, detalha Luiz Cláudio.
Ele continua explicando que a Defensoria recorria, e a prefeitura também, até os dias de hoje quando a prefeitura está “fazendo agora porque não tem mais como recorrer. Coincidentemente ou não, com a volta do Eduardo Paes à prefeitura [em seu terceiro mandato, em 2021], a justiça bateu o martelo e ele tem que fazer”.
Luiz Cláudio completa: “Quando era prefeito antes, Paes não cumpriu. Entrou o Crivella que também não deu a mínima para a gente. A Defensoria cobrou a pedido dos moradores e eles nem nos atendiam. Não conseguimos nem uma reunião com o Crivella. Aí o Eduardo volta para a prefeitura, continua o cabo de guerra e não cumpre o prometido. Agora ele só está cumprindo por causa da ação judicial mesmo”.
De maneira similar, Luiz Cláudio manifesta como a construção desses espaços irá finalmente beneficiar a Vila Autódromo. Segundo ele, isso ocorrerá em dois sentidos, no acesso ao lazer e na manutenção da memória da comunidade: “A quadra era de 12x24m, poliesportiva; o parquinho eles chamam de centro comunitário no projeto deles, mas a gente, morador, chama de centro cultural. Ele vai funcionar como associação e centro cultural e vai fazer parte do Museu das Remoções. Enfim, nós vamos ter espaço para o nosso museu. Ontem mesmo a gente teve um grupo da PUC-Brasília e a gente não tem onde expor nosso acervo. E agora a gente vai ter esse espaço para servir à comunidade”.
Luis Felipe, 22, funcionário da Empresa Municipal de Urbanização (Rio-Urbe), convocado para as obras, compartilha o que ele pensa do trabalho que vem realizando: “Quero dizer que daqui para frente a obra vai ficar bonita, tudo nos conformes e só melhoria. Daí as crianças vêm brincar, vai ter uma quadra lá na frente, tudo de bom. As crianças precisam é de futebol, distrair a mente, ter uma coisa que não seja o celular. Hoje em dia é tudo celular, então, tendo a quadra, os balanços e brinquedos, elas vêm se distrair. E é isso, a obra está fluindo e daqui para frente é só melhoria. A gente pega 7h e larga 17h até o ano que vem”.
Maria da Penha destaca à inexistência de diálogo com a prefeitura e da participação de moradores nesse processo, um padrão dos governos nas comunidades do Rio de Janeiro: “Eles não vêm procurar a gente. Eu lembro que a gente abordou eles enquanto estavam medindo [espaços na comunidade], se eu não me engano em 2019, ainda no Crivella. Nós abordamos eles, um grupo de pessoas da Prefeitura, e eles disseram que a obra iria sair. Aí eles sumiram e nunca mais vieram, desapareceram e recorreram de novo. No início de junho, eles vieram com um grupo de pessoas observando os espaços e Luiz abordou eles. Os governantes mandam um grupo, mas eles chegam lá e não conversam com ninguém. Eles olham, vão embora e decidem o que eles vão fazer [sem nos ouvir], o que é errado. Deveria ser construído junto: moradores e governantes”.
Reflexo desse padrão vertical no processo decisório e das batalhas judiciais, Maria da Penha destaca a insatisfação da Prefeitura em encontrar os moradores junto da Defensoria Pública: “Nós pedimos uma reunião com a Defensoria, mas eles [da Prefeitura] não gostaram porque eles não tinham trazido o pessoal jurídico deles e a gente estava com a doutora [da Defensoria]. Eu entendo assim: se nós temos um defensor que nos defende desde o início da luta, tudo que acontece em relação a obra junto com a prefeitura os defensores têm que estar presente que é para poder dar atendimento, [nos] fortalecer e eles estarem cientes do que está acontecendo. E é legal também que agora a defensoria tem alguns técnicos que acompanham, para ver se a obra realmente está acontecendo”.
Luiz Cláudio conta que mesmo depois que a obra for finalizada, o acordo com a Prefeitura ainda não estará cumprido, já que ainda lhes falta o Habite-se das casas e a entrega da documentação individual de cada uma das 20 casas.
“Nós entramos nessas casas sem o Habite-se. Eles sempre dizem que estão prontos, só que nunca chegam nas nossas mãos. Isso é um documento individual. Esse título que a gente tem é coletivo. A gente vai ter que lutar mais”, conta Luiz Cláudio.
Maria da Penha resume: “Nós achamos que… o prefeito está fazendo… porque no fundo no fundo ele está sendo obrigado pela justiça a cumprir um acordo de seis anos atrás”.
Durante o processo de luta pelo direito à moradia e à permanência pré-Olímpico, os moradores da Vila Autódromo e dezenas de comunidades do Rio realizaram uma resistência baseada em pelo menos sete elementos-chave:
- União e comprometimento da comunidade em permanecer onde está
- Acesso à informação
- Defesa jurídica
- Liderança diversa e resoluta
- Amplas redes de apoio que variam desde comunidades homólogas a parceiros técnicos
- Respostas criativas como o Plano Popular e o Museu das Remoções
- Documentação e visibilidade contínuas
Registrar o início tardio das obras na Vila é parte da estratégia de luta da comunidade. Esta matéria, portanto, é a primeira parte de duas, já que a inauguração dos espaços comunitários da Vila Autódromo também será registrada. Os moradores da Vila Autódromo já perceberam: é necessário manter a memória dessa luta viva!