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A convite do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e com apoio da FAPERJ, no dia 11 de dezembro, museus integrantes do Grupo de Trabalho de Memória Climática da Rede Favela Sustentável (RFS)* participaram da roda de conversa “As Urbanizações Brasileiras do Passado”. Participaram da atividade: Antônio Carlos Vieira, do Museu da Maré; Bruno Almeida, do Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica de Santa Cruz (NOPH); Maria da Penha Macena, do Museu das Remoções, na Vila Autódromo; Rose Firmino, do Museu Sankofa da Rocinha; e Márcia Souza, do Museu de Favela (MUF), do Pavão-Pavãozinho/Cantagalo. Além da roda de conversa, foi realizada a exposição “Memória Climática das Favelas” nos pilotis do edifício Jorge Machado Moreira, na Ilha do Fundão, Zona Norte do Rio, que ficou aberta à visitação do público de 09h às 17h.
Exposição Memória Climática das Favelas Chega à Academia
A exposição Memória Climática das Favelas, organizada por museus integrantes da Rede Favela Sustentável (RFS), foi exibida na 28ª Semana IPPUR. A exposição é composta por um grande volume de memórias e histórias, narradas a partir do ponto de vista de moradores de cinco favelas do Rio de Janeiro, e exposta no formato de banners, pendurados em cordas por pregadores. A exposição contém um breve resumo das apresentações das rodas de memória climática das favelas, realizadas nos museus comunitários que participam da exposição: Museu da Maré do Complexo da Maré, Museu Sankofa da Rocinha, Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica de Santa Cruz (NOPH) de Antares, Museu de Favela (MUF) do Pavão-Pavãozinho e Cantagalo e o Núcleo de Memórias do Vidigal.
Além dos banners, a exposição conta também com uma linha do tempo, que foi apresentada em formato circular e narra cronologicamente os acontecimentos marcantes das histórias das favelas participantes, segundo moradores que estiveram presentes nas rodas de memória climática. Uma última estrutura fecha o circuito da exposição: a instalação “Poço das Memórias”, elaborada pela artista plástica Evânia de Paula, do Vidigal. O poço conta com aproximadamente 100 fotografias com legendas, o que proporciona um momento de compartilhamento de memórias e histórias dos territórios.
Assim que os visitantes chegavam no hall do edifício Jorge Machado Moreira, no IPPUR, era possível visualizar as instalações da exposição. As trocas entre estudantes, professores e representantes dos museus de favela já começavam ali. Durante a visitação, a mediação entre o que era visto e as narrativas dos representantes dos museus tornava a experiência ainda mais enriquecedora.
Museus de Favela Vão à Universidade Ensinar
Este ano, a Semana IPPUR abordou o tema: “O Ambiente em questão: inflexões e permanências nos conflitos socioambientais contemporâneos”. A sessão especial “Memória Climática das Favelas”, sob a mediação de Taísa Sanches (IPPUR/UFRJ), contou com a presença de cinco representantes dos museus de favela que integram a exposição Memória Climática das Favelas.
A roda de conversa teve como objetivo apresentar a Rede Favela Sustentável e os museus de favela que realizaram o levantamento e a exposição Memória Climática das Favelas.
Maria da Penha Macena, do Museu das Remoções da Vila Autódromo, explica o contexto no qual surge o museu, no período das grandes remoções olímpicas. Assim sendo, o museu nasce com duas propostas: manter a memória da comunidade, antes composta por 700 famílias, das quais restaram apenas 20; e ser uma ferramenta de luta contra as remoções. Ela contou como foi participar do processo das rodas de memória climática nas demais comunidades.
“Foi uma experiência incrível, porque as histórias são muito parecidas. Na verdade, são idênticas. A história do trabalhador brasileiro se repete, porque o que sobra para nós são as favelas. E, quando a gente constrói nesses espaços, o governo acha que tem o direito de nos remover.” — Maria da Penha
O Museu das Remoções não realizou uma roda de memória climática em seu território, no entanto, foi nele que aconteceu o lançamento da exposição “Memória Climática das Favelas” da Rede Favela Sustentável.
No evento, debateu-se: “o que é memória climática?”, com uma fala marcante por Bruno Almeida, do Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica (NOPH), de Antares, em Santa Cruz.
“Como que, ao longo de 30 anos, as favelas se relacionaram ou foram impactadas pelas mudanças climáticas? Foi recorrente essa questão, principalmente a dos alagamentos e da questão do calor… Como metodologia das rodas, nos museus, dentro das favelas, [a gente propôs] quatro perguntas [(1) O que são as mudanças climáticas? (2) Como se deu a ocupação e qual é a relação do território com o clima e natureza? (3) Como as questões climáticas e ambientais dialogam com o direito e acesso à moradia? E (4) Quais saberes a comunidade já desenvolveu para responder aos desafios impostos pela natureza e pelo clima?]. Em todas as rodas [de memória climática], essas perguntas eram respondidas e eram apontadas soluções que a comunidade criou… E a memória climática é isso, são coisas que a gente lembra que já vêm ocorrendo [ao longo do tempo].” — Bruno Almeida
Márcia Souza, do Museu de Favela (MUF), compartilhou sua percepção e a dos moradores do Pavão-Pavãozinho/Cantagalo sobre como a comunidade consegue (ou não) lidar com as mudanças climáticas.
“Lá no Cantagalo, o que a gente percebeu muito é que os jovens e os mais velhos têm esse sentimento de ‘como resolver?‘ [as questões relacionadas às mudanças climáticas]… E isso não foi diferente nas outras rodas.
Todas essas favelas e comunidades se entrelaçam. Eu encontrei pessoas lá na Maré que moraram no Cantagalo, eu encontrei pessoas lá em Antares, que vieram do Cantagalo, [removidos] por conta de chuva, [pois] lá escorregava muito… Cada vez que a gente contava as nossas histórias era muito emocionante… Nós somos iguais, mesmo em territórios diferentes. Nós sofremos as mesmas situações dentro dessa diversidade toda de localidades, de memórias e de histórias.” — Márcia Souza
Rose Firmino, do Museu Sankofa Memória História da Rocinha, destaca também a função pedagógica das rodas de memória para os moradores que participaram das atividades.
“Essa favela é meu lugar de morada, meu lugar de memória e é isso que a gente faz aqui quando a gente coloca essa exposição, quando a gente coloca uma roda e fala sobre a favela. A gente começa a ressignificar essa favela e aí começa a educar, não porque as pessoas não são educadas, mas para trazer conhecimentos que são simples, mas que fazem total diferença no lugar onde você mora.” — Rose Firmino
Antônio Carlos Vieira, do Museu da Maré, enfatizou que as reflexões feitas naquela sessão especial no IPPUR são muito importantes, pois partem dos moradores de favela. Segundo ele, isso é importante porque os favelados são apontados como grandes vilões das questões ambientais nos discursos rasos do senso comum. Eventos como esse comprovam o oposto: as favelas são incubadoras de soluções climáticas e podem, inclusive, ensinar às universidades.
“A gente sabe que todo processo de formação e constituição das cidades é um processo de exclusão. Então, essa mesa tem um papel fundamental, que é colocar as coisas no lugar. Morador de favela não é o causador de grandes problemas das cidades. Na verdade, eles são as grandes vítimas de todo um processo que o capitalismo impôs ao longo do século XX. E, agora que chegamos ao século XXI, não sabem muito bem o que fazer com os problemas que essas cidades excludentes, construídas de forma autoritária geraram… desigualdade em todos os sentidos… Transformaram um direito básico, o de moradia, em mercadoria… e ele ganha uma outra dimensão quando a gente está falando da questão do aquecimento global e das mudanças climáticas, que vão repercutir de forma muito mais grave para esses moradores, que tiveram seu direito de moradia precarizado.” — Antônio Carlos Vieira
Antônio realiza uma extensa retrospectiva dos inúmeros processos de remoção, com o suposto objetivo de urbanização e revitalização da cidade. Uma espécie de “política pública de exclusão e remoção” de diversas favelas cariocas. Suas populações foram majoritariamente removidas para a Zona Oeste, para conjuntos habitacionais sem estrutura ou mobilidade urbana, e tiveram laços afetivos com seus territórios, vizinhos e memórias quebrados.
“Estamos hoje aqui numa faculdade de arquitetura e urbanismo… essa faculdade poderia ter outro tipo de papel na construção da cidade, se houvessem políticas públicas de fato. Não adianta a gente fazer coisas mirabolantes: tem que fazer com os moradores… porque quem fica ali no dia a dia , quem vive ali, são os moradores… Então, não adianta vir um intelectual, com uma planta toda em 3D se isso não é tratado e construído com os moradores. É por isso que nossas políticas habitacionais foram todas um desastre. A gente está colhendo o que foi plantado.” — Antônio Carlos Vieira
Saber Ouvir o que a Favela Tem a Dizer
Diante da grande troca de experiências e saberes no IPPUR, fica evidente a importância de se preservar e compartilhar as histórias do processo de formação das favelas nas grandes cidades e da luta que elas vêm, há anos, travando com relação às questões climáticas. A presença em um contexto acadêmico dos representantes de museus de favela e da Rede Favela Sustentável, que se dedicam à produção de memórias, levou as vozes das favelas para educar a universidade. A experiência da exposição, visitada por inúmeros estudantes e professores, associada às falas durante a roda de conversa, reforça a potência que as favelas têm ao construir seu próprio conhecimento de forma orgânica, apresentando este conhecimento de dentro para fora.
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Sobre a autora e fotógrafa: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.
*A Rede Favela Sustentável (RFS) e o RioOnWatch são ambos facilitados pela organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras (ComCat).