No final de agosto, o prefeito Eduardo Paes se encontrou com moradores da comunidade Estradinha–uma área do Tabajaras, comunidade com vista para o Cemitério São João Batista em Botafogo. O prefeito prometeu a permanência depois de três anos e meio de resistência pela comunidade contra a remoção. Um documento apresentado ao prefeito na noite do anúncio conta a história da Estradinha e seus esforços de resistência, pedindo um decreto público que reconheça o direito à moradia da comunidade, a remoção rápida dos entulhos deixados para trás depois que 250 casas foram destruídas em 2010 e obras públicas tal como iluminação para assegurar a segurança e saneamento básico.
Embora as visitas do prefeito à Estradinha e também à Vila Autódromo confirmem o reconhecimento dado aos esforços de resistência pelas autoridades da prefeitura, também geraram a necessidade de uma vigilância contínua por parte da comunidade já que os discursos do governo vêm também mudando. Muitos continuaram lutando até que obras públicas sejam instaladas e as tentativas de remoção sejam completamente paradas.
Fundada em 1952 por funcionários do cemitério, a Estradinha recebeu ao longo dos anos várias políticas governamentais direcionadas às favelas. Em 1987, depois que as condições para a construção no morro foram verificadas viáveis, o prefeito Saturnino Braga permitiu a instalação de mais 42 famílias na Estradinha, oferecendo kits de construção para quem não tinha recursos para construir sua casa. “A partir desse momento”, os líderes comunitários escreveram na sua declaração para o prefeito, “o governo municipal nos ajudou a construir as nossas casas, construiu muros de contenção e desenvolveu projetos de urbanização, tornando possível para nós crescer e permanecer vivendo aqui com dificuldades, mas seguros, até o ano de 2010″.
As chuvas pesadas que trouxeram tragédias para muitos dos que vivem nas ladeiras do Rio de Janeiro em abril de 2010 não afetaram a Estradinha em grande medida. Ainda assim, o governo municipal tomou ações para remover a comunidade por inteiro, alegando que esta se encontrava numa área de risco, usando o perigo presente em outras áreas para convencer moradores a sair de suas casas.
“Moradores entravam em pânico. Com desespero e com medo de perder suas vidas, venderam suas casas”, diz Fátima Amorim, líder comunitário e vice-presidente da Associação de Moradores, e que também participa do movimento Favela Não Se Cala.
De acordo com Maurício Campos, engenheiro e membro da equipe independente que vem dando suporte técnico para a Estradinha desde 2010, o governo municipal atingiu e destruiu muitas casas se aproximando e fazendo ofertas à indivíduos em um processo completamente irregular. No seu relatório sobre a situação, ele escreve: “Não obstante, a prefeitura já vem realizando aquisições diretas de residências na comunidade, muitas vezes a custo elevado, e realizando a demolição de residências que não apresentam risco devido às condições das encostas. Tais demolições, desnecessárias, vem por outro lado ameaçando abalar as estruturas das casas vizinhas (o entulho não tem sido retirado e muitas vezes permanece sobre lajes) elevando o acúmulo de escombros e lixo”.
Em 2010, o governo municipal demoliu 250 das 350 casas na comunidade, deixando, desde então, 100 famílias que vêm resistindo a remoção, já que não há um motivo técnico ou legal para a remoção. Entulho das casas removidas foi deixado na comunidade, causando muitos problemas, principalmente de saúde pública e segurança. “Durante muito tempo, ficamos em meio aos entulhos”, disse Fátima Amorim, “com cobras, lacraias, ratos, caramujos africanos. Eu vi o sofrimento dos moradores em minha comunidade e não posso dizer para você que esteja aliviada”.
Foi depois de ver o desespero e o sofrimento dos demais moradores durante uma reunião da comunidade após as remoções terem começado, que Fátima Amorim, conhecida por muitos como Irmã Fátima, começou a organizar o esforço de resistência comunitária. Ela pegou no microfone durante uma reunião e chamou os moradores para agir, convencendo-os que tanto ações individuais como aquelas reunidas podem ter amplas consequências. A história que ela contou naquela noite sobre um beija-flor trabalhando para apagar um incêndio se tornou um símbolo de resistência na comunidade. Irmã Fátima também conduziu reuniões individuais e em grupo, objetivando mostrar “que um só, uma pessoa só, pode não vencer uma guerra, mas faz a diferença, e somando forças, com certeza a gente cria um grande exército”.
Moradores da Estradinha vêm utilizando diversas táticas para sustentar seus esforços de resistência, formando uma aliança com advogados, arquitetos, engenheiros e estudantes, e trabalhando com a Defensoria Pública do Rio para parar as remoções e alcançar uma decisão judicial que obriga a prefeitura a pagar uma multa de R$50.000 por dia pelos entulhos que permaneçam na Estradinha. O processo de retirada dos detritos só começou este mês, três anos e meio depois da decisão judicial, e até agora as autoridades municipais não pagaram nenhuma das multas.
Desde o começo em 2010, a equipe técnica que vem apoiando os esforços de resistência no Rio publicou um número de relatórios independentes sobre as condições na Estradinha e outras favelas ameaçadas, refutando argumentos de que a Estradinha se encontra numa área de alto risco e equipando os moradores com evidências e consciência sobre os seus direitos para que se preparam para as negociações com o governo municipal.
“A prefeitura usa um discurso técnico para legitimar o que eles já fazem”, diz Marcos Azevedo, membro da equipe técnica. Maurício Campos, também membro, acrescenta que a equipe técnica “tentou responder ao discurso alarmista da prefeitura na época, que pressionava moradores para negociar e vender suas casas. Nós ajudamos a apoiar a comunidade para que pudessem seguir na resistência”.
Junto com líderes comunitários, a equipe técnica desenhou um projeto de melhoramento para Estradinha que coloca espaços vazios em bom uso. Enfatiza assim a construção de um campo de futebol, uma vez que a sede da UPP foi instalada no único espaço que as crianças tinham para brincar. Embora melhoramentos do programa Morar Carioca tenham sido prometidos para a favela de Tabajaras, Estradinha foi deixada fora dos planos.
Em janeiro de 2013, o prefeito tentou abrir negociações com Estradinha para remover todos para um conjunto residencial em Triagem, na Zona Norte do Rio. Irmã Fática explica: “Ninguém aceitou a negociação e continuamos resistindo. Fomos para as ruas, levamos nossa bandeira, gritamos, reivindicando nossos direitos”.
Considerando a possibilidade de que os recentes encontros podem ser somente uma tática para que o prefeito ganhe acesso à suas valiosas terras, Irmã Fátima, que também é artista e teve seu trabalho exibido na exposição Design da Favela ano passado, fala sobre as últimas negociações como uma vitória parcial: “Vamos esperar para ver sua posição, para ver se vai cumprir suas promessas, e se não fizer, vamos voltar para as ruas”.
Desde o anúncio do prefeito em agosto, a comissão dos moradores, a equipe técnica e funcionários da prefeitura se encontraram para discutir os termos da promessa de permanência. Na segunda-feira, 30 de setembro, engenheiros da Geo-Rio apresentaram os resultados de um recente estudo de viabilidade na Estradinha. Eles concordaram em construir muros de retenção para proteger as partes da comunidade que eles antes pretendiam remover, mas insistiram que outra área aparenta riscos insuperáveis e que teriam que remover 10 casas nessa área.
Irmã Fátima interpretou isso como uma tentativa ostensiva da prefeitura de diminuir a comunidade, mas está confiante que a equipe técnica vai provar que as autoridades municipais não têm base para executar essas remoções.
Dadas as incertezas em torno dos termos da promessa do prefeito, aqueles que lutam pela Estradinha continuam cautelosos. Irmã Fátima diz: “A gente vai aguardar como irão se posicionar as autoridades se irão cumprir com sua palavra para a gente poder realmente dizer que a gente tem uma vitória. Eu considero uma vitoria parcial, mas já é alguma coisa para quem não tinha nada”. Por isso ela continua lutando e explica, “enquanto tiver uma casa em risco, toda comunidade permanece em risco”.