O *Genial* Museu da Imagem Itinerante da Maré (MIIM) É o Mais Novo dos Incríveis Museus da Favela da Maré

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Maré, que é um conjunto formado por 16 favelas contando com 140.000 moradores na Zona Norte do Rio, possui hoje três incríveis museus. O mais antigo, o Museu da Maré, é um projeto do CEASM e é um museu de caráter tradicional no sentido de ser físico e permanente. Ele foi inaugurado em 13 de maio de 2006. O segundo, o Maré a Céu Aberto é um museu de percurso e experiencial atualmente em fase de instalação pela Redes de Desenvolvimento da Maré. Finalmente, temos o Museu da Imagem Itinerante da Maré, o MIIM, lançado neste 18 de agosto.

Este mais novo museu, o MIIM, foi lançado em um post no Facebook pelo seu criador, o morador Francisco Valdean. “Post do lançamento virtual do MIIM – Museu da Imagem Itinerante da Maré”, escreveu Valdean no post. “O MIIM é um museu diferente, não tem endereço, é um museu ambulante. Pra ser mais específico funciona em uma caixinha de papelão do tamanho de uma caixa de sapatos”. 

O lançamento tão despretensioso em um post do Facebook e a informação de que a sede do museu é uma caixa de papelão causam surpresa. Em entrevista, Valdean ri das reações dos visitantes: “Há duas reações em relação ao museu. Uma é: ‘Gente, mas isso é um museu?!’, e a outra é, ‘Nossa, isso é um museu!’ Há quem duvide que o MIIM seja um museu e há quem fique super impressionado de que, sim, é um museu!

Valdean exerce vários papéis no MIIM: é seu criador, diretor, curador e guia. Num gesto ligeiro ele tira a caixa de papelão da sacola, destampa a caixa e abre o museu para o visitante. Lá dentro, três compartimentos separam três exposições permanentes: Imagens Monoculares, Imagens em Negativo e Álbuns da Vida Privada da Maré. Antes de iniciar a visita, o visitante assina o livro de presença, uma caderneta que também é guardada na caixa. Para a curadoria final, ele pretende relacionar três temas: cultura, vida cotidiana e política das imagens na Maré, abrangendo o período de formação da favela, de 1940 até os dias atuais. O acervo de imagens não está completo, ele pretende chegar a 100 imagens só na exposição dos monoculares. Ele conta que a exposição Álbuns da Vida Privada na Maré será desdobrada em duas: a primeira em fotografias 10×15 e a outra em texto onde ele descreve imagens que não fotografou, convidando o visitante a criar sua própria imagem.

Embora o museu esteja em fase de aquisição de acervo para as exposições permanentes, já tem artista interessado em realizar exposições temporárias no MIIM também. Valdean conta que está preparando uma programação para isso.

Durante a visita que pode ser realizada numa mesa de bar, durante um churrasco, no pátio ou sala de aula de uma escola, por exemplo, o visitante vai conversando com o guia-curador-diretor-criador do MIIM. No acervo, fotos antigas e recentes da Maré. Em cada monóculo, uma surpresa. Uma delas é um grupo de alunos na Escola Municipal Bahia, na passarela 7, onde Valdean terminou o ensino médio e onde hoje ele é professor de sociologia. Outro monóculo traz a imagem de Marielle Franco segurando um cartaz da campanha “Liberte Nosso Sagrado”. Valdean conta que fez a fotografia três meses antes do assassinato da vereadora. Em mais outro, vemos um grupo de mulheres reunidas na Associação de Moradores da Nova Holanda, anos 1970 provavelmente. Valdean conta que elas formaram a conhecida “Chapa Rosa” da Nova Holanda à frente da associação. As imagens remetem o visitante às ruas, praças, eventos e moradores da Maré e também a vida pessoal de Valdean, amigos de escola, sua esposa, o bar do seu sogro na Vila do João.

Ao final da visita, Valdean reúne novamente o acervo de imagens na caixa de papelão e fecha-a. A conversa continua, com o visitante impactado pela simplicidade e ironia do MIIM, cuja sigla nos remete ao pronome pessoal oblíquo “mim” e nos lembra ainda que cada morador é um museu, um acervo de memórias da Maré e da cidade do Rio de Janeiro. 

O museu, como é hoje, é um lugar que precisa ser repensado, fazer autocrítica, rever suas questões. Não pode ser um espaço parado esperando o público, como de modo geral é”, afirma Valdean, “Em vez de ficar esperando visitante, ele pode se dirigir aos moradores, ir na escola, na Clínica da Família. O MIIM vai até as pessoas mas, nesse trânsito, o MIIM pode incentivar as pessoas a irem ao museu tradicional também.

Embora carregue no nome a palavra “itinerante”, Valdean fala sempre do museu usando a palavra “ambulante” e conta que exerceu muitas profissões desde que migrou do interior do Ceará para o Rio de Janeiro, quando tinha apenas 15 anos, e uma delas foi a de vendedor ambulante durante três anos.

Quando cheguei na Baixa do Sapateiro a primeira coisa que recebi foi um apelido: ‘Para’, como se eu fosse da Paraíba. Eu falava: ‘Eu não sou da Paraíba, eu sou cearense’. Era um senso comum de que todo nordestino era da Paraíba”, lembra Valdean. “Depois vim descobrir que era uma definição meio coletiva. Eu conheci uma dezena de outros ‘Paras’. Tinha gente da Paraíba, do Ceará, outros lugares. Era uma forma do morador local te dizer que você não é do lugar.

Mas Valdean lembra que a condição de migrante também era negociada. E, no seu caso, foi a fotografia que lhe abriu portas na Maré: “O migrante não consegue transitar fácil, mas eu tinha câmera fotográfica. Era difícil ter câmera naquela época e o meu grupo de amigos me convidada pra tirar fotos”.

Em Cachoeira Grande, povoado de apenas 500 habitantes, Valdean tinha concluído a 3ª série do ensino fundamental. E esse era o máximo de estudo que um morador do seu povoado tinha acesso naquela época. No Rio de Janeiro, ele tinha uma tia que vivia na Nova Holanda e sua mãe que morava na Baixa do Sapateiro—duas favelas da Maré. Valdean foi morar com a mãe. Hoje reside com a esposa Viviane e a filha Luiza no Morro do Timbau. Já são 22 anos de Maré. Nessa travessia o migrante traz muitos sonhos, né? O meu era poder estudar um pouco mais, terminar o ensino médio”, revela Valdean.

Sempre trabalhando, Valdean concluiu o ensino fundamental com um curso supletivo e, em 2003, iniciou o ensino médio na Escola Bahia. No ano seguinte, iniciou o curso profissional de fotografia na Escola de Fotógrafos Populares do Observatório de Favelas. O entusiasmo com a conclusão do ensino médio, o curso de fotografia e o avanço das políticas sociais naquela época, o levaram a graduação em Ciências Sociais na UERJ. Na UERJ, Valdean também cursou o mestrado em Antropologia Visual e hoje cursa o 2º semestre do doutorado em Artes. Como trabalho de conclusão de curso, Valdean tem trabalhado sempre com as imagens das favelas da Maré.

A ideia de criação do MIIM é resultado de sua experiência como fotógrafo da Maré, sua formação acadêmica e artística. Valdean lembra que em 2018, durante uma residência artística na UFMG conheceu o Museu Fiotim do artista Jorge Fonseca. Era um museu que funcionava na carroceria do carro de Jorge e fazia uma brincadeira com o Museu do Inhotim. Outro episódio importante para o nascimento do MIIM foi a desmontagem da exposição “Interiores da Maré” do brasileiro Henrique Gomes e do italiano Antonello Veneri, realizada no Galpão Bela Maré em 2015. A exposição consistia em fotos de moradores dentro de suas casas. Parte dos painéis de fotos ficaram expostas na rua e outras dentro do Galpão. Valdean acompanhou Henrique no processo de desmontagem e entrega dos painéis para os moradores. Ele lembra que numa das casas, um casal de moradores achou que sua foto tinha sido deixada na rua. Henrique se defendeu, lembrando que estava no projeto: uma foto na galeria e outra na rua, tinha sido o combinado. 

Quando a foto foi colocada na rua teve uma mobilização da vizinhança, todo mundo foi procurar o casal na casa deles com uma preocupação: saber se tinha acontecido algo com o casal. Ai pensei: ‘É isso que tô buscando’”, lembra Valdean. “No imaginário dos moradores, o fato da foto do casal estar exposta na rua só podia significar violência. Mas a foto não tem qualquer relação com a violência, nem a proposta da exposição. Mas no imaginário dos vizinhos o fato dela tá exposta não poderia significar outra coisa senão violência. É aí que minha pesquisa ganha outros rumos. Aí passo a pensar a ideia de como a cidade imagina a Maré e como a Maré se imagina. A Maré também é impactada pela imagem produzida pelos meios de comunicação. Falando desse campo simbólico da imagem, pensando essa questão, eu quis criar um dispositivo onde pudesse também entender como a Maré se imagina. Aí, esse semestre tive a ideia de criar esse museu.

Na dissertação de mestrado “Imagens da Maré: narrativas fotográficas de um território favelado”, Valdean identificou três imagens monumentais produzidas pelos grandes meios de comunicação sobre as favelas da Maré: Imagem da Violência, Imagem das Remoções e Imagens das Palafitas. 

Na minha leitura, o fotojornalismo documenta a Maré dentro de uma chave muito especifica. Ele persegue as ações do Estado: as remoções são uma ação do Estado, então, gera o interesse da reportagem. Grande fluxo de cobertura das Palafita é em 1979, quando começa o Projeto Rio na Maré, ou seja, é também uma ação de Estado que é merecedora de ser coberta pelos meios de comunicação. E na violência, a fotografia registra os agentes do Estado. O interesse nunca é para cobrir o ponto de vista dos moradores. Algo diferente do que fazemos no Imagens do Povo”, afirma Valdean que hoje coordena junto com o fotógrafo mareense Bira Carvalho, o banco de Imagens do Imagens do Povo

Ao ingressar no doutorado em Artes, ele se propôs a pesquisar também as imagens produzidas por moradores que não são formados em fotografia. Segundo Valdean, isso “descambou na ideia do museu”.

Se num primeiro olhar, o museu que ocupa uma simples caixa de papelão causa surpresa e parece uma brincadeira, a visitação vai revelando que ele é resultado de um conjunto bastante complexo e criativo que propõe reflexões não só sobre as imagens produzidas sobre e na favela, mas também seus equipamentos e dispositivos de preservação e circulação.

Professor de sociologia em duas escolas públicas da Maré, Valdean continua a conversa lembrando a reação de muitos de seus alunos que nunca tinham ido a um museu e visitaram o MIIM, além de amigos, vizinhos e frequentadores do bar do seu sogro na Vila do João. Depois do post do dia 18, o mais novo museu da Maré já tem visitas agendadas e quem quiser pode entrar em contato com o guia-curador-diretor-criador do MIIM através da página do museu no Facebook, aqui.

Miriane Peregrino é pesquisadora, jornalista e educadora, especialista e mestre em Literatura pela UERJ. Criou o projeto de incentivo à leitura “Literatura Comunica!” que atua em escolas, bibliotecas comunitárias e equipamentos culturais há seis anos. Nascida no interior do Rio, atua na Maré desde 2013.