O jovem Mário Lucas, 18 anos, morador do Morro da Fazendinha, no Complexo do Alemão, foi cruelmente assassinado por dois PMs à paisana dentro de sua própria casa na manhã do dia 26 de novembro de 2012. Dois dias depois, veio o toque de recolher na favela do Borel. Estes dois episódios foram o estopim para que o jovem empresário e estudante de publicidade Luciano Garcia, morador do Complexo do Alemão, se reunisse a um grupo de amigos do Borel e, juntos, promovessem um evento de repúdio à violência policial das UPPs. Com livre inspiração nas mobilizações internacionais surgidas após o Occupy Wall Street, o Ocupa Alemão e o Ocupa Borel tornaram-se as primeiras iniciativas do gênero organizadas por jovens de favelas cariocas.
PMs passavam em carros descaracterizados dizendo que o Complexo agora era da polícia. “Como pode? Era dos bandidos, agora é da policia, quando nós seremos os donos? A favela é e sempre foi do morador”, desabafa Luciano, ao lembrar-se do trauma que sua filha de quatro anos passou ao presenciar a abordagem de policiais que revistaram sua cunhada de forma brutal e humilhante.
Realizado simultaneamente no Borel e na favela Nova Brasília no dia 5 de dezembro, com início às 21h em clara resposta ao toque de recolher, o ato atraiu a curiosidade dos moradores, principalmente dos jovens. O sucesso do evento, com atividades de conscientização política, microfone aberto e a entrega de uma carta aberta ao comando da UPP, gerou mobilizações em outras comunidades e deu origem ao coletivo Ocupa Alemão, que, sem qualquer apoio institucional ou governamental, une jovens do Complexo do Alemão e parceiros de outras favelas com o intuito de promover a ocupação política, cultural e afetiva dos espaços públicos.
“O Ocupa Alemão é composto por jovens que acreditam num novo mundo possível, em que a favela é reconhecida como parte da cidade, podendo propor soluções para as demandas da mesma. A nossa luta é pelo direito à cidade, pela democracia dos acessos”, explica a jornalista e midia-livrista Thamyra Thâmara de Araújo, moradora do Complexo do Alemão, que define seu envolvimento com o grupo: “É uma relação de amizade e afinidade como princípio básico. A maior afinidade que temos é a vontade de mudar o mundo”.Hoje, o coletivo vem se articulando para realizar uma série de intervenções que fortalecem os laços dos moradores com a rua. Após a chegada das UPPs e mais recentemente, dos projetos de mobilidade urbana da cidade, os becos, praças e vielas, lugares intrinsecamente ligados à cultura das favelas, vêm se tornando, cada vez mais, espaços de proibição, repressão e arbitrariedade, como afirma a socióloga e pesquisadora Patrícia Lânes: “Acredito que essa estratégia de ocupação do espaço público na favela pode ser fundamental para recolocar a discussão sobre até que ponto praças, ruas, equipamentos esportivos, culturais, são de fato públicos. O termo ocupar parece colocar em pauta a reivindicação de uso por quem é de direito. Espaços que deveriam ser públicos estão tendo seu uso restringido, seja por questões de segurança, seja por tentativas de privatização”.
Entre as iniciativas do Ocupa Alemão que tentam resgatar o caráter público dos territórios da favela, está à criação das chamadas bibliotecas livres, espaços de troca de saberes administrados pelos próprios moradores, incorporando a arquitetura e a geografia da comunidade. A primeira biblioteca livre foi inaugurada em maio, no Morro dos Mineiros, região menos urbanizada do Complexo do Alemão.
Outra ação é o Rolé Afetivo, que propõe um percurso pelas ruas do Complexo do Alemão, terminando sempre com um bate-papo sobre temas-chave da luta por direitos e cidadania na favela. O coletivo idealiza ainda projetos como o Cine Muro e a Grafitada Política, que unem arte, cultura e engajamento político. Estão previstos também a formação de uma rede colaborativa de comunicadores populares e oficinas de mídia audiovisual para jovens.A atuação do Ocupa Alemão também se dá nas redes sociais, onde reproduz as discussões centrais do grupo e reforça a articulação junto a outros coletivos. Segundo Patrícia Lânes, co-autora da pesquisa Jovens Pobres e o Uso das NTICs na Criação de Novas Esferas Públicas Democráticas, o emprego das mídias digitais altera a maneira de fazer política e ação social: “Muitas pessoas que entrevistamos na pesquisa contaram que usam a Internet e as redes sociais para comunicar para fora e não tanto para dentro das favelas. Isso ainda é uma questão relevante e que tem que ser pensada. Mas para os jovens que pesquisamos não existe contradição, mas continuidade entre online e offline. Ou seja, tem que estar na rede, mas também tem que ter ação no território para significar alguma coisa”.