
Esta é a segunda de duas reportagens complementares à cobertura oficial do 2º Festival Favela Sustentável. Clique aqui para ler a primeira.
Na contagem regressiva para a COP30, em Belém do Pará, crias e aliados da região metropolitana do Rio de Janeiro reuniram-se no 2º Festival Favela Sustentável, organizado pela Rede Favela Sustentável (RFS)* e realizado no Centro do Rio, para compartilhar reflexões, caminhos e soluções à emergência climática global. Com os biomas do planeta se aproximando de pontos de não-retorno, as mudanças climáticas atingirão, de forma cada vez mais intensa, as favelas e periferias do mundo.
Educação Socioambiental na Cidade de Deus
Pensando nisso, o projeto Alfazendo/EcoRede, da Cidade de Deus, realizou uma roda de conversa sobre os “Impactos das Mudanças Climáticas nas Favelas e Periferias” e expôs um material interativo sobre as “Estações do Ano e Impactos das Mudanças Climáticas”.
O debate, que reuniu membros do projeto e visitantes do festival, problematizou os discursos dos poderosos sobre a emergência climática, bem como a culpabilização dos grupos mais afetados pelas consequências dessa crise. A discussão também explorou a responsabilidade das grandes empresas pelos efeitos das mudanças climáticas.
Iara Oliveira, ativista e coordenadora do projeto, fala sobre a importância da oralidade como ferramenta de mitigação dos efeitos da crise. A educação pela oralidade, diz ela, ajuda a construir uma geração de crianças que se veem como sujeitos de direito e que melhor compreendem a crise climática.
“A questão ambiental sempre está ligada ao ser humano se esquecer de que é natureza. Pensar em ambiente não é apenas pensar em horta ou em separar resíduos, por exemplo. É se questionar, sobretudo, sobre quem produz aquele resíduo. Os grandes poluidores do mundo são os países que mais têm dinheiro, e quando falam de justiça climática, querem nos culpar… Não há sustentabilidade no capitalismo.” — Iara Oliveira
A exposição interativa sobre os impactos das mudanças climáticas nas estações do ano foi apresentada com os materiais pedagógicos utilizados nas ações do projeto, que hoje atua em 27 escolas de favelas e periferias. Por meio de um tapete interativo, membros do projeto apresentaram as alterações naturais de cada ecossistema ao longo de cada estação do ano. A partir disso, os agentes do projeto explicaram como as mudanças climáticas afetam os processos naturais da vida de espécies frutíferas e animais em seus respectivos ecossistemas, destacando, em particular, como essas transformações impactam a saúde e a vida nas favelas.
Segundo Ana Vitória de Araújo, coordenadora do setor biológico da EcoRede e moradora da Cidade de Deus, a dinâmica partiu de exemplos pragmáticos da vida nas favelas: abordou o clima ao demonstrar como o calor excessivo traz consequências aos plantios e como isto afeta a vida dos moradores, gerando, por exemplo, insegurança alimentar. Tratou também dos efeitos das chuvas e enchentes, que comprometem a saúde respiratória de crianças.
A cada ano, o Alfazendo explora os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)—os 17 objetivos globais estabelecidas pelas Nações Unidas (ONU), a serem alcançadas até 2030. Em 2025, o projeto dedica-se à meta “Ação Contra a Mudança Global do Clima”, relacionando este tema à forma como as favelas são afetadas pelas mudanças climáticas—como em relação às questões de saneamento e infraestrutura.

Compostagem Integral na Mangueira
Movida pelo desejo de mudança coletiva, Fabiana dos Anjos, do Girassol Insumos e Serviços e moradora da Mangueira, facilitou uma oficina com o tema “Compostar é Devolver à Natureza o Que é Dela: Solo Forte, Futuro Fértil”. Fabiana atua pela sustentabilidade nas favelas por meio de oficinas e da venda de produtos derivados da compostagem.

Durante a oficina, Fabiana construiu, com três baldes, uma composteira ao lado dos participantes e demonstrou a formação do húmus e do biofertilizante orgânico—prática que gera nutrição ao solo, evita o descarte de lixo desigual e ajuda na redução das emissões de gases de efeito estufa.
Fabiana começou implementando composteiras em escolas e esse se tornou seu foco principal quando notou que, onde vive, o descarte orgânico ainda é tratado de forma equivocada: os insumos naturais das casas são descartados como lixo. Estes insumos, quando bem destinados, são capazes de nutrir o solo e gerar mais terra. Hoje, o projeto atua por meio de parcerias com familiares e amigos na Mangueira, onde são instaladas composteiras em casas da comunidade. Além disso, o biofertilizante produzido pela composteira é coletado e comercializado pelo projeto, e o húmus é utilizado pelos parceiros. Segundo Fabiana, essa troca beneficia, por exemplo, mães atípicas da Mangueira e casas de repouso para idosos.
Além de levar conhecimento ecológico e promover a saúde humana e a vegetal, a iniciativa dedica-se a ações de horta-terapia com o Lar Divina Idade, em Magé, em que idosos moradores desta casa de repouso trocam saberes empíricos com crianças. Nas escolas, estudantes colaboram com um canteiro de horta com auxílio dos saberes ancestrais.
“Com o perfil na agricultura familiar ecológica, agregamos não só o conhecimento coletivo sobre sustentabilidade, mas promovemos bem-estar às plantas e aos seres humanos… Hoje, o meu objetivo é que a gente consiga fazer na comunidade da Mangueira a implementação da composteira domiciliar em todos os lares. Busco trazer mais afetividade, conhecimento, troca de saberes e resplandecer todo o nosso convívio coletivo que, ao longo do tempo, vamos perdendo.” — Fabiana dos Anjos
Memória para Mitigação Climática no Cerro Corá
O projeto Cerro Corá Moradores em Movimento expôs a mostra “Fragmentos de Memória”, que, por meio de fotografias que registram o passado do espaço ambiental na favela do Cerro Corá, e suas mudanças no presente, afirma suas memórias como meio de mitigação dos impactos da emergência climática e restaura o sentimento de pertencimento entre os moradores. As imagens de arquivo mostram as moradias no início da ocupação do morro, bem como festas e bailes organizados pela comunidade, situada abaixo do Cristo Redentor, entre Cosme Velho e Santa Teresa.

Ricardo Rodrigues, artista e idealizador, apresentou suas pinturas que representam a vida na favela e acredita que a preservação da memória está ligada ao meio ambiente.
“Pinto minhas lembranças de infância. Tenho na mente imagens bem parecidas com minhas pinturas, são momentos. Lembro com saudosismo de carregar baldes d’água após o banho em uma nascente do Vidigal. Morador de Cerro Corá, eu me vi na obrigação de pintar estas lembranças… das filas para pegar água da nascente e do canto dos pássaros, das múltiplas espécies que apareciam no entorno da minha casa. Participar do Memórias do Cerro Corá, e poder levar junto minhas pinturas, é uma forma de gratidão à vida por tudo que ela me proporcionou vivenciar. Relembrar esses fatos me faz entender e repassar a mensagem de que o respeito ao meio ambiente vai além do cuidado com o solo, com a água, com a fauna e a flora. Temos que nos cuidar, e quando digo isso, falo em coletividade, cuidar uns dos outros.” — Ricardo Rodrigues
Guarde a data! A Rede Favela Sustentável já confirmou que o 3º Festival Favela Sustentável será no dia 17 de outubro de 2026. Será ainda mais imperdível! Já marque na agenda!
Esta é a segunda de duas reportagens complementares à cobertura oficial do 2º Festival Favela Sustentável. Clique aqui para ler a primeira.
Veja o Álbum do Espaço das Rodas e Exposições do 2º Festival Favela Sustentável no Flickr:
*O ‘2º Festival Favela Sustentável: Favela no Centro das Soluções Climáticas’ foi realizado pela Rede Favela Sustentável com o apoio do re:arc institute e a parceria da Fundição Progresso e CEDAE. O evento de 2025 também fez parte de três outras agendas essenciais pré-COP na cidade do Rio de Janeiro: a Virada Sustentável RJ, a 15a Semana de Agricultura Carioca e o Outubro Urbano da ONU Habitat. A Rede Favela Sustentável (RFS) e o RioOnWatch são iniciativas gerenciadas pela organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras (ComCat).
Sobre a autora: Manuela David é graduanda em jornalismo com domínio adicional em Política Internacional pela PUC-Rio. Além do interesse ativo pela causa climática, é amante da música e do cinema.

