Atualização: A liminar que impedia as demolições na Vila Autódromo foi derrubada na noite desta terça-feira, 25 de março, através do chefe da Defensoria Pública. A liminar havia sido obtida pelos defensores titulares do Núcleo de Terras da própria Defensoria (veja abaixo).
No sábado, 22 de março, a Vila Autódromo experimentou o que testemunhas se referem como a estratégia da Prefeitura de “dividir para conquistar”: táticas coercitivas projetadas para criar discórdia na comunidade. Um mandado de segurança impetrado pelo escritório da Defensoria Pública foi aprovado pela Juiza Chefe Tereza de Andrade Castro Neves na sexta, 21 de março para parar as demolições na comunidade até que os planos da Prefeitura para a área fossem apresentados. No sábado, autoridades municipais, incluindo Tiago Mohamed, o sub-prefeito da Barra da Tijuca, visitou a Vila Autódromo para informar as sete famílias preparadas para se mudarem para apartamentos do Parque Carioca, naquele dia, que eles não poderiam receber os novos apartamentos, falsamente usando a liminar como a razão. A confusão levou a um conflito entre os residentes com vários deles fechando a Avenida Embaixador Abelardo Bueno.
Estes últimos acontecimentos vêm em um momento de tensão e de transição para a comunidade da Vila Autódromo, dado que as primeiras demolições de casas ocorreram este mês rapidamente e com força decisiva. As famílias que estão comprometidas com a permanência estão realizando reuniões semanais para fortalecer a união e esforços de resistência. Aqueles que optaram pelo reassentamento habitacional através do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) estão esperando para serem transferidos para o conjunto Parque Carioca nas próximas semanas. Contudo, várias outras famílias concordaram em sair depois de receber uma compensação financeira considerável por suas casas após as negociações.
Ativistas e líderes comunitários alegam que estas demolições solapam a concessão de 99 anos para o uso da terra da comunidade, e os esforços de resistência e estratégias de negociação coletiva. Aqueles comprometidos com a permanência, como é seu direito, temem que os lotes vazios, das propriedades demolidas de vizinhos, deixem os moradores restante em condições insuportáveis: preocupados com a integridade estrutural das suas casas ou potenciais problemas de saúde causados pelos escombros das demolições, impondo pressão psicológica sobre as famílias das casas adjacentes.
As primeiras famílias que assinaram contratos para o Parque Carioca, localizado apenas a um quilômetro da Vila Autódromo, proximidade graças aos esforços de resistência desde o início, deverão ser reassentadas nas próximas semanas. Mas alguns, inicialmente com a intenção de serem reassentados, mudaram de ideia depois de saber das cláusulas contratuais proibindo-os de vender ou alugar o apartamento novo por dez anos, apesar de ter sido dito antes, em uma reunião com o Prefeito, que eles seriam autorizados a vender assim que chegassem.
Enquanto isso, o prêmio Deutsche Bank Urban Age Award–conquistado pela comunidade por seu inovador Plano Popular no final de 2013, para “melhorar as condições físicas da comunidade e as vidas de seus moradores”, é exibido na associação de moradores, e estão em curso planos para a construção da nova creche comunitária usando o dinheiro do prêmio, no valor de US$80.000. Como algumas famílias se preparam para sair, este projeto é um símbolo poderoso do compromisso da Vila Autódromo em ficar. A comunidade estava realizado eventos semanais para levantar fundos para construir a creche em 2009, quando o Prefeito anunciou que a comunidade seria removida, e a Associação teve que interromper a captação para canalizar esforços para o combate à emoção.
A comunidade de Vila Autódromo foi assentada, há 40 anos por pescadores, na Lagoa de Jacarepaguá na Zona Oeste do Rio de Janeiro, uma área agora caracterizada pela desenfreada especulação imobiliária e construções de condomínios. Localizada ao longo da borda do Parque Olímpico de 2016, a Vila Autódromo foi ameaçada em repetidas tentativas de remoção nos últimos 20 anos, e os pretextos para a sua remoção durante os últimos quatro anos mudou várias vezes. A atual proposta da Prefeitura retiraria 280 das 583 famílias para as novas vias de acesso ao local dos Jogos Olímpicos e na proximidade com a lagoa.
Em agosto de 2013, o Prefeito Eduardo Paes anunciou que aqueles que não quisessem sair poderiam optar pelo reassentamento dentro da comunidade. Na quarta-feira, 19 de março, ele reiterou que a Prefeitura não estava forçando nenhuma família a deixar a Vila Autódromo: “Não tem remoção nenhuma na Vila Autódromo. Ninguém está saindo sem querer. Toda mudança que for feita é porque a família quer ir para o apartamento. Ninguém vai tirar alguém dali, sem a pessoa querer”.
No entanto, Altair Guimarães, Presidente da Associação de Moradores, disse a Agência Estado que ainda há “pressão de todos os lados, mas várias famílias não aceitaram negociar”. Ele reiterou que a comunidade tem um título legal e que, em última instância, “o que justifica isso é a especulação imobiliária”.
Organização Comunitária e Resistência
As 300 famílias determinadas a permanecerem na Vila Autódromo estão realizando reuniões semanais na Associação de Moradores para fortalecer seus esforços de resistência, trocar informações, e se prepararem para a próxima onda de demolições de casas.
Na última reunião, ativistas e líderes comunitários pediram união, lembrando aos moradores de seu direito legal de permanecer, e alertando-os de táticas da Prefeitura para pressionar as famílias a assinarem longe de suas casas. Alguns explicaram que em outras comunidades que foram removidas, os funcionários municipais chegaram com documentos falsificados com a concessão de permissão para demolir as casas. Outros exemplos de “chantagem” parecem estar em ação atualmente na comunidade, como: dizer às famílias que não lhes darão as chaves do apartamento de reassentamento até que a Prefeitura faça a demolição da sua antiga casa, criando divisões internas, já que o juiz ordenou a parada nas demolições.
Moradores exigem os detalhes dos planos da Prefeitura–especificando o número exato de famílias na trajetória das obras e os planos de urbanização para quem vai permanecer–que estejam à disposição do público e da comunidade antes das demolições continuarem. Além disso, a Prefeitura tem se recusado a discutir a versão atualizada do Plano Popular para as obras, que foi projetado pela comunidade em conjunto com urbanistas das duas universidades federais do Rio de Janeiro, para minimizar o número de remoções. Eles enfatizaram que, de acordo com a palavra do Prefeito, as famílias localizadas na trajetória de novas estradas para o local dos Jogos Olímpicos seriam reassentadas dentro da comunidade.
Os moradores elaboraram uma carta para o Prefeito Eduardo Paes, que foi apresentada na quarta-feira, 19 de março, exigindo a liberação dos planos para os novos caminhos propostos. Sem essa informação, eles advertem que a Prefeitura pode superestimar o número de famílias necessárias para a realocação. A carta diz:
“Os moradores da Vila Autódromo que vão permanecer na comunidade, solicitam que a prefeitura apresente conforme prometido nas reuniões que tivemos, entre os moradores, defensores públicos e o senhor (junto a sua assessoria), realizadas na Prefeitura, o projeto que está previsto para a comunidade, identificando as casas que estão no trajeto das obras.
Requeremos esclarecimentos e resposta à alternativa apresentada pelo Plano Popular. Antes de qualquer intervenção na comunidade, precisamos saber como ficarão os acessos, o projeto de saneamento básico, e os reassentamentos na comunidade.”
Como algumas famílias se preparam para sair, outros, em um ato de desobediência civil, continuam a construir e trabalhar em suas casas. Um grupo de vizinhos, trabalhando em um projeto de construção do Estado, tem absoluta certeza que eles não estão saindo. Um deles, José, morador há seis anos, diz que ele e os outros se sentem “enganados” pelo Prefeito. Apesar das garantias do Prefeito, na reunião no Rio Centro, de que o apartamento seriam deles, sem rodeios, para ocuparem ou venderem como quisessem; eles descobriram cláusulas contratuais que os proíbem de vender ou alugar o apartamento pelos próximos dez anos. Como resultado, muitas famílias que foram preparadas para aceitarem a habitação no Parque Carioca agora estão reconsiderando.
Mudando para o Parque Carioca
Consta que mais de 200 famílias já assinaram o contrato Minha Casa Minha Vida para aceitarem a habitação no Parque Carioca. A moradora, Regina, senta com sua irmã a algumas casas da primeira demolição, e diz: “Eu e meu marido construímos essa casa com muito sacrifício, muita dificuldade, minha vida toda lutando para melhorar essa casa e cuidar de minha família. Mas eu cansei, não aguento mais”.
Regina expressa emoções conflitantes sobre o próximo passo depois de viver na comunidade há 30 anos. Ela estava animada para receber o novo apartamento de primeiro andar, que estará acessível para seu filho deficiente, e sente-se feliz por ter recebido um apartamento em tal proximidade, ao contrário de muitas comunidades onde os moradores foram realocados para áreas periféricas. Ela acredita que as promessas do Prefeito sobre a sua condição será cumprida: os moradores foram orientados a esperar um apartamento mobiliado (geladeira, fogão, cama, com opção para 2-3 quartos), uma piscina da comunidade, área de lazer e espaço comercial no complexo do condomínio.
Regina fica nostálgica e triste em deixar a sua casa ao longo da lagoa, que é cheia de memórias: os filhos e netos que ela viu crescer lá, as plantas japonesas cultivados por sua falecida mãe, e o quarto de seu filho, deixado intacto desde que ele foi assassinado por traficantes de drogas há vários anos.
Embora ela esteja satisfeita com a perspectiva da habitação prometida, Regina parece também cansaao da insegurança e estresse que acompanham a resistência: “Eu já passei 30 anos nessa vida de ficar ou sair, ficar ou sair. Então eu optei por apartamento porque eu não tenho saúde para construir uma nova casa, não tenho condições para continuar resistindo. Meu coração está apertado, mas o que a gente vai fazer? Continuar vivendo uma coisa que a gente não sabe se vai ter futuro ou não?” Seus vizinhos de ambos os lados faleceram, um dos quais teve um infarto, Regina acredita que foi causado pelo estresse emocional relacionado a este processo de remoção.
Carmelia, outra moradora, resistiu até agora à proposta do reassentamento e participou regularmente nas reuniões da comunidade. Embora ela estivesse cética das intenções–suspeitando ser uma “farsa” da parte deles–ela desde então, mudou de ideia e decidiu aceitar um apartamento no Parque Carioca, com grandes esperanças do que isso poderá trazer.
“Eu estou feliz, porque eu vou para o que é meu”, ela disse. “Apesar de ser um apartamento, o que não é uma coisa que eu sempre desejei”. Ela está ansiosa pela mudança, confiante de que ele vai trazer algumas facilidades, tais como proximidade ao trabalho do seu marido e da escola da filha, e melhores opções de transporte para o seu filho que estuda no Centro.
No entanto, Carmelia reconhece que ela fez vários sacrifícios quando ela aceitou a nova habitação. Ela nunca quis viver em um apartamento e tem a intenção de vendê-lo o mais breve possível. Apesar da desinformação sobre o contrato Minha Casa Minha Vida, Carmélia firmou um contrato com cláusulas de que ela deve viver lá por uma década inteira.
Carmelia falou com representantes municipais sobre a utilização da sua casa, que está localizado no centro da Vila Autódromo, para o reassentamento dos moradores cujas casas serão demolidas para a construção de estradas, mas que não querem deixar a comunidade.
Ela está deixando a Vila Autódromo para ir para o apartamento no Parque Carioca com uma série de emoções misturadas: emoção e esperança, em conflito com apreensão e incerteza. “É um tiro no escuro”, ela reflete. “Eu não sei se vou acertar o alvo”.
Neste momento de incerteza, algumas famílias estão se preparando para se mudarem para os apartamentos do Parque Carioca, e outros se mantêm firme em sua determinação de permanecer em suas casas e na comunidade. Estas famílias estão reforçando os seus empenhos–incluindo ação legal–em face às táticas divisionistas da prefeitura. Tensões e brigas no sábado destacam a frustração e stress que o processo de remoção permanente impôs aos moradores.