“Só Mais um Silva?” Reflexões Sobre a Recente Violência da UPP

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No dia abril 22, Douglas Rafael da Silva Pereira (DG) foi encontrado morto dentro de uma creche no Pavão-Pavãozinho, Zona Sul do Rio, alegadamente morto pelos policiais da UPP. Seu corpo, encolhido no chão, pressupunha marcas de chutes e outros sinais de espancamento. A foto que apareceu mais tarde demostrou que ele também tinha sido baleado nas costas. DG era um dançarino do Esquenta, um programa muito popular de domingo à tarde da TV Globo.

A reação à morte de DG foi explosiva, com protestos subsequentes, espalhando-se por Copacabana, para o choque de turistas e da elite carioca, recebendo ampla cobertura internacional. O paralelo com a tortura e morte de Amarildo Dias de Souza, nas mãos de policiais da UPP na Rocinha em julho passado–que foi um grande golpe para a reputação do programa de pacificação–reacendeu um debate acirrado dentro do Brasil sobre a natureza das UPPs, do policiamento militarizado, e sua relação com os moradores das favelas. A controvérsia se intensificou nos últimos meses, e para muitos, este tem sido o ponto crítico. Um morador do Pavão-Pavãozinho perguntou: “Como é que vamos aceitar que esse projeto continue aqui em nome da pacificação? Quando, na verdade, eles estão entrando preparado para uma guerra, uma guerra contra pessoas que estão cansadas de uma história de guerra e de luta. Eles estão entrando e trazendo ainda mais a guerra”.

A morte de DG poderia ter sido, em grande parte, não discutida na grande mídia, se não fosse a sua visibilidade pública no Esquenta. A morte de um dos seus levou a empresa Globo a se reunir em torno do DG e sua família, com O Globo, mesmo quebrando sua linha habitual, publicando um artigo sugerindo que UPPs estão em um “momento de crise”. Na edição do Esquenta após a morte de DG, a emocionada apresentadora Regina Casé recebeu a família e amigos de DG para discutir sua morte trágica, mas a discussão estava amplamente higienizada inicialmente, com referência mínima ao contexto da morte do DG–UPPs, a criminalização da pobreza, a história da violência policial, ou favelas–até que o silêncio se tornou insustentável.

Em um momento comovente, Regina Casé virou-se para a platéia e perguntou: “Quem tem Silva no nome?”. Depois de um número significativo levantar as mãos, ela lamentou que o “Douglas era só mais um Silva”, uma referência à canção de funk sobre o anonimato das pessoas que morrem nas periferias do Brasil, onde muitos possuem este nome. E em um momento ainda mais inquietante, ela perguntou quantas pessoas na platéia tinham perdido um ente querido, amigo ou vizinho para a violência armada, e dezenas de mãos se ergueram.

A visibilidade do DG ajudou a garantir que a sua morte não passasse despercebida, e que ele não era “só mais um Silva”. No entanto, no mesmo dia, nos protestos após a morte do DG, um morador do Pavão-Pavãozinho, um outro Silva, literalmente, foi morto. Edilson da Silva dos Santos (conhecido como Mateuzinho) foi baleado na cabeça e morreu logo depois, sua morte não recebeu a mesma atenção. Com 27 anos, ele teria problemas mentais, e seu enterro, um dia antes do Esquenta, teve a participação de apenas 21 pessoas, e não havia sequer um serviço de capela.

Mortes e ataques continuaram pela cidade desde que DG e Mateuzinho morreram. No domingo, 27 de abril, o dia do Esquenta, Dona Dalva de 71 anos de idade, nome completo Arlinda Bezerra das Chagas, morreu ao ser atingida durante um tiroteio no Complexo do Alemão, Zona Norte, longe dos holofotes de Copacabana. Mesmo mais ao norte, no Morro do Chapadão, Costa Barros, Luiz Alberto Cunha, de 17 anos, foi morto em um tiroteio no dia seguinte.

Apesar da reação silenciosa dos principais meios de comunicação, essas mortes provocaram a fúria das comunidades, com nove ônibus incendiados em protestos subsequentes, a violência continuou em espiral. Surpreendentemente, um menino de 12 anos foi baleado no Pavão-Pavãozinho, na mesma noite que a DG e Mateuzinho foram mortos.

No Alemão, em protestos após a morte de Dona Dalva, a UPA foi palco de tumultos, quando um jovem assistente de loja, Carlos Alberto de Souza, foi baleado no estômago e levado para lá: “Desesperados, parentes pediam informações e não eram respondidos por policiais. Temendo que Carlos estivesse sendo torturado ou até mesmo executado, as massas atacaram a UPA… Carlos ficou ao menos duas horas agonizando no local sem médicos para atendê-lo”. O Prefeito Eduardo Paes e o novo governador Luiz Fernando Pezão visitaram o local no dia seguinte, denunciando os “delinqüentes” que haviam atacado a unidade, rotulando-os de criminosos que interferem na pacificação.

A extensão dos danos causados ​​à reputação das UPPs, e as tentativas subsequentes para limitá-lo, foi evidenciado em um artigo publicado pelo O Globo, antes de ser rapidamente e sub-repticiamente retirados do site: “A Polícia Militar pede que os jornalistas não acompanhem a operação no Alemão”. A estratégia de controlar as reportagens da imprensa sobre a extensão da violência que estava ocorrendo foi rapidamente denunciada. Um advogado de direitos humanos publicou um artigo com o seguinte comentário: “A Polícia Militar não deseja que testemunhas presenciem as violações cometidas por seus representantes, os excessos nas abordagens, e o absoluto descontrole psicológico das máquinas de guerra”. Um jornalista comunitário informou que os jornalistas no Alemão estavam sob considerável risco: “Midia livristas quase morreram ontem durante as manifestações e hoje O Globo tirou esta matéria, publicada ontem, do ar”.

O assassinato de uma figura pública como DG levou a uma crise da opinião pública sobre as UPPs, que foi se formando ao longo do ano passado, mas em grande parte deixadas de lado pelas autoridades públicas e uma mídia complacente. No entanto, como as rachaduras no programa foram se aprofundando, tornou-se mais difícil esconder as queixas que vem de dentro–que a presença militarizada do Estado em favelas, hoje está em muitos lugares e não é diferente da do passado, e o abuso e repressão estão acontecendo apesar do marketing da “pacificação” de “trazer segurança para as pessoas que vivem lá”–que parecem estar cada vez mais presentes no debate da grande mídia.

O luto público do DG, com repercussão internacional, ajudou a promover esse debate. No entanto, como outros “Silvas” continuam a ser mortos e rapidamente engolidos pelo anonimato das estatísticas, ainda há uma distância considerável a ser percorrida, e é necessário para fortalecer e democratizar os canais de comunicação oriundos das favelas. Só desta forma pode a experiência de moradores de favelas em relação às UPPs ser livremente expressada e analisada​​, quebrando o padrão de silêncio com um ou dois, ocasionalmente, escorrendo através da rede–como aconteceu com Amarildo e agora com o DG.