Milhares de famílias em São Paulo têm sido expulsas de suas casas devido ao súbito aumento do aluguel. Desde 2008, o aluguel médio aumentou em 97%, e com a inflação média na cidade em 40%, fica impossível para muitas famílias, especialmente as de baixa renda, continuarem morando no coração da cidade.
Famílias foram forçadas a se mudar para distantes bairros periféricos, onde a infraestrutura é muitas vezes precária. Como resultado, muitos trabalhadores enfrentam longos deslocamentos diários. Todos os dias uma população equivalente à do Uruguai viaja, da Zona Leste da cidade para o Centro, hoje em dia praticamente “limpo” de habitação informal ou à preço acessível.
A URBEM e outros estimam que até 2024 mais de 700.000 unidades habitacionais de baixa renda de “primeiro nível” (para aqueles que ganham de zero a três salários mínimos) terão de ser construídas para resolver o déficit habitacional na cidade. Atualmente, o município de São Paulo tem planos para construir menos da metade disso.
No entanto, desde ocupações urbanas à favelas resistindo remoção, muitos têm se dedicado ao combate da iminente crise habitacional na cidade, e a luta por condições de vida mais justas está em andamento.
Ocupação
Apenas três quilômetros do Itaquerão, novo estádio bilionário da Copa do Mundo de São Paulo, a nova ocupação, chamda Copa do Povo, se estabeleceu há três meses com 5000 famílias. No bairro Itaquera, da Zona Leste, esse mar de barracas improvisadas–milhares delas–foram construídas a partir de sacos de lixo, lençóis de nylon esticados e postes de madeira. Os moradores são principalmente os moradores locais que foram duramente atingidos pela especulação imobiliária. A ocupação do terreno, deixado vago por uma empresa de construção civil, foi organizada pelo MTST, Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto.
O MTST, movimento social na vanguarda das lutas pela moradia digna na cidade, organizou numerosas ocupações de terras em larga escala em toda São Paulo, com a intenção de pressionar o governo para a construção de habitação social e controle de aluguéis nas áreas mais afetadas pelo aumento do aluguel. Cerca de 15.000 famílias vivem em ocupações MTST em São Paulo.
No tradicional bairro de classe operária de Itaquera os preços de aluguel subiram em até 50%, desde que a construção do estádio na área foi anunciada.
“A Copa do Mundo trouxe um maior valor para a área, a criação de novos postos de trabalho e possibilidade de infraestrutura”, diz Josué Rocha, um dos coordenadores de São Paulo do MTST, “mas como não há controle de aluguel, os moradores têm visto o aluguel crescer muito, e muitos estão com necessidade de novas opções de moradia”.
As moradoras locais Joice Santos, 42, e Edna Batista, 41, mudaram-se para a ocupação em tempo integral com suas filhas adolescentes, e trabalham como voluntárias na cozinha comunitária para fornecer refeições gratuitas para os outros moradores.
“Eu amo estar aqui”, disse Joice, que se mudou para a Copa do Povo depois de ter sido expulsa pelo preço de seu apartamento de dois quartos perto dali, que passou de R$200 por mês para R$450. Edna era anteriormente sem-teto após ter sido removida de outra ocupação.
O modelo de ocupação do MTST não é criar uma moradia permanente de forma orgânica, mas forçar negociações com o governo para a criação de habitações sociais do Minha Casa Minha Vida (MCMV) no terreno ocupado. O MTST também organizou protestos em grande escala em São Paulo, chegando até 25 mil pessoas.
No momento imediato da preparação para a Copa do Mundo, o MTST negociou com sucesso a transformação da Copa do Povo em habitação social para aqueles que a ocupam. Organizado através da corrente participativa Entidades do programa MCMV, pela demanda do MTST, os futuros moradores serão capazes de desenvolver o plano de habitação a ser construído.
“É o resultado de muita luta, e graças a Deus. Estamos tão animados, é um grande alívio”, disse Joice. “Com o dinheiro que eu ia usar para pagar o aluguel, eu vou ser capaz de dar a minha filha uma vida melhor”.
Apesar do sucesso da Copa do Povo, o futuro de outras ocupações MTST está na balança. A grande ocupação de 6.000 pessoas, denominada Portal do Povo, no local de uma antiga favela no bairro rico de Morumbi, está enfrentando uma remoção iminente após a Polícia Militar dar aos ocupantes 15 dias para sair.
“Canais de comunicação [com o Estado] são cravados com base nas lutas e mobilizações”, disse Josué. “Mas a criminalização dos movimentos sociais não parou”.
Resistência
A cerca de 40 quilômetros de distância, a Favela do Moinho se destaca como a única favela remanescente no Centro da cidade. Esmagada entre duas linhas de trem e um viaduto, a comunidade resistiu repetidas tentativas de remoção ao longo de seus 20 anos de história. Desde 2009 as remoções em Moinho foram suspensas enquanto se aguarda um processo judicial.
Logo após a decisão, em 2011 e 2012, o Moinho foi palco de dois incêndios suspeitos que destruíram mais da metade da comunidade. Mais de 700 famílias foram forçadas a sair depois que suas casas foram incendiadas, e agora apenas 500 permanecem.
De acordo com Alessandra Moja, ativista e ex-presidente da associação de moradores, a estratégia do governo é de “omissão”, depois que repetidas tentativas de remover a favela se mostrarem inúteis. Os incêndios são ainda um assunto controverso e traumático para a comunidade. O que resta do Moinho é cercado por escombros das casas que foram destruídas.
Alessandra tem fortes suspeitas sobre o incidente.
“O edifício [do qual o primeiro fogo começou] era de tijolos e concreto, e quem mora aqui sabe que não havia combustíveis suficientes para ele pegar fogo como ocorreu”.
Apesar de sua proximidade com um dos bairros mais ricos de São Paulo, Moinho não recebe serviços básicos do governo. Não há saneamento, água ou eletricidade. Praticamente metade das casas são construídas com compensado.
Antônio Silva mora na comunidade há 18 anos e sua casa foi incendiada no primeiro incêndio.
“Tudo foi perdido”, disse ele.
Ele e sua esposa mudaram-se para o bar que possuem em outra área da comunidade. Como resultado, ele teve que fechar o estabelecimento.
“Fomos capazes de vir para cá, mas muitos outros ficaram desabrigados, dormindo no chão em torno de nós”.
Aqueles que ficaram desabrigados foram finalmente colocados no Programa de Aluguel Social. A ajuda mensal de R$400 não foi suficiente para pagar um aluguel na Favela do Moinho, o que obrigou os moradores a se mudarem para ainda mais longe do centro de São Paulo.
Outras favelas em São Paulo foram vítimas de tentativas de remoção. A Favela do Buraco Quente no Morumbi foi removida para dar lugar a um monotrilho que leva ao estádio do Morumbi, inicialmente escolhido para sediar os jogos da Copa do Mundo. Quando a construção de um novo estádio foi anunciada em Itaquera, o projeto foi abandonado.
Durante sua campanha eleitoral de 2012 o prefeito Fernando Haddad prometeu melhorar o Moinho. Não houve trabalho feito para isso até agora. Em 2013, o município concordou em participar com os moradores no desenvolvimento de um plano de urbanização. Esta tentativa de comunicação caiu por terra quando funcionários do governo deixaram de ir às reuniões e logo depois, pararam de responder aos telefonemas.
Em janeiro de 2014, um representante municipal chegou à comunidade com outra proposta de urbanização, desta vez pedindo aos moradores para assinarem um acordo para saírem depois de um prazo indeterminado.
“Mas você vai fazer esgoto, eletricidade e água para quem, se temos que concordar que vamos sair?”, Disse ela.
“Queremos que a comunidade seja urbanizada, nós queremos que as famílias sejam capazes de decidir por si mesmas os que elas querem. Que todos possam ter água, eletricidade e saneamento, esse é um direito deles e um dever do município”.
Diante desse descaso, os moradores do Moinho tiveram que tomar para si mesmos a necessidade de continuar a construir a comunidade. Eles recentemente ganharam uma bolsa para desenvolverem seus próprios projetos de urbanização e os planos estão em andamento para o início da construção de um campo de futebol e do plantio de árvores.
Alessandra e outros dois moradores receberam treinamento como bombeiros civis, caso algum outro incêndio aparecer.
Reivindicando a Cidade
O edifício Prestes Maia, um bloco de 22 andares abandonado no bairro central da Luz, é atualmente o edifício mais alto no mundo a ser ocupado irregularmente. Cerca de 500 famílias foram ocupando o espaço por vários anos. Tal como o Moinho, tem recebido constantes ameaças de remoção.
À medida que essas comunidades populares e informais são corroídas por políticas agressivas de especulação imobiliária, São Paulo continua a se expandir para fora, com os pobres da cidade forçados a ir cada vez mais longe para novas periferias–somente para serem forçados a se deslocarem de volta diariamente.
Apesar disso, grandes camadas do antigo centro industrial continuam abandonadas. Segundo o arquiteto Milton Braga estima-se que 300 mil pessoas saíram do centro da cidade–voluntariamente ou não–como parte dessa migração.
Em nenhum lugar a natureza corrosiva deste processo está mais aparente do que na construção de habitação social (parte do programa MCMV) nas periferias de São Paulo que não têm infraestrutura adequada.
O MTST é altamente crítico do programa MCMV.
“Sabemos que, em geral, MCMV não resolveu o problema da habitação popular”, diz Josué.
O MTST argumenta que o formato atual do programa incentiva casas mal construídas em terras mais baratas e distantes. Empreiteiros recebem uma quantia fixa do governo federal por unidade habitacional construída que incentiva construção rápida para obtenção de lucro.
Outro problema apontado pelo MTST é que a maioria dos recursos MCMV é destinada a pessoas que ganham mais de três salários mínimos, quando a maior parte do déficit é dos que ganham menos.
“Lutamos para que uma infraestrutura adequada esteja disponível [juntamente com habitação]–para saúde, uma creche, uma escola maior na área”, diz Josué.
Arquiteto e professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Milton Braga também critica o modelo brasileiro de habitação social.
“A habitação social é muito mal feita. Nós não construímos bairros “, diz ele,” [mas sim] depósitos de pessoas, longe da vida urbana, e sempre nas periferias–sem imaginação e sem cuidado”.
Milton trabalha para URBEM (Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole), instituição que criou uma série de propostas para a reurbanização do Centro da cidade, em resposta a questão da habitação social.
O URBEM quer incentivar o investimento em habitação de renda mista, para evitar a “guetização” e fomentar o desenvolvimento da infraestrutura necessária para criar um “bairro” em pleno funcionamento, onde as pessoas possam viver, trabalhar e alcançar serviços em sua área local.
Esta vontade seria, como ele mesmo diz, “fazer com que o Uruguai não tenha que vir para o Centro todos os dias, mas apenas quando eles quiserem”.
Obrigações
O tamanho quase incompreensível de São Paulo é um indicador da escala da crise habitacional que seus moradores estão enfrentando. Como o custo de vida continua a aumentar, os especialistas dizem que o problema só vai piorar.
À medida que os governos federal, estadual e municipal não tomarem as medidas necessárias para resolver as causas profundas do problema, ou fornecer soluções adequadas, as comunidades populares têm tomado o processo em suas próprias mãos.
O movimento popular de soluções criativas continua a crescer, pressionando o Estado para o cumprimento dos seus deveres na prestação de habitação adequada para eles, em vez de seguir a lógica da especulação e do lucro.
Além de simplesmente um teto e quatro paredes, o desenvolvimento de condições de vida adequadas é essencial para o funcionamento da cidade, dos transportes, da saúde e segurança.
“As cidades brasileiras não funcionarão sem abordar a questão da habitação”, concluiu Milton.