O protagonismo negro no cinema foi promovido no Rio de Janeiro no mês de novembro, em homenagem ao Dia da Consciência Negra. O festival de filmes Circuito Cinegrada é um projeto organizado pelo CRUA – Coletivo Criativo da Rua, uma organização que usa arte como ferramentas de resistência cultural em comunidades marginalizadas.
Cinema Negro
O festival começou no início do mês e terminou no dia 29 de novembro. Ele comemorou o Mês da Consciência Negra com 17 filmes exibidos em 15 locais no Rio de Janeiro e Niterói, apresentando filmes que têm exclusivamente protagonistas e produtores negros.
“Você não vê cinema negro”, explicou Rafael Ferreira, membro do CRUA. “Agora você tem filmes como 12 Anos de Escravidão, mas é um filme americano que tem uma outra linguagem, diferente de um filme negro brasileiro. O cinema negro tem dificuldade de entrar em cartaz”.
O CRUA foi formado no ano passado por um grupo de estudantes no Complexo da Maré. CRUA abraça e promove diversas formas de arte incluindo teatro e música. O clube de cinema foi iniciado como um projeto para focar no cinema brasileiro, mas passou a ter o intuito de devolver uma plataforma para divulgar e espalhar seu trabalho no Rio, disse Ferreira. A sede do Coletivo fica no Hotel da Loucura, em Engenho de Dentro, onde filmes são projetados toda semana.
“Da Cor Da Gente” na Penha
No dia 22 de novembro o Circuito Cinegrada foi levado para a Penha, para exibir uma série de curtas produzidos por cineastas locais. A exibição também fez parte de um evento maior sobre o Mês da Consciência Negra, chamado “Da Cor Da Gente“.
Jorge Adolfo Freire e Silva, organizador do evento na Penha, disse que o objetivo era providenciar uma programação de qualidade para comemorar o Mês da Consciência Negra e dar à comunidade recursos para discutir a cultura Afro-Brasileira, especificamente introduzindo as muitas organizações existentes como o CRUA, que já aborda tais questões na comunidade. O evento ocorreu como resultado de diversas parcerias com o Foto Clube Alemão e o grupo de rap Malícia Urbana Crew, entre outros.
“O parceiro é autonomo para ele mobilizar o grupo deles”, disse Freire e Silva. “Com CRUA, eles criaram o evento deles, chamaram o grupo deles, falaram ‘Vamos estar na Penha’. A gente dá só o espaço, a autonomia de produção tá dentro de quem realiza, dos realizadores”.
Exibição de Filmes e Debates
Os filmes exibidos no sábado na Penha estimularam intensos debates sobre questões como religião, política e cultura.
O primeiro filme exibido foi Óna, um curta de ficção de 5 minutos que acompanha um jovem poeta da Pequena África na região do Porto no Centro do Rio. Os jovens andam descalços pela vizinhança à noite e param com frequência para realizar boas ações. Enquanto isso, o filme corta para uma cena onde o mesmo poeta prepara uma oferta para Exú, um messageiro espírita do candomblé. A mensagem pede pela libertação do seu povo, que continua sofrendo com o racismo. O filme ressalta o preconceito associado com a estética e a cultura negra.
A discussão que se segue centra na perpepção comum de “preto” como algo negativo, e como o filme apresenta o oposto disso. Os produtores explicaram que mesmo durante a realização do curta, a cena da oferta atraiu olhares céticos dos moradores da comunidade, o que confirma o estigma em torno das religiões afro-brasileiras.
O CRUA também exibiu Subúrbio e o Centro, documentário produzido pelo Canal Molambo. O documentário explora o modo como as comunidades dos subúrbios foram culturalmente influenciadas pela região portuária do Centro, área da cidade conhecida como Pequena África. O documentário foca na Festa da Penha, festival histórico que combina a tradição católica portuguesa com a cultura africana que perdeu popularidade no final do século XX.
Tuninho “Tropical” Almeida, músico e defensor do restabelecimento da Festa da Penha, foi destaque no filme e participou da exibição. Ele discutiu os paralelos entre a antiga proibição do samba e da capoeira e o atual preconceito em relação ao funk e o rap, duas ferramentas musicais de protesto. Ele ainda encorajou a juventude a se mobilizar contra os esforços do governo designados para esquecer a história da cidade, tal como a da Festa da Penha. A identidade da cidade não é só o que ela é atualmente, disse Almeida, mas também o que costumava ser.
A exibição de filmes terminou com o documentário Canções de Liberdade, produzido por David Aynan. O curta de cinco minutos contém uma entrevista com Seu Djalma, líder da comunidade quilombola de Bananeira, na Ilha de Maré, Bahia. Djalma discute, através da música, as questões enfrentadas pelos moradores da comunidade e sua batalha para ganhar a posse da terra e preservar a ilha.
O CRUA concluiu o festival de filmes do Mês da Consciência Negra no dia 29 de novembro, com um mega evento de arte realizado no Hotel da Loucura. Entre as atividades aconteceram workshops, exibição de filmes, performances teatrais e música. Os organizadores esperam que o evento traga à tona a ausência de representação negra nas esferas sociais e artísticas, e encoraje discussões sobre soluções para aumentar essa representação.