O RioOnWatch visitou o Vale Encantado há algumas semanas em uma visita educativa junto aos estudantes de planejamento urbano da Pratt University.
O Vale Encantado faz parte do Alto da Boa Vista, bairro do Rio que fica dentro da Floresta da Tijuca. A comunidade ganhou seu nome de um complexo de condomínios de luxo que se chamaria Vale Encantado antes de sua construção ter sido interrompida no final dos anos 60. Hoje, apenas um desses condomínios existe, no alto da comunidade.
A comunidade em si, no entanto, é muito mais antiga. Originalmente chamada de Taquara do Alto da Boa Vista, era habitada por trabalhadores e donos de plantações de café na região desde antes de 1860. Após o pronunciamento em 1861 de Dom Pedro II, de que a região seria reflorestada, a produção de café foi proibida. Durante o século seguinte, os trabalhadores e seus descendentes que ficaram na área se voltaram para a agricultura, depois floricultura e mais tarde para mineração de granito como principais fontes de renda. Próximo à Eco 92, no Rio, seu principal empreendimento de extração–a mineração–foi proibida devido ao aumento da consciência ambiental associada ao evento. A economia da comunidade, incapaz de se recuperar, estagnou.
Muitas famílias mudaram para outros locais, deixando apenas aqueles que tinham vínculos com a terra ou não possuíam meios econômicos para sair. Cerca de 140 pessoas moram no Vale Encantado hoje. Mulheres cujos maridos morreram, devido aos perigos das antigas indústrias da comunidade, foram deixadas com seus lares para cuidar, mas sem fontes de renda.
Em constante busca por uma solução, Otávio Barros, morador da quinta geração eleito presidente da Associação de Moradores do Vale Encantado em 2005, obteve uma resposta ao ser apresentado a um amigo francês de uma vizinha do condomínio vizinho. Ao conhecer Otávio e descobrir o tesouro de sustentabilidade que é o Vale Encantado, Jerome Auriac encorajou Otávio a olhar para o ecoturismo e então, estabeleceu a ONG francesa ABAQUAR Paris para ajudar. Eles começaram a trabalhar juntos para construir o potencial do Vale no turismo ambiental. Otávio se treinou formalmente como guia e instituiu a Cooperativa Vale Encantado em 2007, para dar emprego às famílias da comunidade enquanto ajudam o meio ambiente.
As atividades da cooperativa começaram com tours ecológicos na floresta, que hoje abarca a comunidade. Uma casa local foi usada para receber os grupos do tour. Imediatamente, porém, a procura por instalações mais adequadas começou e em 2009 a ABAQUAR Paris forneceu recursos para ajudar na compra dos prédios para a cooperativa. Em março de 2010, os membros puderam pagar integralmente o espaço com a renda das visitas daquele ano.
Hoje, a cooperativa tem sido capaz de gerar empregos para 12 dos 20 membros originais e eles estão trabalhando para aumentar a demanda por tours e pela experiência única da refeição no restaurante de lá, gerando maiores oportunidades de engajamento na comunidade. Dos 12 membros atuais, seis trabalham em tempo integral, enquanto outros seis dependem também de empregos externos. No caso de Otávio, ele pôde largar seu emprego anterior de 25 anos como secretário na PUC-Rio, para se dedicar integralmente em ser guia e desenvolver a comunidade. Dado o tamanho pequeno da comunidade, essas oportunidades atingem a todos os cantos da comunidade.
Para garantir a expansão, após subtrair os gastos da cooperativa, 20% é investido de volta nela. Atualmente, o salário para todos os trabalhadores é de R$4,50 por hora. Alguns membros escolhem reinvestir grande parte de seus salários na cooperativa. Eles esperam ter mais trabalho de tempo integral e maiores salários com o aumento da demanda por turistas. A abertura do restaurante da cooperativa, junto com outros projetos sustentáveis devem aumentar o tráfego diário neste mini paraíso.
Nos últimos seis meses, o Vale Encantado progrediu em uma multiplicidade de projetos interessantes além do projeto inicial de painel solar, incluindo a instalação de um biodigestor, o desenvolvimento de um plano de rede de esgoto, esforços contínuos para adquirir os títulos de terra, a construção de uma sede da Associação de Moradores, uma horta comunitária e o rústico e lindamente desenhado restaurante cooperativo.
Através de parceira com a PUC, a cooperativa atualmente fornece treinamento e renda para uma família no Vale Encantado manter a horta comunitária, ainda incipiente, que irá em última instância fornecer suprimentos para o restaurante, para a comunidade, bem como produtos para venda. Colaboradores da PUC ensinam à família práticas de jardinagem e estão ajudando no desenvolvimento da horta de tal maneira que dê uma fonte sustentável de renda.
Ainda falta um sistema próprio de esgoto no Vale Encantado. Membros da comunidade construíram canos que canalizam a água de suas casas, que se une aos canos de esgoto do condomínio no topo da montanha, de onde tudo é liberado na floresta abaixo da comunidade. A existência espontânea de bananeiras abaixo podem ajudar a limpar um pouco dessa água, mas não houve nenhum investimento intencional por parte da Prefeitura, dos condomínios ou da comunidade para melhorar a situação até os membros da cooperativa do Vale Encantado estabelecerem a meta de remover esse esgoto da área ambiental ao seu redor. Em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a comunidade está agora realizando um estudo aprofundado para estabelecer um modelo de tratamento de esgoto ecológico. Uma gama de soluções estão sendo consideradas, de modelos do tipo pântanos construídos a biodigestores. Otávio pretende abordar a comunidade do condomínio para obter apoio assim que o novo programa for implementado, uma vez que estará limpando a rede de esgoto deles também.
Otávio também tem trabalhado para obter títulos de terra para os moradores do Vale. Ele está na ponta do processo de titulação e espera ganhar proteção contra as atuais ameaças de remoção. Há uma ampla documentação que mostra que algumas das famílias têm ocupado a área por mais de cem anos.
Mais adiantado agora está a construção de uma nova sede para a Associação de Moradores do Vale Encantado, para ser usada para reuniões bem como um local central para o planejamento e atividades da comunidade. O prédio da associação está sendo construído graças ao Festival Encantado do ano passado, que ocorre anualmente no clube localizado entre a comunidade e o condomínio de cima. O festival trouxe performances como as de Seu Jorge e Criolo. O que vem do festival é dedicado a melhorar a comunidade e as fontes do ano passado foram dedicadas ao novo espaço da associação.
Tours ecológicos continuam sendo a mais forte fonte de renda do Vale. Otávio e outro guia continuam dando tours pela floresta e estão começando a receber convidados no restaurante. Otávio e outros membros da cooperativa têm trabalhado, há cinco anos, para melhorar o espaço do restaurante e recentemente se juntaram com uma professora de arquitetura e estudantes da UFRJ que forneceram um projeto arquitetônico para o interior e a parte externa do restaurante. Membros da cooperativa estão finalizando a implementação dessas mudanças, que incluem novos elementos de design rústico construídos e desenhados por Otávio.
Abaixo do restaurante há um biodigestor que transformará os restos de comida do restaurante da cooperativa em um fertilizante de alta qualidade para o jardim e gás metano para os fogões.
Todas essas iniciativas e mais são responsáveis pelo reconhecimento global cada vez maior do Vale Encantado como uma comunidade sustentável. Sua pequena escala e vocação para a sustentabilidade o tornam um perfeito laboratório de incubação, desenvolvimento e exibição de práticas sustentáveis que podem ser aplicadas em favelas em todo o Rio de Janeiro e em outras partes do mundo.
Os tours são de alta qualidade e os preços estão online. Diversas agências de turismo, no entanto, não querem trabalhar com a cooperativa por conta dessa transparência, que não deixa espaço para cobrarem uma alta taxa. Como resultado, a maior parte dos visitantes do Vale Encantado descobrem a comunidade e seus serviços através do boca a boca. Divulguem!