“Meu nome é Pedro. A prefeitura, com a sua draga, derrubou parte do meu imóvel”. Pedro Henrique Berto chegou do trabalho em casa na Vila Autódromo na quarta-feira, 20 de maio, e encontrou uma surpresa inesperada: uma escavadeira da prefeitura fez um buraco em sua casa, tirando um feixe fundamental que apoia a estrutura e deixando a casa em um estado precário. Apesar do perigo imediato e óbvio imposto a ele e qualquer um dentro da casa, a primeira reação dos trabalhadores da prefeitura foi de ignorar os danos e negarem qualquer responsabilidade.
Anteriormente a esse incidente, Pedro e sua família, como muitas das outras cerca de 150 famílias restantes na Vila Autódromo na Zona Oeste do Rio, estavam relutantemente negociando com a prefeitura a venda de sua casa. Devido à localização estratégica ao lado do futuro Parque Olímpico, a comunidade tem enfrentado uma intensa companha de demolições e remoções, culminando em um violento confronto com a polícia no dia 3 de junho. Atualmente, 590 das 760 propriedades na comunidade listadas pela prefeitura foram desocupadas.
Em 20 de março, a declaração municipal de expropriação, o poder reservado à prefeitura de expropriar a propriedade privada para uso público, listou 58 casas para demolição. Esta “expropriação via decreto” superou a própria abordagem anterior do Prefeito Eduardo Paes, a qual ele mais tarde rotulou como “absurda e inaceitável,” de pagar uma compensação a preço de mercado aos moradores para que deixassem suas propriedades. A mudança de estratégia paralisou as negociações de Pedro e o deixou, junto a sua família, em uma situação incerta.
“As negociações ficaram paradas por conta de um decreto que está acontecendo”, disse Paulo. “Esse decreto, ele ajuizou o imóvel da minha mãe e alguns outros que não chegaram em um acordo sensato. [Enquanto isso] indenizaram outras pessoas com R$1.7 milhões. Qual foi o critério, eu ainda não descobri. Um outro imóvel aonde só havia o chão cimentado e eles pagaram R$700.000. Isso é uma atitude execrável da prefeitura.”
Mesmo antes da declaração de expropriação para confiscar as propriedades, as negociações estavam sendo ineficazes.
“O imóvel é da minha mãe, ela tem um centro espírita aqui. Então é uma situação delicada pelo centro espírita, mas eles só pagam pelo valor residencial. Isso também eu acho outra atitude errada. Porque o centro espírita–ele é de uma cultura, a gente é do Candomblé–não é qualquer lugar que a gente pode construir um outro imóvel como este com o valor que estão oferecendo“, ele explica. A tradição do Candomblé exige que os centros espirituais sejam no nível do solo com exposição direta ao exterior e aos elementos naturais, como a terra, algo que não pode ser replicado em habitação pública.
“Até porque aqui tem uma lagoa, e a gente faz diversos trabalhos em relação a essa lagoa aqui. Em qual outro lugar que a gente vai arrumar um imóvel como esse com um fundo para a lagoa? Eu acredito que com o dinheiro que ele vai pagar, não dá para comprar um imóvel na lagoa, concordam comigo?”
Pedro fala que “chega um ponto que a própria prefeitura começa a aterrorizar os moradores daqui”.
Apesar de morar mais de uma década na comunidade, o desmantelamento sistemático da Vila Autódromo vem afetando e prejudicando a vida de Pedro e sua família.
“Eu gosto muito daqui, se eu pudesse eu morava aqui pra sempre“. Porém, ele diz que a prefeitura está “tornando muito pior a nossa vida, de forma que chega a uma hora que ficou insuportável morar aqui”.
Pedro ainda mora na casa que foi danificada pela escavadeira, mas ele recentemente decidiu transferir sua mãe e irmã para outra comunidade. Ele explicou que a Vila Autódromo sempre foi uma comunidade pacífica. “Antes aqui não tinha tráfico”, ele disse. Mas as demolições estão deixando a comunidade “muito deserta” e Pedro agora teme pela segurança de sua família. “É muito perigoso aqui à noite, muito perigoso mesmo”.
Tadilmarco, um antigo morador da Vila Autódromo, também expressou que sentia temores antes que ele e sua família fossem removidos da comunidade em abril. “Morar agora aqui se tornou muito difícil porque fica muito isolado”, disse ao RioOnWatch. “De noite tem muito silêncio, e não tem segurança como tinha. As vezes, eu sentia, junto a minha família, um pouco de medo porque ficamos sozinhos aqui”.
Pedro permanece em sua casa na Vila Autódromo como “cobaia” para tentar prevenir mais danos e a demolição até que ele possa chegar a um acordo com a prefeitura pela venda da casa.