Ostentação: Exposição prentenciosa e vulgar, especialmente de riqueza e luxo, com a intenção de impressionar ou atrair atenção.
É dito que a arte é o espelho da sociedade. Ao longo da história, a música tem refletido, ilustrado e influenciado práticas sociais. O que pode o funk ostentação nos dizer sobre a sociedade brasileira de hoje? Na outra extremidade do espectro de atividade social, políticos também expõem uma tendência semelhante de ostentação. Discursos e projetos assumem uma função mais simbólica do que racional em tal contexto.
Em um pronunciamento oficial três dias antes da Copa do Mundo de 2014, a presidente Dilma Rousseff disse:
“Agora também temos estádios modernos e confortáveis, de norte a sul do país, à altura do nosso futebol e dos nossos torcedores. Além de servir ao futebol, serão estádios multiuso: vão funcionar também, como centros comerciais, de negócios e de lazer, e palcos de shows e festas populares.”
Depois de ter insistido com a FIFA que o Brasil sediaria a Copa em 12 estádios, em vez dos 8 recomendados, esta fala e o massivo US$16-20 bilhões gastos na Copa (mais do que o conjunto das quatro Copas do Mundo anteriores), demonstram uma necessidade de apresentar o Brasil ao mundo como tendo alcançado um certo nível de desenvolvimento socioeconômico. MC Guime, um dos maiores nomes do funk ostentação hoje, expressa o mesmo sentimento em sua música “Plaque de 100“:
“Contando os plaque de 100, dentro de um Citroën
Ai nóis convida, porque sabe que elas vêm
De transporte nóis tá bem, de Hornet ou 1100
Kawasaky, tem Bandit, RR tem também”
Ostentação na música, vida e política
A estratégia de transmitir poder através da ostentação não é nova ou exclusiva da cultura brasileira. Isto tem representado historicamente um modo de vida da elite, particularmente em um país marcado, até pouco mais de uma década atrás, pela desigualdade mais grave do mundo. Um país que, até a década de 1880 praticava a escravidão, tendo importado o maior número de escravos que qualquer nação na história. Hoje ostentação também representa a forma de fazer política. Na era da cobertura excessiva da mídia, projetos de grande visibilidade são uma das chaves para o sucesso político.
O Rio de Janeiro sofre de um déficit significativo de infraestrutura nos setores de transporte, habitação, educação, saúde e saneamento básico. No entanto, ao longo dos últimos cinco anos, investimentos de grande escala ocorreram no lugar disso, a fim de cumprir as promessas feitas ao COI, a fim de sediar os Jogos Olímpicos de 2016.
A tribo funkeira construiu um estilo de vida baseado no gênero musical do funk carioca–uma mistura única de rap, tamborzão e baixo. O gênero originário do Rio–como o seu nome indica– atingiu todas as regiões do Brasil, com suas batidas e letras que vão desde o politicamente consciente ao sexual e violento. Quando foi apropriado por favelas de São Paulo, um subgênero surgiu: o funk ostentação, conhecido por suas letras ostentosas e vídeo clips com referências explícitas ao dinheiro, mulheres, carros e bens materiais que significam sucesso financeiro e social.
A ostentação é usada, igualmente, como um caminho para o sucesso por líderes políticos e moradores de favelas–pessoas nos extremos opostos do espectro social e econômico do Brasil. Então, qual é a ligação entre eles?
Megaeventos: exibição para o mundo
O ato de sediar um megaevento é em si mesmo um ato de ostentação, devido aos enormes investimentos e estruturas complexas erguidas em associação com tais eventos. A esperança é que, através da realização do sucesso de um evento como esse, a nação é vista pelo mundo como segura, moderna, confiante e um país rico, enquanto, simultaneamente, convence seus próprios cidadãos que o país está entrando em um pequeno círculo de desenvolvimento de nações influentes. Os Jogos Olímpicos de Pequim de 2008 consagrou a posição da China como uma superpotência internacional. Os políticos dirigentes esperam que o sucesso dos grandes eventos no Brasil irá finalmente estabelecer o gigante sul-americano como um país mundialmente influente.
A mídia internacional tem jogado o jogo da política de ostentação. Embora inicialmente, houveram dúvidas sobre a capacidade do governo sediar com sucesso a Copa do Mundo de 2014, a imprensa internacional comemorou a entrega do evento. Nesse meio tempo, a repressão policial e a cobertura comparativamente baixa da mídia em relação a aqueles que preferem a melhoria da saúde pública e educação, deixa claro que eles não foram ouvidos.
A atual transformação ostentosa do Rio de Janeiro tem causado impactos extremamente negativos na vida de muitos moradores de favelas, nas suas histórias e na cultura popular. Políticas incluem remoções em massa, ocupação militar das favelas, intimidação psicológica e física dos moradores que não querem sair de suas casas ou que falam com a imprensa, e a criação de sistemas de transporte de grande visibilidade que levantam muitas dúvidas quanto à sua utilidade para os moradores. O teleférico no Complexo do Alemão, por exemplo, foi supostamente construído para tornar mais fácil a vida dos moradores. No entanto, desde a sua abertura em 2010 ele ainda não atingiu a plena capacidade (ela é executada em cerca de 50%), com um preço considerado proibitivo e paralisações frequentes devido à manutenção, às condições meteorológicas e os tiroteios. Os moradores processaram o governo porque eles haviam votado em melhorias de saneamento, não no teleférico e a tomada de decisão participativa não foi respeitada.
Na política e na favela
MC Koringa é uma das principais figuras do funk desde seu sucesso de 2005 “Pedala Robinho” viralizou. Ele é também o primeiro artista do funk a atuar em uma telenovela. Ele percebe uma relação de causalidade entre a ostentação na política e nas favelas:
“Tem um teleférico, mas a coleta do lixo é deficiente. As escolas não estão sempre abertas, de modo que produz ignorância. Os sistemas de transporte são maquiagem política. Dos navios negreiros para o metrô de hoje, é a mesma coisa. Em vez de colocar um teleférico em um morro, você precisa resolver os problemas no chão. Para que um teleférico, se você não tem a segurança para usá-lo?
A ostentação [nas favelas] é o espelho das falhas do governo (…) Um garoto na favela quer ser burguês com sua corrente de ouro. Dentro da comunidade ele pode ser alguém por causa dela, mas fora, ele ainda é ninguém. Isto embaça o foco deste jovem, ele acaba enganando a si mesmo.”
A ostentação é parte do sonho, a despeito da ênfase das políticas públicas serem superficiais, ao invés de trazer melhorias de bem estar reais. MC Koringa sente que os funkeiros têm um papel a desempenhar: “Quando o personagem Koringa atua em novelas da Globo, ele quer mexer com aqueles garotos, que estão cercados por criminosos, que estão cercados por drogas. Eles não precisam viver neste ciclo… A responsabilidade do artista é enorme, e eu tenho muito respeito por isso”.
Ostentação como indicação de progresso social
Em um documentário de produção independente, funkeiros de São Paulo explicam que eles pensam que ostentação é tudo. MC Boy do Charmes falou de sua visão: “Ostentação é o funk que fala sobre o sonho de um trabalhador. Um pai tem que ver seu filho em um carro, em uma motocicleta, garantir uma condição melhor para a sua família, uma casa melhor, um plano melhor, a fim de dar ao filho uma condição melhor do que a sua”.
Neste contexto, a ostentação é sobre mostrar o que você pode fornecer. Trata-se de demonstrar que você pode subir a escada social, ser alguém que importa e ser aceito em círculos mais privilegiados economicamente.
A obsessão do Brasil com a ostentação não está dividida pela classe social. Clovis Gruner, professor de artes, memória e narrativa, descreve os shoppings brasileiros como o novo lugar para expressar progresso social através do consumo pela classe média. Os rolezinhos foram reprimidos pelos seguranças dos shoppings e pela polícia, e provocou um grande debate sobre acessibilidade e discriminação nesses locais.
Gruner explica: “A classe média tem dificuldade em aceitar que dois de seus sinais mais centrais de distinção social–consumo e ostentação–não são privilégios exclusivos, já que agora são apreciados por jovens da periferia que se reconhecem nesse ambiente, a ponto de os tornarem a trilha sonora de suas vidas: o funk ostentação”.
O funkeiro MC Bio G3 diz que tudo tem a ver com o crescimento da classe média: “Com tal ascensão econômica e São Paulo sendo a metrópole do luxo, penso que as periferias querem mostrar que podem ter sucesso. Agora eu posso ter sapatos de R$1000; agora eu posso ter um relógio grande e elegante; agora eu posso ter uma camisa de R$300 mesmo que seja um esforço para possuir estas coisas. Mas isto não está limitado ao funk, todo mundo entrou neste clima geral. Eu acho que o funk pegou a onda que estava passando”.
O antropólogo Roberto Da Matta escreveu em seu livro de 1979 Carnavais, Malandros e Heróis: Para uma Sociologia do Dilema Brasileiro que o determinismo social é muito presente no ethos brasileiro, mas é contrabalançado por uma mitologia inclusiva (como o malandro ou as fantasias de carnaval). Sua análise lança luz sobre “uma estrutura social onde as classes sociais se comunicam por meio de relações entrelaçadas que acabam inibindo parcialmente os conflitos do sistema de diferenciação social e política com base na sua dimensão econômica”.
A ostentação decorre de uma comemoração que se auto alimenta pelas novas possibilidades oferecidas pela prosperidade econômica no Brasil. As periferias urbanas, a cada vez maior classe média e a classe política, têm desfrutado do período de progresso econômico. Ao longo da última década os indivíduos sentiram os efeitos tangíveis de uma economia em crescimento.
Hoje, no entanto, o crescimento económico estagnou. A espera prolongada por saúde básica, infraestrutura e educação gera o sentimento geral de que as aparências têm sido mais importantes do que um progresso efetivo para os menos privilegiados. Mesmo depois das eleições dos novos líderes nos níveis federal e estadual de 2014, permanece a questão se a ostentação é uma rota conveniente de prosperidade a longo prazo ou uma fachada que permanece cara.