No nosso último artigo sobre o aumento das temperaturas no Rio de Janeiro, discutimos as ilhas de calor e a distribuição desigual de calor extremo na área metropolitana. Recentemente, o Rio de Janeiro ganhou notoriedade como a cidade da América Latina que será mais severamente impactada pelos efeitos do aquecimento global. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), o Rio sofrerá um aumento de 3,8 graus Celsius até 2080. Embora o ano pareça estar longe e o incremento pequeno, estas temperaturas crescentes significarão mais dias de temperaturas extremas, como nos dias 15 e 16 de outubro do ano passado quando as temperaturas chegaram a 42.8 graus Celsius, e no final do ano, quando a temperatura chegou a 38 graus com uma sensação térmica de 55 graus Celsius.
À medida que percorremos o verão, estas temperaturas extremamente altas se tornam cada vez mais comuns. Cariocas de diferentes origens experimentam esse calor de várias maneiras. Alguns simplesmente sentem um desconforto maior em dias quentes, enquanto outros têm problemas de saúde graves como aqueles relacionados a baixa pressão arterial e desidratação.
Percepções dos cariocas sobre o calor
Com o intuito de entender melhor como os cariocas lidam com o calor, o RioOnWatch entrevistou moradores do bairro mais quente do Rio–Bangu na Zona Oeste–e dos bairros mais frescos: Leblon, Gávea, Ipanema e Jardim Botânico na Zona Sul.
Em ambas Zona Sul e Zona Oeste, os entrevistados disseram frequentemente que tomar banho e se manter hidratado eram formas de lidar com dias quentes. Alguns também mencionaram usar roupas mais leves e frescas. Dois profissionais do sexo masculino citaram que usar ternos para trabalhar era um desconforto grande nos dias de calor. Muitas pessoas disseram que se sentiam desconfortavelmente quente nas ruas e em torno de metade tenta evitar as ruas durante o verão. Aqueles que podem, assim como aposentados e estudantes com horários mais flexíveis, ficam em casa e evitam completamente sair em dias quentes.
Algumas respostas pareciam variar dependendo do bairro. Em Bangu, metade das pessoas com quem falamos disseram que se sentem desconfortáveis, sempre ou frequentemente, por conta das temperaturas altas. Na Zona Sul, por volta de um terço disse que se sentem desconfortáveis sempre ou frequentemente. Um indivíduo no Jardim Botânico citou a proximidade com a Lagoa, as praias e a floresta como tendo um efeito de resfriamento no bairro.
Em média, entrevistados em Bangu relataram passar 4,5 horas no sol todos os dias. No Jardim Botânico e no Leblon, em contraste, a maioria dos entrevistados disseram passar pouco tempo no sol, citando os deslocamentos para o trabalho e escola como a única hora que precisam estar fora. Isso indica que moradores da Zona Sul são capazes de evitar o calor de verão melhor do que os moradores de Bangu. Fatores como tempo de deslocamento mais curto, um ambiente de trabalho interno e a capacidade de manter o ambiente doméstico fresco e confortável diminuem a exposição de indivíduos aos impactos negativos do calor extremo. É importante notar que esses fatores são mais prováveis de aparecer em locais mais ricos, e muitas vezes já mais frescos, da região metropolitana.
Doenças relacionadas ao calor são motivo de uma preocupação especial, dado que elas tendem a afetar populações já vulneráveis como idosos e crianças. Dois terços dos entrevistados em Bangu disseram que eles mesmos ou alguém que conheciam tinham sido vítimas de doenças ligadas ao calor. Na Zona Sul, por volta de metade disse que conheciam alguém com uma doença relacionada ao calor. Uma pessoa da Zona Sul citou um amigo que morava na Zona Norte.
Como mitigar o calor em nossas comunidades
Por volta de metade das pessoas com quem falamos afirmaram acreditar que plantar mais árvores era uma chave para mitigar o calor intenso em suas comunidades. Pesquisas sugerem que apenas uma árvore tem o mesmo efeito de resfriamento do que cinco ar-condicionados. A quantidade de área coberta por árvores é muitas vezes relacionada a classe social. Bairros mais ricos são mais propensos a ter uma cobertura arbórea maior, permitindo mais sombra. Enquanto isso, bairros mais pobres sofrem uma escassez de árvores, muitas das vezes. No Leblon e no Jardim Botânico, por exemplo, existe fileiras de árvores em calçadas e praças, providenciando sombra e o efeito de resfriamento causado pela evapotranspiração (a liberação do vapor da água). Nas Zonas Norte e Oeste, a falta de investimento público no plantio de árvores que proporcionam sombra é notável. Além disso, de acordo com Richieri Antonio Sartori, professor de Biologia da PUC-Rio, plantar mais árvores seria útil na mitigação do calor, mas projetos voltados para a plantação de árvores são improváveis de acontecer nas Zonas Oeste e Norte.
Dado o potencial de cobertura arbórea, é lamentável que o governo tenha abandonado sua promessa de plantar entre 24 a 34 milhões de árvores até os Jogos Olímpicos de 2016. O governo estadual afirma estar atualmente desenvolvendo outros planos para expandir a cobertura arbórea na cidade como uma ferramenta para combater as temperaturas extremas.
A participação do Rio em projetos como a Rede de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Urbanas e C40 Pacto de Prefeitos implica, ao menos no papel, uma dedicação à criação de resistência aos efeitos do aumento na temperatura. Infelizmente, a aspiração de natureza a longo prazo em participar de tais pactos, significa pouco para uma implementação real que impacte a vida das pessoas aqui e agora, e pode bem ser mais um exemplo de política “Para o Inglês Ver”. Nestes dias quentes de verão, estratégias de curto prazo para diminuir o calor extremo em lugares como Bangu são cruciais para a saúde e conforto dos moradores. Um morador do Jardim Botânico disse: “O sol é um fato de vida no Rio. Temos que lidar com o calor”. Porém, moradores de outras partes do Rio precisarão de planos mais concretos que este.