Para as mulheres em todo o mundo, o Dia Internacional da Mulher é um dia de celebração. Este ano, Maria da Penha da Vila Autódromo, reconhecida pela manhã aqui no RioOnWatch, tinha planejado passar o dia comemorando. Dona Penha estava programada para falar em um painel às 14h sobre “Ser Mulher na Cidade”, como parte da mais recente conferência da série Se a Cidade Fosse Nossa, e em seguida participar de uma cerimônia de premiação às 17h na ALERJ, onde ela iria ser premiada com o “Diploma Mulher Cidadã Leolinda de Figueiredo Daltro“, por seus corajosos esforços na luta pelo direito à moradia na Vila Autódromo e em toda a cidade.
Ao invés disso, às 6h Dona Penha acordou com a Tropa de Choque cercando a sua casa, prestes a demoli-la. Ela passou a manhã removendo seus pertences restantes, e foi forçada a cancelar a sua fala às 14h. Em seguida, logo após a demolição, a comunidade recebeu a notícia de que o Prefeito Eduardo Paes agendou um coletivo de imprensa no Palácio da Cidade às 17h, horário simultâneo com a premiação na ALERJ, para anunciar seu plano de urbanização da Vila Autódromo. Resultado que deve ter relação com a crescente pressão global da campanha viral #UrbanizaJá. Porém o anúncio de urbanização não tinha sido apresentado à própria comunidade, em nenhum momento.
Os moradores da Vila Autódromo então planejaram a sua própria coletiva de imprensa fora dos portões do palácio para 16h. Dessa forma, eles poderiam compartilhar suas opiniões com os jornalistas que chegavam no local, e em seguida assistir a coletiva de imprensa do prefeito para saber de seus planos para a comunidade. Mas esta troca democrática não foi uma verdadeira opção. Ao ouvir sobre a coletiva de imprensa da comunidade, o Prefeito Eduardo Paes mudou a localização do seu coletivo de última hora. Com isso, os moradores da Vila Autódromo foram excluídos do evento onde os seus destinos seriam revelados. Eles, junto com os apoiadores, realizaram o seu coletivo de imprensa, e em seguida, foram para a ALERJ para presenciarem Maria da Penha recebendo o seu prêmio. O dia terminou com uma celebração da força e coragem de Penha, na luta para permanecer na Vila Autódromo.
Nos últimos meses, a prefeitura aumentou a pressão sobre a Vila Autódromo, localizada ao lado do Parque Olímpico. Em dezembro, os que se recusaram a sair foram ameaçados, com o Sub-Prefeito Alex Costa declarando: “Se você não sair por amor, sairá pela dor“. Com os Jogos Olímpicos a aproximadamente cinco meses, nas últimas duas semanas têm ocorrido um aumento de demolições simbólicas. A casa do presidente da Associação de Moradores, Altair Guimarães, foi ilegalmente demolida, juntamente com o edifício da Associação de Moradores e as ameaças de demolição da casa de Maria da Penha. Preocupados com essas ameaças, centenas de apoiadores ficaram de vigília, mantendo uma presença constante na comunidade, em proteção a estes proeminentes líderes da comunidade que lutaram por longo tempo por suas casas e comunidade. Terça-feira, no entanto, às 6h, a prefeitura enviou cerca de 100 Guardas Municipais, que ao invés de entrarem por uma das principais entradas da comunidade, entraram pelo Parque Olímpico, desmontando uma cerca existente para ter acesso a casa de Dona Penha.
Após cercar a casa de Dona Penha, eles aguardaram a remoção do resto de seus pertences antes de mover os moradores e apoiadores para trás do cordão de isolamento em preparação para a demolição. A demolição começou sem nenhuma supervisão de um engenheiro e sem água pulverizada sobre os escombros–o que reduz a poeira e é fundamental quando se considera a presença de um bebê de um mês na casa vizinha, de Márcio e Rafaela. Nathalia, filha de Maria da Penha, condenou o fato da demolição ter ocorrido no Dia Internacional da Mulher. Apoiadores e moradores gritavam “Urbaniza Já, a Vila Vai Ficar!”. E alguns destacaram o contraste entre as ações da Prefeitura e o lema nacional “Ordem e Progresso”.
Após a demolição, a Guarda Municipal dispersou, retornando para o Parque Olímpico pela abertura que eles tinham feito na cerca. Logo depois, no entanto, eles voltaram, cercando a casa de Márcio e Rafaela e seus quatro filhos, incluindo Sofia de um mês de idade. Com as crianças colocando suas cabeças para fora da porta aterrorizadas e confusas, os moradores e apoiadores correram para a casa, temendo uma demolição ilegal. Alguns foram capazes de passar para dentro do cordão de isolamento da Guarda Municipal, mas quando o marido de Penha, Luiz, tentou passar para se juntar a eles, ele foi empurrado para trás com escudos. Depois de alguns momentos tensos, Márcio e os defensores públicos disseram aos soldados da Guarda Municipal que eles não podiam, legalmente, estar lá, e eles foram embora, desaparecendo tão rapidamente quanto haviam aparecido. A moradora Sandra Maria alegou que os guardas estavam tentando mover o muro que separa a comunidade e o local da construção do Parque Olímpico Rio 2016, isolando a casa de Márcio. Uma tática semelhante de isolamento e intimidação tinha sido usado contra Heloisa Helena, cuja casa e local religioso foram demolidos há duas semanas.
Maria da Penha falou para uma multidão de jornalistas reunidos na comunidade que testemunharam a demolição: “hoje, no Dia Internacional da Mulher, demoliram a minha casa, uma história de vida, mas não me demoliram… Isto é como as coisas funcionam neste país. Para megaeventos, eles tiram a sua casa e você está na rua”. Ela reafirmou seu desejo de ficar, dizendo que “agora a luta é para eu ficar na Vila Autódromo… a luta continua”. Como Dona Penha, Luiz Claudio falou com a mídia presente, e os apoiadores ajudaram a levar seus pertences para Igreja Católica da comunidade, onde irão ficar.
À medida que a poeira assentou sobre os escombros da casa de Penha, o Prefeito Eduardo Paes, que tem repetidamente prometido que aqueles que querem ficar na Vila Autódromo podem ficar, anunciou um coletivo de imprensa no Palácio da Cidade em Botafogo às 17h, onde ele iria revelar seus planos de urbanização para Vila Autódromo. Nas últimas semanas centenas de pessoas em todo o Rio, no Brasil, e cada vez mais internacionalmente têm participado de uma campanha viral crescente endereçada ao prefeito para manter sua promessa de urbanização imediata da comunidade (#UrbanizaJá).
Os moradores e apoiadores rapidamente planejaram seu próprio evento fora do Palácio às 16h para comunicar com a imprensa a sua perspectiva sobre a história e renovar as suas chamadas para a implementação do premiado Plano Popular, um plano que foi desenvolvido pela comunidade, de forma iterativa, com planejadores urbanos de ambas as universidades federais do Rio de Janeiro respondendo todas as alterações feitas no adjacente plano do Parque Olímpico, desde 2012. Eles, então, tinham planejado participar em seguida da coletiva de imprensa do prefeito para descobrir o que ele iria apresentar como o plano para a sua comunidade, um plano que ele ainda não tinha apresentado aos moradores.
Às 16h, então, os moradores falaram com os meios de comunicação fora dos portões do Palácio, enquanto os apoiadores exibiam cartazes na passagem do trânsito. Principais veículos brasileiros de comunicação participaram da conferência, incluindo o Globo, Record e SBT. Maria da Penha disse à imprensa: “Essa medalha vai me fortalecer para continuar firme na luta… a luta continua”. Os moradores e apoiadores clamavam pela urbanização com os gritos “Urbaniza Já, a Vila vai Ficar!”, antes de explicar e distribuir informações sobre o premiado Plano Popular. A mídia internacional também cobriu, amplamente, a demolição da casa de Penha e os eventos de terça-feira.
Foi durante essa conversa com a imprensa na frente do local previsto para a coletiva de imprensa com o prefeito que os moradores descobriram que o gabinete do prefeito, repentinamente, mudou a hora e o local de seu evento. Eduardo Paes iria então falar no Centro de Operações, na Cidade Nova, às 16:30h. Uma viagem que demora meia hora nas melhores circunstâncias, agora no horário de rush, impossibilitou que os moradores ouvissem o prefeito revelar seu plano pretendido. Uma equipe do RioOnWatch chegou ao Centro de Operações na Cidade Nova a tempo para o evento, mas a entrada foi recusada. Foi dito a eles que somente jornalistas que estavam em lista privada poderiam participar.
O professor de Planejamento Urbano da UFRJ, Carlos Vainer, que coordenou o Plano Popular da Vila Autódromo, definiu o plano do prefeito como “ridículo.” Ele continha 30 casas, em oposição as 50 necessários para abrigar as famílias restantes incluídas no Plano Popular, e as casas seriam significativamente menores que as dos atuais moradores. Elas seriam todos posicionadas em torno de um espaço comum, que Vainer condenou como um projeto que simplesmente dá a aparência de comunidade, em vez de realmente promovê-la. Na verdade, a reformulação completa da comunidade pelo plano do prefeito é característica de renovação urbana, e não de urbanização, como o prefeito prometeu. Uma matéria do Globo da coletiva de imprensa do prefeito relata que a prefeitura tem estado em constante diálogo com a Vila Autódromo, insistindo que os moradores “queriam receber um valor muito alto pelas casas“. Os moradores remanescentes, no entanto, são aqueles que não negociaram com a prefeitura em nenhum momento–e eles são reconhecidos internacionalmente pela sua mensagem de que nem todo mundo tem preço.
Depois que os moradores e apoiadores reunidos no Palácio souberam da mudança de planos feitos em relação à coletiva de imprensa do prefeito, eles rapidamente se encaminharam para a ALERJ, onde Maria da Penha foi receber o prêmio como parte do Dia Internacional da Mulher. Quando eles chegaram, um comício defendendo o direito reprodutivo das mulheres, os direitos econômicos e culturais, bem como a consciência em relação à violência contra a mulher já estava em andamento. No interior, Penha pegou o microfone para falar à multidão reunida, de mais de 500 pessoas. Muitos dos ativistas já sabiam sobre o transtorno que Penha tinha passado no dia, e suas palavras foram acompanhadas com gritos de “Somos todos Dona Penha. Somos todos companheiros. Somos todos Vila Autódromo”.
A luta de Penha foi igualmente reconhecida dentro dos corredores da ALERJ. A Deputada Enfermeira Rejane abriu o evento destacando Penha entre as dez mulheres que estavam sendo homenageadas e fazendo um chamado à administração de Eduardo Paes por suas ações: “Não é só uma casa; é a falta de diálogo “.
Desde 2004, a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia do Estado do Rio de Janeiro homenageia mulheres do Estado que lutam para o avanço dos direitos humanos e das mulheres com o Diploma Mulher Cidadã Leolinda de Figueiredo Daltro. Com sua família e dezenas de adeptos presentes, Maria da Penha e sua luta pelos direitos das comunidades e da habitação em face aos Jogos Olímpicos era uma favorita da multidão, que protestou quando a deputada Rejane agradeceu ao Prefeito Eduardo Paes por seu papel na cerimônia. Ao receber o prêmio, Penha dedicou a seus apoiadores e aos moradores da Vila Autódromo, que lhe dão a força e amor que ela precisa para continuar na luta pela Vila Autódromo.