Os museus comunitários do Rio de Janeiro são muitas vezes desvalorizados, negligenciados e subfinanciados, mas agora, também, vários deles estão sob ameaça de remoção.
“Nesses museus o foco de interesse não é simplesmente a preservação de objetos. O foco de interesse está na convivência humana. São museus que consideram que o seu maior patrimônio é a vida humana”, explica Mário Chagas, museólogo e profissional chave na criação de museus comunitários.
Estes museus são na maioria das vezes importantíssimos para suas comunidades. Criados por moradores e colaboradores locais, muitas vezes sem quase nenhum apoio do Estado, os museus com base em favelas são alguns dos mais inovadores e criativos, porque eles têm de pensar em soluções originais para os desafios inerentes que surgem, em vez de depender de grandes investimentos.
Eles fornecem espaços públicos vitais, polivalentes que, por exemplo, podem receber eventos públicos, aulas para crianças e muitas outras atividades benéficas.
Os museus comunitários também desempenham um papel no aumento da autoestima de uma comunidade. Emerson de Souza, museólogo, morador do Horto e coordenador do Museu do Horto diz: “É o que falo para as pessoas aqui. Se nós não damos valor à nossa própria história, ninguém mais vai dar… Nós temos que trabalhar nisso. Pela autoestima das pessoas, é importante que eles se vejam, que se reconheçam na história da humanidade”.
Museu da Maré
O Museu da Maré foi um dos primeiros museus comunitários do tipo no Rio. Baseado no Complexo da Maré na Zona Norte do Rio, ele foi inaugurado em maio de 2006 e agora, chegando ao seu 10º aniversário, está enfrentando a ameaça de remoção.
Dirigido pela ONG CEASM (Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré), o Museu da Maré está sediado em uma fábrica abandonada que os membros da comunidade renovaram e transformaram em um espaço premiado. A equipe do museu negociou com a empresa proprietária do edifício a fim de obter permissão para ocupá-lo, e esperou pela prorrogação do seu contrato.
No entanto, apesar dos elogios internacionais e da importância do museu para o local, a empresa exigiu a devolução do prédio e a remoção do museu sem fornecer uma explicação de suas razões ou oferecer uma alternativa.
As ameaças de remoção retornaram em 2014. Organizadores e apoiadores do Museu protestaram e planejam lutar pela permanência do museu. A data atual de remoção está definida para o dia 1 de maio, Dia Internacional dos Trabalhadores, irônico, dado o papel do museu que celebra a vida dos trabalhadores e as lutas dos moradores das favelas. Também está há apenas uma semana do 10º aniversário do museu, em 8 de maio.
O Museu da Maré ganhou reconhecimento internacional e seus organizadores apresentaram as suas ideias e o modelo do museu no Reino Unido, Holanda, África do Sul e México, entre outros países. Em 2006, o museu foi condecorado com a Ordem do Mérito Cultural pelo governo brasileiro.
Mais importante, o museu é um enorme sucesso dentro da comunidade. Uma biblioteca, espaços de exposição de curto e longo prazo, um laboratório de informática e espaços de administração estão entre os serviços oferecidos aos moradores da Maré. “‘O livro de assinaturas de visitantes e o livro de depoimentos são indicadores claros dos impactos gerados pelo Museu na vida da comunidade. Projetos e espetáculos de música, dança, teatro, artesanato, capoeira, contação de histórias, além de cursos, oficinas e seminários fazem parte do cotidiano do Museu”, diz Chagas.
Ele chama a ameaça de remoção de “uma insensibilidade total, uma falta de atenção para a comunidade, uma falta de atenção com os benefícios sociais que o museu gera”.
Museu de Favela
O Museu de Favela (MUF), um museu criado por lideranças das favelas Cantagalo e Pavão-Pavãozinho na Zona Sul, também está enfrentando a ameaça de remoção.
Descrito como um “museu territorial vivo”, todos os 12 hectares dessas favelas são consideradas parte do MUF. Bem como uma galeria a céu aberto de casas pintadas, a sede e base de operações fornecem ao museu um espaço físico vital.
A sede abriga exposições, biblioteca, loja de presentes, e o centro administrativo do museu. Ela também é usada para abrigar aulas de balé e capoeira para crianças: tem um amplo terraço onde a comunidade tem um lugar para fazer festas e para assistirem a exibição de filmes.
A equipe do museu criou esta sede com a ajuda de fundos públicos da Secretaria da Cultura do Estado do Rio de Janeiro e do Ministério da Cultura. Eles entraram em um acordo com a igreja católica local para reformar e usar seu piso superior que estava abandonado e que foi deixado em condições precárias. O MUF foi renovado no segundo andar e construíram um terraço com vista panorâmica.
A situação mudou recentemente após a saída do padre com quem o MUF tinha o contrato e que sempre desfrutaram de um bom relacionamento. Em substituição exigiram a devolução do segundo andar do edifício o que também serviu como um aviso de remoção para o MUF. O aviso com a ameaça de remoção ao Museu é para o final deste mês, em 26 de abril.
Criado por moradores e líderes comunitários das três favelas-gêmeas, o MUF tem desempenhado um papel central na comunidade desde que foi lançado em fevereiro de 2007. Uma trilha de 27 casas, cada uma pintada com grafites coloridos, leva os visitantes a percorrer as favelas, descobrindo diferentes aspectos relevantes da história da comunidade desde os primeiros moradores do morro até suas lutas atuais.
O museu tem sido um grande sucesso. Junto com a principal função do MUF como ponto central da comunidade, ele também desempenha um papel na promoção do reconhecimento da vida e da cultura dos moradores de favela. Uma exposição anterior no MUF, “Mulheres Guerreiras”, celebrou a vida de mulheres locais e realizou uma campanha de captação colaborativa para mostrar a exposição em todo o Brasil.
Os organizadores do museu estão otimistas de que eles podem lutar contra a decisão e permanecerem no edifício. Eles recentemente se encontraram com um representante da igreja para discutir a remoção e defender o seu caso.
Museu do Horto
O Museu do Horto é também um museu territorial que considera toda a comunidade como seu local de reconhecimento e preservação, semelhante ao MUF. Documenta as origens da comunidade desde centenas de anos. Criado em 2010 por moradores, o museu atualmente não tem um espaço físico. O clube social onde ele foi baseado foi removido em 2014. Em vez disso, a sua coleção de documentos históricos podem ser visualizados online e no Facebook.
O coordenador do Museu do Horto e morador da comunidade há muitos anos, Emerson de Souza, descreve as dificuldades de operar sem uma base física: “É bem complicado isso porque ele [o museu] não tem o reconhecimento merecido na comunidade, porque as pessoas tem a visão de museu como um local onde você vai visitar, e vai encontrar tudo, o acervo, a história. E a gente não trabalha assim ainda… a gente trabalha muito de forma virtual. A gente tem que fazer também o trabalho de levantamento histórico, da memória histórica local”.
Além de ter perdido sua sede, o museu está agora sob ameaça porque a própria área está sob ameaça: uma grande área da comunidade foi marcada para ser removida, a fim de aumentar a área disponível para a área de pesquisa do Instituto do Jardim Botânico. Entre 520 de 619 famílias foram informadas que suas casas serão removidas, quase 85% da comunidade.
Moradores e apoiadores da comunidade estão protestando para destacar a luta dos moradores contra a remoção, em meio a temores de que ordens de remoção e as desinformações possam ser utilizadas para aumentar a pressão psicológica sobre os moradores.
O museu tem desempenhado um papel importante na luta contra a remoção. Emerson de Souza diz: “Ele tem ajudado a dar legitimidade [para a comunidade] e provou que o que muitas pessoas estavam dizendo estava errado: que os moradores são invasores do parque. Através da nossa pesquisa, conseguimos mostrar o limite do Jardim Botânico e além desse limite, que os moradores têm vivido aqui desde 1887″.
O museu espera ganhar a luta contra a remoção e mais uma vez estabelecer um espaço físico para o seu trabalho.