A cada ano, a Anistia Internacional divulga um relatório sobre o estado dos direitos humanos em 169 países e territórios. Em 22 de fevereiro, no Cine Odeon, na Cinelândia, no Centro do Rio, a organização marcou o lançamento do relatório com uma mesa de debates sobre direitos humanos, justiça e violência nas Américas, conduzido por mulheres negras de diferentes países. Jurema Werneck, nova diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Djamila Ribeiro mestre em Filosofia Política pela UNIFESP, Vilma Reis socióloga e ouvidora-geral da Defensoria Pública do Estado da Bahia, Marion Gray-Hopkins, cujo filho foi assassinado pela polícia nos Estados Unidos e Shackelia Jackson, que teve o irmão assassinado pela polícia na Jamaica, conduziram o debate de terça-feira.
Este ano, o capítulo do Brasil no relatório destaca as contínuas altas taxas de homicídio e a violência generalizada por todo o país. Segundo o informe “jovens negros, principalmente os que moram em favelas e periferias, foram desproporcionalmente afetados pela violência por parte de policiais. Defensores e defensoras dos direitos humanos, em especial os que defendem os direitos a terra e ao meio ambiente, enfrentaram cada vez mais ameaças e ataques. A violência contra mulheres e crianças continua sendo uma prática comum. As violações de direitos humanos e discriminação contra refugiados, solicitantes de refúgio e migrantes se intensificaram”.
Em 2014, a Anistia Internacional Brasil lançou a campanha Jovem Negro Vivo para chamar atenção para o número evidente de homicídios entre jovens nas comunidades pobres e negras do Brasil. No entanto, desde então, o número de jovens negros vitimados pela violência policial permanece alto e chegou a aumentar em diversos estados. No Rio de Janeiro, por exemplo, 811 pessoas foram mortas pela polícia entre janeiro e novembro de 2016. E enquanto o Rio de Janeiro recebia milhares de turistas internacionais para os Jogos Olímpicos, o número de civis assassinados pela polícia na preparação para os jogos aumentou em 103% em comparação ao mesmo período no ano de 2015.
Mulheres e garotas brasileiras têm também sofrido incrivelmente neste último ano. “De janeiro a novembro, havia 4.298 casos de estupro reportados no Estado do Rio de Janeiro, 1.389 deles na capital”, apesar da pioneira lei Maria da Penha ter sido aprovada em âmbito federal há uma década.
Além de rever os principais pontos do relatório anual, as palestrantes também detalharam o papel das mulheres negras nos movimentos de direitos humanos. “Ser mulher negra no contexto das violações dos direitos humanos no Brasil é enfrentar todo dia, desde do primeiro instante, desde da primeira respiração, a necessidade de confrontar o peso e a força desse inimigo chamado racismo, desse inimigo chamado sexismo, desse inimigo chamado pobreza, exclusão, desvalorização”, explicou Jurema Werneck. “Ser uma mulher negra neste país, vivendo na favela, significa acordar todos os dias dizendo mais uma vez: ‘Eu vou seguir em frente’. Ser uma mulher negra no Brasil significa ter seu filho morto, seu filho desaparecido, e ainda assim, não desistir”.
As palestrantes convidadas trouxeram cada uma um histórico único, formando um número de experiências diversas, porém elas todas estão de acordo que as mulheres negras de todos os lugares podem ser a voz da mudança pelos direitos humanos nas comunidades marginalizadas. Sueli Carneiro, mediadora da mesa redonda, resumiu: “as mulheres negras são aquelas que falam por todas nós”.