Leia a matéria original por Anna Jean Kaiser em inglês no site do The New York Times aqui. O RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam ter acesso e acompanhar temas ou análises cobertos fora do país que nem sempre são cobertos no Brasil.
Menos de seis meses após os Jogos terminarem, muitos locais foram abandonados, apesar das promessas do governo de não deixar “nenhum elefante branco” para trás.
Não é raro que as Olimpíadas deixem para trás algumas instalações desnecessárias. O Rio, no entanto, está experimentando algo excepcional: em menos de seis meses após o término dos Jogos Olímpicos, o legado Olímpico da cidade anfitriã está deteriorando rapidamente.
Edifícios Olímpicos vazios abundam, erodindo qualquer sensação de alegria que resta das competições do ano passado. No Parque Olímpico, algumas entradas do estádio estão bloqueadas com tapumes, e os parafusos estão espalhados pelo chão. A arena de handebol está bloqueada com barras de ferro. O centro de transmissão permanece parcialmente desmontado. A piscina de aquecimento está decorada com pilhas de sujeira e poças.
Deodoro, um bairro de baixa renda na periferia do Rio, tem o segundo maior conjunto de locais Olímpicos. O circuito de canoagem slalom deveria ser convertido em uma gigantesca piscina pública. Porém, foi fechado ao público em dezembro. Hoje, os moradores enchem piscinas de plástico a algumas centenas de metros de distância.
“O governo colocou açúcar em nossas bocas e tirou-o antes que pudéssemos engolir”, disse Luciana Oliveira Pimentel, uma assistente social de Deodoro, enquanto seus filhos brincavam em uma piscina de plástico. “Uma vez que os Jogos Olímpicos terminaram, eles voltaram suas costas para nós.”
Autoridades Olímpicas e organizadores locais muitas vezes se vangloriam sobre o legado dos Jogos–os benefícios residuais que uma cidade e país experimentam muito tempo após o fim das competições. Essas projeções são muitas vezes vistas com ceticismo pelo público e por economistas independentes, que argumentam que as propostas Olímpicas são construídas com desperdício de dinheiro público. O Rio tornou-se rapidamente o mais recente, e talvez o mais notável, caso de promessas não cumpridas e abandono.
“Está totalmente abandonado”, disse Vera Hickmann, 42, que esteve no Parque Olímpico recentemente com sua família. Ela lamentou que, embora a área esteja aberta ao público, faltam serviços básicos.
“Eu tive que levar meu filho para o mato para ir ao banheiro”, disse ela.
Na Vila dos Atletas, do outro lado da rua do Parque, as 31 torres deveriam ser vendidas como condomínios de luxo depois dos Jogos, mas menos de 10% das unidades foram vendidas. Do outro lado da cidade, no estádio do Maracanã, um templo do futebol, o campo está marrom, e a eletricidade foi desligada.
“O governo não tinha dinheiro para dar uma festa como essa, e somos nós que teremos que nos sacrificar”, disse Vera, referindo-se aos contribuintes locais.
Nos preparativos para os Jogos, a cidade do Rio prometeu “não ter elefantes brancos”, e delineou planos para que as instalações fossem transformadas em áreas esportivas públicas e escolas. A arena que hospedava o taekwondo e a esgrima devia ser transformada em uma escola. Duas outras arenas deveriam ser desmontadas, e remontadas em conjunto para abrigar quatro escolas em outra área. Nada disso aconteceu.
A Prefeitura disse que esses planos ainda estavam em andamento, mas não ofereceu um prazo concreto.
A decadência dos locais Olímpicos está acontecendo ao mesmo tempo em que ocorre uma crise financeira que envolve governos federais, estaduais e municipais. “A nação está em crise, o Rio de Janeiro está em crise–é hora de ser cauteloso”, disse Marcelo Crivella, que se tornou prefeito em 1º de janeiro, aos membros da Câmera Municipal.
“Gastos estão proibidos”, acrescentou.
O prefeito do Rio durante os Jogos, Eduardo Paes, esteve entre os mais fortes evangelizadores de um legado Olímpico. Ele disse em um e-mail que era muito cedo para chamar qualquer um dos locais de elefantes brancos e que “o caminho para implementar um legado foi dado”.
Depois dos Jogos, a prefeitura realizou um leilão para empresas privadas para licitar a administração do Parque Olímpico, mas não havia licitantes. Isso deixou o Ministério do Esporte, um órgão do governo federal, com o encargo financeiro. O Ministro do Esporte, Leonardo Picciani, disse em uma entrevista que o objetivo da agência era encontrar uma empresa privada para assumir o Parque, mas porque não houve nenhum interesse, é responsabilidade do governo manter os locais.
Picciani também disse que os estádios não se tornariam relíquias onerosas, apontando para vários eventos esportivos programados para este ano no Parque Olímpico, juntamente com programas de treinamento esportivo.
Renato Cosentino, pesquisador do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR), da UFRJ, que estuda a região do Parque Olímpico, disse que o parque “nasceu como um elefante branco”, porque foi construído em uma região rica que abriga apenas cerca de 5% dos 6,3 milhões de moradores do Rio de Janeiro.
Ter a maioria de investimento lá, ele disse, prova que os Jogos Olímpicos foram feitos para servir às empreiteiras, que assumiram grande parte das construções para os Jogos em troca de poder construir no local mais tarde, o que é conhecido como uma parceria público-privado.
Mas até mesmo as expectativas dos empreiteiros não se cumpriram. Os gigantes da construção Carvalho Hosken e Odebrecht assumiram o projeto de construção da Vila dos Atletas na esperança de vender as acomodações como condomínios de luxo após os Jogos, confiando que a área se tornaria um bairro desejável para a elite da cidade. Nas 31 torres de 17 andares que compõem a vila, apenas 20 unidades foram vendidas desde o início dos Jogos Olímpicos em agosto, elevando o total vendido para 260, de 3.604 apartamentos.
Em uma corrida para vender os apartamentos antes que a Carvalho Hosken se responsabilize por cerca de US$6,5 milhões em pagamentos de juros mensais (anteriormente pagos pelo comitê organizador local para os Jogos Olímpicos), a empresa está em processo de fechar um acordo com a prefeitura para vendê-los a funcionários públicos, como militares, a preços descontados com baixas taxas de juros, segundo o jornal O Globo.
O famoso estádio de futebol do Rio, Maracanã, que abrigou as cerimônias de abertura e encerramento, também caiu em ruínas, com o campo marrom, milhares de assentos desarraigados, televisões desaparecidas e quase US$1 milhão em dívidas à Light. O consórcio que normalmente administra o estádio, Maracanã S.A., afirma que a Rio 2016 e o governo do Estado do Rio não cumpriram o contrato que obrigava-os a manter o estádio e devolvê-lo no estado em que foi entregue.
O degradado bairro de Deodoro era um ponto de discussão favorito para as autoridades Olímpicas antes e durante os Jogos. Vários locais–incluindo aqueles para eventos equestres, tiro e o campo de hóquei–foram construídos lá, anunciado como um exemplo brilhante de como os Jogos Olímpicos podem levantar uma área arruinada.
O carro-chefe, entretanto, era a piscina gigante, usada como o circuito de canoagem slalom, que foi aberta ao público antes dos Jogos.
Quando a piscina abriu, o Sr. Paes, o prefeito da época, sorriu. “Nós fizemos um legado adiantado aqui”, disse. “Acho que isso é algo inédito na história das Olimpíadas.”
A piscina agora está fechada, embora as temperaturas estejam regularmente por volta de 40ºC, e o bairro esteja a uma longa viagem de ônibus das praias do Rio. O atual prefeito, Sr. Crivella, novamente disse que a prefeitura pretende reabrir a piscina o mais rapidamente possível, mas ele não estipulou uma data.
Perto, a favela do Triângulo foi parcialmente removida para dar lugar a linhas rápidas de ônibus (BRTs) que foram expandidas antes das Olimpíadas. Várias casas e a praça da comunidade, seu principal espaço de lazer, foram removidas para a construção.
Hoje, há uma rotatória para os ônibus sobre onde a praça costumava ser, mas os moradores não têm acesso aos ônibus. Dizem que lhes foi prometido um terminal de ônibus e um novo espaço de lazer, mas nenhum deles chegou.
“O governo, os empresários nos enganaram“, disse Camila Felix Muguet, 36, que perdeu parte de sua casa e seu quintal para o projeto. “Eles vieram, roubaram, e disseram adeus. Agora eles se foram, e onde estão nossas melhorias?”
Senhora Pimentel, moradora de Deodoro cujos filhos estavam brincando em uma piscina de plástico, disse que ela sempre suspeitou que a piscina pública não iria durar.
“As Olimpíadas acabaram, Deodoro acabou”, disse ela, balançando a cabeça. “Nós seremos esquecidos.”