Um grupo íntimo está sentado em dois bancos de madeira em um estacionamento. Em alguns pontos o asfalto foi removido e há várias construções indígenas de bambu na fase inicial. O sol da tarde está queimando, não há nenhuma sombra para se abrigar. O grupo está discutindo métodos de reflorestamento, a toxicidade das sementes de tomate e as espécies invasivas nas florestas brasileiras. Isto é parte de uma oficina de “Vivência de Reflorestamento” realizado na Aldeia Maracanã. No coração urbano do Rio, este é o nome da comunidade indígena que ocupa o terreno desde 2006.
Múltiplas pistas e o enorme estádio Maracanã abandonado rodeiam esta região altamente pavimentada da Zona Norte do Rio, onde cerca de uma dúzia de pessoas vivem para cuidar do espaço. Eles são os membros remanescentes da Aldeia Maracanã, uma comunidade indígena urbana que ocupava o antigo Museu do Índio, também no local, mas que tem sido considerado inseguro para ser ocupado desde a última remoção. Duas vezes eles foram removidos, inclusive em 2013 quando foi decretado que o Museu iria tornar-se o Centro de Referência da Cultura Indígena a tempo para os Jogos Olímpicos de 2016. De fato, de 1953 a 1977 o antigo prédio havia sido o Museu do Índio dedicado à cultura indígena no Brasil, o primeiro deste tipo na América Latina.
Porém o Centro de Referência da Cultura Indígena nunca se concretizou. Ao invés disso, o governo não apenas deixou o prédio abandonado–o que a comunidade indígena considera proposital, a fim de deixar o prédio se degradar ao ponto de se criar desculpa para a demolição–mas também pavimentou a área arborizada e o histórico local de pesquisa botânica ao lado, do antigo LANAGRO (Laboratório Nacional Agropecuário), criando um estacionamento a mais–porém nunca usado–para o estádio Maracanã. Recursos públicos foram usados para extensas modificações ao famoso estádio de futebol onde as cerimônias de abertura e encerramento das Olimpíadas foram realizadas. “A passarela de pedestres que passa sobre o local custou R$14 milhões”, diz Paulo César Vidal, um defensor da comunidade indígena. “Mas ninguém a usa”.
O Estádio do Maracanã inteiro tornou-se “um estádio fantasma”, conforme Paulo César Vidal. “As pessoas que o construíram–Marcelo Odebrecht, Eike Batista, Sérgio Cabral–estão todos presos. Tudo está paralisado. Antes das Olimpíadas, havia uma piscina aberta a todos e um espaço esportivo público. Destruíram isso também. Pelo menos pudemos combater os planos para um shopping center que queriam construir lá (no terreno do Museu do Índio)”.
Devido à promessa não cumprida do estado, em novembro os habitantes indígenas do Museu que foram removidos à força pela Polícia Militar em 2013, e não estavam entre aqueles que receberam habitação pública do estado, voltaram ao local com a intenção de retomar o estacionamento como uma Universidade Indígena no centro do coração urbano do Rio. Um lugar para disseminar conhecimento indígena sobre agricultura e sustentabilidade.
Korubo, que chegou ao Rio há cinco anos vindo do Acre, onde a sua tribo ainda vive, explicou, “Queremos mostrar à sociedade que os índios estão fazendo coisas boas. Veja as pessoas correndo neste lugar [Rio de Janeiro]. O ar que respiram é tão poluído pelos carros. Se perguntarem a eles, com certeza prefeririam ter algumas árvores”.
Pedro Lima, um artista de rua cujo bisavô era indígena, é outro morador da comunidade. Ele veio para cá há dois meses, à procura de um lugar tranquilo e “para salvar um pouco da sua ascendência”. Pedro gosta de trabalhar na comunidade. “Não tenho a impressão que estamos construindo uma aldeia indígena dentro da cidade. Para mim, parece o oposto. Os indígenas estavam aqui muito antes de haver a cidade. A ideia é construir um lugar onde as pessoas possam recuperar-se um pouco da sociedade moderna”.
Agora ele carrega água em garrafas plásticas para regar as plantinhas que estão crescendo timidamente nas fendas quebradas à beira do asfalto: milho, abóbora, repolho selvagem, entre outras. É difícil, pois não há água corrente e às vezes o local fica sem chuva durante semanas. Para acessar a água, os membros da comunidade atravessam duas avenidas principais e descem por um canal de concreto. Às vezes um posto de gasolina próximo fornece água. É por isso que a construção de uma bacia de águas pluviais também faz parte da oficina.
No segundo dia da oficina, o grupo aprendeu sobre adubação verde, ao incorporar o composto de folhas e lixo orgânico ao solo compactado e sem nutrientes escavado sob o asfalto removido. Em especial, eles discutiram sobre adubação verde leguminosa, e introduziram várias sementes não-convencionais que podem ser plantadas nessas condições difíceis para retomar o solo através da fixação intensa de nitrogênio. Um deles soa como uma pequena maraca ao ser sacudido. O plano do grupo é reflorestar todo o estacionamento como um projeto coletivo, convidando mais e mais apoiadores para juntar-se a eles e adquirirem durante o processo conhecimentos indígenas. O aprendizado pode ser levado para outros cantos da cidade, para ajudar a construir um Rio mais sustentável.
Após a apresentação teórica da oficina terminar e a noite cair, os integrantes pegaram uma picareta e um carrinho de mão para retirar mais pavimentação. Apesar das ameaças de remoção estarem afastadas, o conflito permanece. E uma vantagem, devido a construção mal executada na preparação das Olimpíadas, é que em alguns lugares o asfalto já está se desfazendo sem qualquer influência humana.
Korubo convida quem puder colaborar a lhes ajudar a adquirir 1000 mudas. Ele aponta para o caminho das formigas aos seus pés: “Veja, temos muitas formigas morando aqui. Esta está carregando uma folha. Já estão nos ajudando com o reflorestamento”. Mesmo que leve algum tempo para uma floresta crescer aqui, ele está otimista: “O povo indígena tem mais de 500 anos de experiência resistindo. Ficaremos”.