No dia 27 de julho, organizações comunitárias, municipais e ambientais se reuniram na Maré para discutir os 22 anos desde que o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) teve início e as infelizes consequências de duas décadas de políticas públicas que fracassaram na limpeza da baía na região. A poluição da Baía de Guanabara ficou famosa no mundo inteiro um ano atrás quando os atletas Olímpicos foram submetidos à contaminação, fruto de contínuas tentativas de despoluição fracassadas.
No evento de quinta-feira, a relação entre poluição, qualidade de vida dos moradores e a baía foi dissecada, levando os membros da platéia a entender a interligação entre estas questões. O evento é parte de uma série de sessões a serem realizadas em diferentes comunidades ao longo do Canal do Cunha, uma via fluvial na Zona Norte que escoa para a baía e é considerada a via mais poluída da baía. Embora tenha sido contemplada pelo PDBG em 1995, que foi financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pela Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA), o esgoto da região não foi canalizado corretamente e, como resultado, os moradores convivem com seus rios locais como valões fétidos. Essas condições afetam desproporcionalmente moradores de favelas.
O evento de 27 de julho foi organizado por uma coalizão da sociedade civil, incluindo a Baía Viva, o Observatório de Favelas, a Redes de Desenvolvimento da Maré e o Grupo de Articulação dos Povos da Sub-bacia do Canal do Cunha. No local do evento, o Centro de Artes da Maré, foi criada uma exposição usando rede de pesca e cortes de jornais para mostrar a cronologia da resistência dos pescadores da Maré e da poluição da baía. À medida em que os participantes chegavam, uma tela mostrava clipes dos pescadores da Maré no trabalho, separando pedaços de lixo de seus pescados.
A primeira apresentação de um representante da Redes da Maré discutiu a relação histórica da Maré com a água, apontando que as moradias na Maré começaram como palafitas. A apresentação observou a mudança dramática na paisagem da baía nas proximidades com o estabelecimento do campus da UFRJ na artificialmente criada Ilha do Governador.
Em seguida, os participantes assistiram um vídeo produzido pela Fiocruz, que focou nas vias fluviais da Zona Norte. O vídeo ressaltou os projetos ambientais na Zona Norte, como o Verdejar do Alemão. O vídeo identificou fontes regionais de poluição, como a refinaria de petróleo de Manguinhos e a construção da Avenida Brasil, ao mesmo tempo em que apontou que a tecnologia para limpeza da baía existe, e que cidades já limparam com sucesso corpos de águas mais poluídos.
Depois disso, membros do painel se apresentaram e realizaram breves apresentações de seus trabalhos. O painel, mediado por Sérgio Ricardo do Baía Viva, incluiu Carlos Braz, representante da CEDAE, Ronaldo Teixeira, representante da COMLURB, o presidente da Associação de Moradores Roquete Pinto e um representante da Secretaria Municipal de Meio Ambiente.
Carlos Braz apresentou os desenvolvimentos recentes do sistema de esgoto da cidade e propôs uma extensão até a Maré, o Alemão e Manguinhos. Ele explicou que, embora esses projetos já tenham sido planejados detalhadamente, “hoje estamos batendo no problema de falta de recursos”. Esse ponto foi discutido posteriormente pelos participantes.
Tanto o representante da COMLURB quanto o representante da Secretaria Municipal de Meio Ambiente falaram brevemente sobre seus trabalhos. O porta-voz da Secretaria descreveu um programa de educação ambiental chamado De Olho no Lixo que funciona em Roquete Pinto e na Praia de Ramos, comunidades no entorno do Canal do Cunha na Maré. O programa inclui a educação de jovens sobre a baía e o empoderamento dos jovens para se tornarem protetores comunitários da água. Ele explicou que os jovens no programa às vezes sentiam uma distância entre sua comunidade e a Baía de Guanabara, associando-a mais à imagem de um cartão postal do que à imagem das águas poluídas que cercam sua comunidade. Ele também enfatizou a importância de que os jovens circulem mensagens de proteção ambiental pela comunidade.
Após essas apresentações, o público começou a responder às ideias apresentadas. A diretora do Maré Sem Fronteiras, um projeto da Redes da Maré, explicou como os esforços para reduzir a poluição na Maré e para fornecer serviços melhores são sobre a melhoria da qualidade de vida da comunidade. Ela disse que eles devem ser pensados como tal, em vez de serem pensados como esforços para “eliminar” um risco ou um problema. Outros questionaram a validade das alegações dos representantes da prefeitura de que não há fundos para começar projetos de infraestrutura na Zona Norte. Um representante da Redes chamou atenção para o fato de que o Plano Estratégico da Cidade do novo Prefeito Crivella não mencionou a baía.
Sérgio apontou que uma das grandes questões relativas aos corpos d’água é o assoreamento. Uma forma de reduzi-lo foi a proposta do Parque Municipal da Serra da Misericórdia, que agora não deve ir para frente devido à falta de recursos. Reflorestar essas montanhas preveniria que os sedimentos escorressem para as vias fluviais. Ele também notou que “precisa de mobilização para [a proposta do projeto de esgoto da Maré] sair do papel [e se tornar realidade]”. Ele explicou que a situação da política nacional tem feito com que essas questões de saneamento devam ser tratadas mais a nível local.
Após o painel, houve uma exibição do filme “Pescadores da Maré”, um curto documentário que seguiu um grupo de pescadores em uma viagem de pesca. Ao longo do caminho, o filme ressaltou a presença intrusiva de plataformas de petróleo e espaços militares na baía. Em uma cena final poderosa, os pescadores ultrapassaram águas militares e foram-lhes dito para sair. Presumivelmente, eles continuaram para completar a pesca e os militares responderam atirando no barco. Se podia escutar pescadores gritando para eles pararem, dizendo que eles poderiam matar alguém, mas os tiros continuaram.
Após o filme, os pescadores da área, Carlos e Edson, disseram suas palavras finais. Carlos explicou como um grande vazamento de óleo em 2000 teve trágicas consequências para a população de peixes da baía, sem que os pescadores recebessem qualquer indenização. Agora é extremamente difícil viver da pesca, embora para muitos essa tradição remonta de muitas gerações atrás. Carlos afirmou a validade da cena final do filme, que não é surpreendente que haja “dois, três tiros para a gente sair da área”. Edson também denunciou o “vazamento [de óleo] criminoso” na baía e afirmou que foi o governo que “cortou a nossa reserva” de peixes. Os pescadores convidaram todos os participantes para uma barqueata e bicicletada, um encontro que aconteceu no último sábado, 5 de agosto, em apoio aos pescadores da Baía de Guanabara.
A organização Baía Viva vai publicar uma agenda detalhando como o governo municipal deve abordar o saneamento para diminuir a poluição na baía. Ricardo, representante da organização, enfatizou a importância da colaboração entre os moradores, a academia e o governo, bem como do descontentamento em relação às propostas de privatização de serviços básicos, como a água. Esse evento teve como objetivo reunir opiniões sobre potenciais planos e facilitar a troca de ideias, para que o plano possa trazer o máximo de benefícios possíveis para as comunidades e para os próprios pescadores.