A Câmara Municipal do Rio de Janeiro estava lotada na sexta-feira, 6 de outubro, quando políticos e moradores discutiam o plano do Prefeito Crivella de reconstruir a comunidade de Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio. Mais de mil pessoas vieram de Rio das Pedras para participar: as duas galerias da Câmara estavam completamente lotadas e centenas estavam do lado de fora quando a audiência foi transmitida na praça da Cinelândia. Moradores de toda a cidade também vieram mostrar o seu apoio e solidariedade.
Com uma estimativa populacional bem mais alta do que a registrada no censo 2010, de 63.484 moradores, Rio das Pedras é uma das maiores favelas do Rio e é a rara exceção explicitamente mencionada no Plano Estratégico de Crivella. O plano solicita a conclusão de um estudo sobre como urbanizar a comunidade e disponibilizar mais habitação construindo complexos de prédios de apartamentos de 12 andares através do programa Minha Casa Minha Vida. Enquanto a prefeitura e o estado passam por uma crise econômica, Crivella resolveu seguir em frente com o seu projeto dispendioso mesmo antes do estudo ser completado.
Os moradores estão extremamente insatisfeitos e formaram uma comissão para tratar das questões e organizar um movimento de resistência. Membro da comissão nascida e criada em Rio das Pedras, Fabiane Ferreira de Souza, descreveu o problema principal: “Nossa comunidade existe há mais de 50 anos, e agora nosso prefeito resolveu nos remover, ele quer tirar a gente de lá. Ele quer construir casas pelo Minha Casa Minha Vida, e quer que a gente financie essas casas. Nós já temos nossas casas, e ele quer que a gente compre pelo Minha Casa Minha Vida. São prédios de 12 andares, vai ter que ter elevador e o custa vai ficar muito alto”.
Para alcançar as metas do projeto, o governo municipal planeja remover grandes extensões da comunidade existente, construir complexos de altos prédios de apartamentos, e usar o financiamento do Minha Casa Minha Vida para financiar os novos apartamentos. Como Fabiane mencionou, muitos moradores atuais de Rio das Pedras não conseguiriam arcar com as taxas e as contas mensais de manutenção, forçando-os a mudar-se para outro lugar. Muitas famílias de Rio das Pedras inicialmente migraram de outras partes do Brasil em busca de oportunidade e conseguiram aos poucos construir as suas vidas na movimentada comunidade; neste contexto, a remoção provavelmente para regiões mais distantes de oportunidade de emprego, seria especialmente cruel. Com o suposto intuito de fornecer habitação acessível no Rio de Janeiro, Crivella está na verdade voltando-se para a remoção e a gentrificação.
Muitos membros da comunidade começaram a questionar as segundas intenções por trás deste grande projeto. “Agora do nada, veio o prefeito Marcelo Crivella, com especulação imobiliária, com certeza. Eu acho que isso é um compromisso de companha [com um doador]. Ele não tem esse direito. Ele veio visitar nossa comunidade, de uma forma silenciosa, não falava nada para ninguém. Levou até alguns empresários para conhecerem a comunidade, 8, 9 horas da noite, 4 horas da manhã, 6 horas da manhã. Isso gerou uma desconfiança na comunidade”, refletiu o membro da comissão Evandro Teixeira Tavares, morador durante toda a vida em Rio das Pedras.
A especulação imobiliária tem sido historicamente um tema comum em muitos dos casos de remoção no Rio, e os moradores notaram que Rio das Pedras está situada próxima ao condomínio onde Crivella mora, chamando o seu projeto de “limpeza social”. Há mais suspeita devido ao fato que Rio das Pedras é especificamente nomeada no Plano Estratégico, enquanto detalhes relacionados às políticas municipais em outras favelas foram deixados de fora. Evandro observou que através de um programa especial há cerca de 50 anos, muitas famílias realmente pagaram pelos seus terrenos, sugerindo que pelo menos alguns moradores têm a documentação das suas casas.
Tem faltado transparência e participação no processo desde o começo. “Um dia ele [Crivella] chama meia dúzia de pessoas, segundo eles eram representantes da comunidade, e diz que era toda a comunidade. O que é mentira. Onde que em uma comunidade que tem mais de 150.000 habitantes, meia dúzia de pessoas vão representar? Vão falar por essas pessoas? Ele diz que todos aceitaram o projeto, na verdade ele não perguntou a ninguém”, recordou Evandro.
Há outros problemas. A proposta ignora o fato que atualmente é ilegal construir mais de dois andares na região de Rio das Pedras, uma lei que Crivella quer mudar. Evandro disse que o plano de substituir grandes extensões do bairro vem apenas três anos depois que a CEDAE gastou R$65 milhões instalando infraestrutura para drenar áreas propensas a enchentes, e apenas dois anos depois que a Light gastou R$85 milhões para formalmente trazer eletricidade para as casas. Ao passo que moradores notaram que o equipamento de proteção contra enchentes nunca foi ligado, deixando a área vulnerável com chuvas fortes, o projeto de Crivella simplesmente não faz sentido. Ao invés de construir sobre o que já foi feito, Crivella planeja começar do zero.
Apesar dos poderosos interesses em jogo, os moradores de Rio das Pedras efetivamente organizaram um movimento com famílias unidas na sua intenção de resistir. “Nós montamos uma comissão com 15 pessoas da comunidade. A gente tá fazendo reuniões dentro da comunidade, a gente está convocando as pessoas. A gente vem atrás dos vereadores para apoiarem a gente”, declarou Fabiane. Eles também atacaram a narrativa oficial, concordando que há maneiras de melhorar a comunidade sem destruí-la: “Saneamento básico, infraestrutura… a gente quer que a comunidade melhore, a gente só não quer ser removido”.
Infelizmente, em meio às notícias, o estresse tem afetado algumas pessoas, que é um outro tema comum nas histórias de remoção. Pessoas já vulneráveis, algumas idosas ou doentes, correm um risco maior. “Já tiveram três infartos. Ele [Crivella] diz que vem para cuidar do povo, [mas] ele está tentando matar as pessoas. Ele está matando. Nós queremos que ele tenha um mínimo de respeito”. Evandro insistiu, questionando a consistência da retórica condescendente ao redor das políticas de Crivella.
O Prefeito tem uma luta árdua pela frente. Na sexta-feira, a comissão de Rio das Pedras conseguiu 21 ônibus para levar os moradores à audiência pública. Os moradores demonstraram claramente a sua resistência e não recuarão. Como Evandro afirmou, “nós somos muito mais que eles”.
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